O “nazismo humanizante” do escritor Miguel Sanches Neto
30 maio 2015 às 11h37

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A Segunda Pátria, novo livro do professor universitário e crítico literário paranaense, mostra a realidade do Brasil de Getúlio Vargas, caso o regime do totalitarista Adolf Hitler tivesse se alastrado até a América Latina

Domingos Pellegrini
Especial para o Jornal Opção
Antes de conhecido o Holocausto, e quando o nazismo parecia uma força unificadora e invencível, simpatizantes dele eram o Príncipe de Galles, o Papa da época e vários ditadores, como nosso Getúlio Vargas – que só aceitou declarar guerra à Alemanha depois que submarinos germânicos afundaram navios brasileiros, revoltando nosso povo. Mas e se isso não tivesse acontecido e Getúlio continuasse simpatizante do nazismo?
Daí parte Miguel Sanches Neto para construir um romance historicamente delirante, mas que se salva do delírio do próprio roteiro graças à humanidade de seus personagens. Sanches é escritor que conheceu a enxada antes da caneta, foi menino de roça e fez colégio agrícola, e isso transparece, de forma envolvente, em A segunda pátria, conseguindo conferir densidade humana à história.
A maioria da então chamada Colônia Alemã, nos Estados sulinos do Brasil, era não só simpatizante de Hitler como esperava que as vitórias nazistas fossem além da Europa, chegando à América do Sul, como aliás era plano de Hitler, que só não se realizou por encontrar no Atlântico a barreira da Inglaterra liderada por Churchill. Mas e se, contrariando a história, os nazistas fossem dominando nossas comunidades sulinas, com o beneplácito da ditadura getulista?
Os negros seriam perseguidos e presos em campos de concentração, pois, na história de Sanches, aqui o racismo nazista se voltaria principalmente contra os afro-descendentes, encarnação da inferioridade racial que o hitlerismo eliminaria da Terra. Milícias nazistas cresceriam a ponto de formarem um exército, prendendo, espancando, confiscando propriedades, executando gente sem julgamento nem complacência. E, numa visita de Hitler ao Brasil, uma jovem alemã seria preparada para a ele ser oferecida como, digamos, brinde sexual. Sim, a ele, Adolf Hitler.

E Getúlio não se suicidaria, seria assassinado, imagine por quem, por seu “anjo negro”, Gregório Fortunato, o guarda-costas que cuidava tanto do presidente a ponto de mandar matar seu detrator Lacerda, assim motivando o suicídio do idolatrado chefe. Nesta narrativa, com a morte de Getúlio, disfarçada como enfarte noturno por Gregório, o Brasil acorda, retoma as chamadas rédeas da história e o exército de Caxias liquida os asseclas de Hitler.
É um enredo que seria hilário se não fosse aquela humanidade dos personagens, conferindo uma dolorosa veracidade a suas desgraças, e uma luminosa humanidade a suas tentativas de sobreviver ao nazismo. Passada em Blumenau, Porto Alegre e Rolândia, a história termina brasileiramente no Rio de Janeiro, como símbolo de unidade nacional acima das ideologias.
Assim, fazendo pensar como seria a história se não fosse o que foi, A Segunda Pátria nos conduz ao debate central das civilizações, entre as democracias e as ideologias, que daquela se servem para derrotá-la. É um recado muito atual e bastante adequado para as nações que ainda insistem em venerar ditadores ou ideologias, sempre em nome da justiça social e da prosperidade para os trabalhadores, para apenas colher injustiças e mais pobreza, principalmente para os trabalhadores. É como se Sanches sussurrasse em todas as páginas, através de seus sofridos personagens:
“Não se iludam com os quixotismos das ideologias! Nossa pátria é a que construímos juntos, a pátria apontada pelas ideologias é delírio”.