O Perigo de Estar Lúcida, livro de Rosa Montero, discute a loucura e a criatividade artística
27 outubro 2024 às 00h00
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Helder D’Araújo
Especial para o Jornal Opção
Rosa Montero, de 73 anos, é jornalista, ensaísta e romancista. Em “O Perigo de Estar Lúcida” (Todavia, 272 páginas) a autora espanhola aborda a relação da criação artística e o sofrimento psíquico.
O livro possui vasta referência bibliográfica na área de neurociência, psicologia e biografia de grandes autores da literatura universal.
Baseada no binômio “todos são iguais” e “todos somos diferentes”, Rosa Montero constrói suas suspeitas e sugestões a respeito da criatividade e da loucura.
O que a motiva na investigação é seu próprio dilema com o que ela nomeia como torpor (uma espécie de ataque de pânico que a atormentou em alguns períodos de sua existência).
A busca apaixonada em leituras de artigos e livros especializados no sofrimento psíquico faz com que a autora mapeie a si. O mesmo dá-se ao inteirar-se de biografias de autoras e autores de peso. Cito alguns: Virginia Wolf, Emily Dickinson, Sylvia Plath (esta, caríssima à autora), Dostoiévski, dentre outros.
O que é a loucura para Rosa Montero? Estar miseravelmente só. Se as pessoas que o rodeiam sabem de sua dificuldade interna logo te mandam para o limbo. Seja evitando-o(a) ou mesmo para os tratamentos que, pasme, ainda são aplicados, como no caso do autor francês Emmanuel Carrère, que foi submetido ao eletrochoque.
Mas a loucura não é o eixo da preocupação de Rosa Montero, e sim como a cabeça do artista funciona. Sua cabeça pifa porque a intensidade química em seu cérebro causa-lhe curtos-circuitos (ao gosto da autora).
A mente dos romancistas (ênfase maior no livro) é uma mente tempestiva. Uns conseguem trabalhar toda essa energia e criar. Já outros, nem tanto. Estes, infelizmente, pagam com desordens internas e um abuso terrível de estímulos nocivos. Drogas. Somam-se a isso os medos. Medo de fracassar. Medo de enlouquecer. Rosa Montero teme enlouquecer.
Criatividade salva da angústia
Qual a solução? O escape está na criação. A criatividade salva da angústia, da dissociação e amargura, sugere Rosa Montero.
A autora entende que seus ataques diminuem quando está aplicada na criação escrita. Rosa Monteiro cita vários exemplos de autores que se apegaram ao fazer literário como forma de suportar seus medos.
Quais as circunstâncias que podem deixar alguém louco? Uma série de desordens da vida mesma. As pessoas estão lançadas à sua própria sorte e as musas que lhes acudam (ou não).
Por que somos todos iguais e mesmo assim todos diferentes? O paradoxo se dá da seguinte forma. Todos somos iguais porque partilhamos das mesmas sensações, medos e dúvidas. Ninguém se sente seguro no que está produzindo. Os autores são idênticos ante as suspeitas de si. Há um nome para isso, fraude. Porém, somos também diferentes.
O exemplo usado pela autora dá-se na exploração das variadas biografias rastreando como cada personalidade lhe dá com as adversidades comum a todos. Uns, infelizmente, suicidam-se. Outros, após uma imersão em drogas ou no silêncio mais absoluto, salvam-se de alguma forma.
A passagem do tempo angustia a autora. Cá e acolá, Rosa Montero pontua com lamento sobre as marcas do tempo deixada em seu corpo. Sente-se menos angustiada ao saber que uma impostora (que se faz passar pela autora em vários momentos de sua vida. Assina com seu nome, apresenta-se como Rosa Montero pelos locais), lindona e stalker, também sente a passagem do tempo. Somos todos iguais.
Por falar em temporalidade, Rosa Montero identifica um período decisivo na vida de todos. A infância de não poucos autores, a da autora mesma, passaram por crises acelerando o processo de lucidez. Estar ciente do ocorrido (abusos infantis nas mais variadas ordens) não é uma tarefa fácil e sem preço a pagar. Esse é o perigo de estar lúcido.
Se escreveremos romances, se faremos poesia, se pintaremos quadros ou se leremos biografias e livros cabe a cada um escolher.
Por fim deixo esses versos da poeta americana Sylvia Plath (1932-1963):
[…] Pois há um custo
Por olhar minhas cicatrizes, há um custo
Por ouvir meu coração —
E ele pulsa. […]
Helder D’Araújo é livreiro e escritor. É colaborador do Jornal Opção.