Oleg Khlébnikov diz que poetas não se dividem em soviéticos e russos, mas em bons e ruins

22 março 2025 às 21h01

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Astier Basílio
De Moscou
Não, não há qualquer parentesco entre o poeta Oleg Khlébnikov e o mestre do futurismo russo.
Em uma entrevista, ao “Literaturnaia Gazeta”, ao ser perguntado a respeito da sombra do famosíssimo sobrenome, respondeu: “Vielimir Khlébnikov é um gênio, mas dificilmente um lírico em estado puro. Comigo é exatamente o contrário. Ele me interessa pela sua criação de palavras, pela imprevisibilidade não apenas da próxima palavra, mas também da sonoridade. Ainda assim, o meu grande homônimo não é o meu poeta favorito. O que nos une, além do sobrenome, é a vocação: a poesia e a matemática”.
Oleg Khlébnikov tem 68 anos e nasceu na cidade de Ijevsk. Estreou na literatura com 17 anos incompletos, no jornal “Komsomolskaia Pravda”. O jovem poeta foi saudado por grandes nomes da poesia soviética daquele período, a exemplo de Andréi Vozniessiênski e Boris Slútzki. “Considero as palavras de Slútzki sobre mim uma bênção no ofício — perdoe-me o tom solene. E, depois dessa publicação, chegaram, sem exagero, sacos de cartas. Mas eu era um sujeito irônico e, graças a Deus, consegui não me deslumbrar”.
A entrevista, da qual traduzimos estes trechos, foi concedida em 2007. Quando lhe foi perguntado se era um poeta soviético ou russo, respondeu: “Parece que não deu tempo de me tornar soviético. E nem me esforcei para isso. No geral, na minha opinião, os poetas não se dividem em soviéticos e russos, mas em bons e ruins. Veja Maiakóvski — ele é só um poeta soviético ou também russo? Quando você lê ‘A Nuvem de Calça’s (poema longo da fase futurista) essa pergunta não ocorre — é poesia. Quando você lê ‘Muito bom!’ (poema longo de louvor ao regime), novamente, não ocorre essa pergunta — porque não é poesia”.
Oleg Khlébnikov ganhou o Novo Prêmio Púchkin (2013), o Prêmio “Parábola” da Fundação A. Vozniessiênski (2019), o Prêmio “Vénec” da União dos Escritores de Moscou, entre outros. Traduzido para o francês e dinamarquês. Nossas traduções de sua poesia são as primeiras em língua portuguesa.
Astier Basílio, jornalista, crítico literário e tradutor, faz doutorado em Moscou. É colaborador do Jornal Opção.
3 poemas do russo Oleg Khlébnikov
1
Selfie
Ao longe os indivíduos
estendem a mão que escorre
o jardim, ante o bar, quando
sobre si mesmos fazem vídeos
nos montes, onde houver velório
enlouquecendo ou se enlutando.
Têm o álibi que comprova
que se encontraram ali,
com a exatidão de milésimos.
Têm o desleixo de quem levasse
a mais exata Boa Nova
somente para si mesmos.
2
Quarenta anos fez do seu verso aposta
sem obter qualquer resposta.
Ou na escolha do seu pão errou
ou é um cego o seu receptor.
Você não escolheu nada, ora essa!
Só berrou rimas no meio da brecha
entre a garagem e a cerca colocada
onde ficam as cabras próximas de um “Lada”.
3
Vou viajando num trem, curta a distância
que a penúltima pessoa seja eu que alcance-a,
porque estou no último vagão posso dizer-lhe
caso alguém esteja com muita pressa — vai,
passa na frente, porque a mim tanto faz,
definitivamente, esta chegada dele.
Cheguei desde que nasci, não levo
o anúncio e nenhuma forma de aviso prévio
sobre não ser esperado e necessário aqui.
— mas quem — retruque — é necessário e a que?
faça uma crítica que eu mereça, me ataque.
Entro na escuridão — tem alguém ali.
Vai me esperar? Deus é quem sabe se.