Soninha Santos

Especial para o Jornal Opção

“Teko Hypy — A Origem do Mundo”, que reúne quatro artistas das cores e das palavras, nos convida a parar, sossegar a mente atribulada com os afazeres cotidianos e conhecer uma versão belíssima da origem do mundo. O livro, publicado pela Editora Negalilu (2022), é bilíngue e traz uma narrativa poética dos Mbyá-Guarani, povo originário do Sudeste e Sul do Brasil.

A lenda, poeticamente contada, fala do início do “tudo”, quando antes não havia nada. Do nada, do escuro profundo, surgiu o mundo, surgiram os seres e tudo que existe, narrativa recorrente em praticamente todas as culturas. Contudo, a beleza dessa lenda indígena é a forma como é contada: a luz surgiu a partir do reflexo do coração do Criador. Após a luz criou-se a Linguagem com “L” maiúsculo. De acordo com esse povo, a Linguagem contém a alma. “A alma-palavra é o princípio de tudo, as palavras que não morrerão e foram criadas antes dos seres.”

Essa imagem maravilhosa nos faz pensar exatamente nisso, no poder que a fala tem, na imensidão de possibilidades do discurso e do diálogo numa época em que pouco falamos e a Linguagem tem produzido muitas vezes, desencantos. A palavra dita, contida, necessitava transbordar de verbos capazes de produzir atitudes coerentes e eficazes. A ação verbal, por ser Verbo, traz em si a capacidade de transformar, mudar, gerar, criar.

Enfim, a entidade criadora e criativa que o livro apresenta continua sua obra criativa enfeitada pela ilustração de Patrícia Pará Yxapy e Sophia Pinheiro. O projeto gráfico, de Bia Menezes reúne texto e arte num mundo de cores e belezas.

O livro, já pela capa, poderia despertar o interesse de leitores/leitoras, e a leitura se faz indispensável. É um convite a uma narrativa cuidadosa, zelosa e farta de significados e prazeres. Conhecer parte da história de um povo indígena é conhecer uma parte de nós, uma parte de nossa cultura e de nossa história.

Num momento em que nossos olhares se voltam para a região amazônica e, assustados e espantados, vislumbramos a tragédia dos Yanomami, ficamos à cata de explicações para o ocorrido. E certamente não enxergamos como contribuímos historicamente para o “encobrimento” da existência e da cultura desses povos. Somos responsáveis quando não trazemos para a mesa a discussão sobre essas Nações, quando nossas escolas mal se lembram deles em seus currículos, a não ser na “data especial” de 19 de abril.

O livro, leitura concluída, convida a pensar, convida a conhecer, se inteirar da história e, por que não, convida a agir. Afinal, “todo dia era dia de índio” e se não é mais, nossa parcela de responsabilidade. Basta acessar as notícias do cotidiano para ver.

Soninha Santos é professora e crítica literária.