[Nas próximas cinco edições, o Jornal Opção vai publicar um extenso ensaio a respeito do maior empreendedor do mundo, o sul-africano Elon Musk.]                                

Salatiel Soares Correia

Especial para o Jornal Opção

Lá se vai exatamente um ano e meio daquele jantar, regado a bons vinhos, ocorrido em um luxuoso restaurante da cidade norte-americana de San Francisco, entre o jornalista especializado na área de tecnologia Ashlee Vance e o mais audacioso empresário do Vale do Silício.

Naquela ocasião, Ashlee Vance obteve, do poderoso empresário, a autorização para publicar sua biografia. Trata-se, sem dúvida, o empreendedor de maior destaque no Vale do Silício. Para isso, o entrevistador cedeu a uma exigência do entrevistado: a de que, antes de ser disponibilizado ao mercado, o livro deveria ser analisado pelo biografado.

Promessa feita, promessa cumprida. E assim o jornalista, nascido na África do Sul, Ashlee Vance passou seus manuscritos àquele que é hoje considerado o segundo homem mais rico do mundo (Bernard Arnault, dono da Louis Vuitton, o superou, mas tudo indica que será por pouco tempo). Falo do também sul-africano Elon Musk, de 51 anos.

Elon Musk: o garoto solitário sofreu nas mãos dos colegas | Foto: Maye Musk

Depois de aprovados os manuscritos, o mundo agora pode, finalmente, conhecer a história de sucesso de um vencedor deste mundo globalizado. Mitos e verdades acompanham a trajetória de sucesso dele.

Inúmeras dúvidas pairam sobre o sucesso profissional desse bilionário, maior acionista de empresas de excepcional valor agregado, como é o caso da indústria de carros elétricos Tesla e da empresa que se tornará mais competitiva dentro da rentável indústria espacial comercial, a Espaço X. O que fez Elon Musk para superar em patrimônio nomes expressivos do empreendedorismo norte-americano, tais como Bill Gates, da Microsoft, e Jeff Bezos, da Amazon? Que estratégias vencedoras adotou nos seus negócios, esse empreendedor sul-africano, para, no intervalo de uma década, migrar da classe média para a condição única na qual se encontra: a de segundo homem mais rico do planeta?

Elon Musk e Mark Zuckerberg: rivais no mundo globalizado | Foto: Reprodução

O estilo Elon Musk de ser, que fez dele um vencedor, será objeto de análise no transcorrer destes escritos. Antes de avançarmos, todavia, apresentemos o relato do seu biógrafo quanto ao modo de agir dele e de seu principal concorrente, Mark Zuckerberg, dono do Facebook. Segundo Ashlee Vance, o que falta à maioria dos empreendedores do Vale do Silício, sobra ao dono da Espaço X, ou seja: ele tem a capacidade de visualizar o mundo com significado. Enquanto Elon Musk se porta mais como “um general posicionando tropas para assegurar a vitória do que um CEO perseguindo a riqueza, Mark Zuckerberg quer ajudar você a compartilhar fotos de bebês”. Já “Musk quer salvar a raça humana da aniquilação autoimposta ou acidental”. Dito de outro modo: o dono da Espaço X focaliza suas ações na liderança da equipe, enquanto seu colega acionista majoritário do Facebook envida seus esforços para atender à razão de ser de seus empreendimentos: a clientela.                                                                                 

Para entender essa trajetória de sucesso do mais importante empresário do Vale do Silício, faz-se necessário mergulhar na história de vida desse empreendedor: da infância até os dias de hoje. É a partir dessa trajetória que poderemos entender a formação do caráter, a personalidade que fez de um jovem oriundo da classe média-alta da África do Sul uma celebridade. Foi mergulhando nos escritos de Ashlee Vance que, nesta resenha, procurou-se obter respostas que ajudassem a entender o absoluto sucesso do segundo homem mais rico da Terra. Vamos, pois, a esta tarefa.

Kimbal e Elon Musk, na África do Sul. O dois moram nos Estados Unidos | Foto: Maye Musk

Infância e adolescência no país de Nelson Mandela

O casamento do engenheiro Errol Musk com a modelo e nutricionista Maye Musk (nascida Haldeman) foi complicado desde o início, e desse enlace nasceram três filhos: Elon, o mais velho, Kimbal e a caçula Tosca.

A família vivia, com conforto, em uma casa de três andares e vinte cômodos. Embora os pais de Elon tenham sido liberais na criação dos três filhos, que nunca atravessaram dificuldades financeiras, Elon não se sentia feliz. É possível que o motivo dessa infelicidade se devia à separação dos pais.

A respeito dessa fase de sua vida, o dono da Tesla relata que “sem dúvida seria correto afirmar que não tive uma boa infância. Pode parecer boa. Não foi desprovida de coisas boas, mas não foi uma infância feliz. Foi meio penosa”.

O sucesso do empreendedor Elon Musk induz a pensar que ele tenha sido um aluno brilhante nos tempos de educação formal, mas não foi bem assim. Seus ex-colegas de sala lembram dele como “um estudante agradável, quieto, não particularmente brilhante”.

Ashlee Vance: biógrafo de Elon Musk | Foto: Divulgação da editora

Para comprovar o desempenho escolar do filho do engenheiro Errol Musk, o autor entrevistou Deon Prinsloo, o colega que se sentava na cadeira detrás de Elon. Segundo ele, “havia quatro ou cinco garotos que eram considerados os mais inteligentes. Elon não era um deles”.

Gideon Fonrie, que conviveu com ele nos tempos de estudante, surpreendeu-se com o sucesso profissional do colega. Para ele, existe um descompasso com a performance do estudante e o que ele se tornou anos depois: um dos homens ricos do planeta (anote: Bernard Arnault vai ficar para trás, como ficaram Bill Gates e Jeff Bezos). A respeito disso, emite a seguinte avaliação: “Honestamente, não havia nenhum sinal de que ele se tornaria um bilionário. Nunca teve uma posição de liderança na escola. Fiquei bastante surpreso ao saber o que aconteceu com ele”. Certamente, Elon Musk não tem vocação para cientista. O verdadeiro talento que impulsionou sua meteórica carreira se encontra no passado de uma criação familiar voltada para enfrentar desafios.

Elon Musk encarava os estudos de maneira objetiva. “Que notas preciso para chegar aonde quero?”, perguntava o filho da modelo Maye Musk para si mesmo. Ciente da nota, o dono da Tesla dispendia o esforço necessário para passar. E sempre passava.

Quem deseja compreender o estilo ousado de Musk de empreender novos negócios, comandando equipes de seus inúmeros projetos, estes atrelados a objetivos impossíveis de serem alcançados por nós, reles mortais, precisa entender a maneira audaciosa de viver de seus avós maternos, Joshua e Wyn, e de seus pais, que procuraram criar os filhos para enfrentar desafios que a vida impõe a todos nós.

Joshua Haldeman e Winnifred: avós de Elon Musk | Foto: Reprodução

O espírito aventureiro dos avós maternos foi um aspecto marcante, esses estavam sempre dispostos a vencer desafios, como o de fazer uma viagem em um monomotor da África até a Escócia, perfazendo cerca de 36 mil quilômetros. Em 1954, o casal de aventureiros repetiu a façanha impondo-se o desafio de ir e retornar da África à Austrália perfazendo um percurso de 48 mil quilômetros. A esse respeito, relata o autor que “acredita-se que eles tenham sido os únicos pilotos privados a ir da África à Australia num monomotor”. O fato foi amplamente divulgado pela imprensa.

Nesse sentido, a mãe de Elon relatou o estilo de ser da família que muita influência teve na maneira ousada e imaginativa de vencer desafios, aparentemente, impossíveis de serem alcançados. “Tínhamos a impressão de que éramos capazes de qualquer coisa. Só era preciso tomar uma decisão e fazer.”

Elon chegou a fazer uma breve passagem pela Universidade de Pretória. Entretanto, a alma empreendedora do filho da modelo Maye Musk logo percebeu que a África do Sul era pequena demais para seus sonhos. “A África do Sul era como uma prisão para Elon”, relatou o irmão Kimbal. Assim, o Vale do Silício entrava nos planos do homem mais rico do planeta. Antes, porém, Elon migrou para o país onde fez seus estudos universitários: o Canadá.

Elon Musk e sua mãe, Maye Musk | Foto: Reprodução

Cidadão do Canadá e do Estados Unidos

A migração para o Canadá representou uma espécie de rito de passagem na trajetória de vida de Elon Musk. O motivo de ele ter decidido migrar para lá consistia no fato de a mãe ter parentes naquele país. Assim, o dono da Espaço X desembarcou em terras canadenses em junho de 1988.

Em um primeiro momento, Musk tratou de conhecer um pouco aquele imenso país que seria, desde então, seu novo lar. Procurou um tio de sua mãe na cidade onde vivia. Lá chegando, foi informado que o tio tinha migrado para o Estado de Minnesota, nos Estados Unidos. Sem ter para onde ir, passou uns dias em um albergue da juventude. Após conhecer Montreal, comprou uma passagem de ônibus rumo a uma pequena cidade de 15 mil habitantes, Swift Current, distante 3 mil quilômetros da capital canadense. Lá encontrou o primo de sua mãe, assim, eles se tornaram grandes amigos. Elon apreciava a vida familiar, principalmente com irmãos e primos.

Para se sustentar em um país caro e desenvolvido como o Canadá, não se pode escolher que serviços fazer quando as necessidades batem à porta. Ciente disso e sabendo plenamente aonde queria chegar, o dono da Espaço X foi à luta em busca de trabalho. Para isso, Elon fez de tudo. Em seu livro de memórias, ele relatou que o primo lhe ajudou a estabelecer-se em um novo mundo, até então, para ele, desconhecido.

Mais adiante, o autor relata que, no ano seguinte, passou fazendo uma série de biscates para sobreviver. Cultivou legumes e verduras e retirou grãos de silos com uma pá na fazenda de um primo, localizada na cidadezinha de Waldeck. Em uma etapa posterior, Elon sobrevivia cortando toras de madeira.

Até então, os trabalhos braçais possibilitavam sua sobrevivência, mas não o habilitavam a trabalhar com coisas tão sofisticadas como se tornar um empresário de sucesso em uma região de constantes inovações tecnológicas como é o Vale do Silício.

Elon Musk e Justine Wilson: o primeiro casamento | Foto: Reprodução

Os ventos começaram a soprar de forma favorável a ele quando se matriculou, em 1989, na Queen’s University, em Kingston, Ontário. No campus da instituição, Elon conheceu Justine Wilson, que se tornaria sua primeira mulher (ele se casou mais duas vezes) e mãe de cinco de seus filhos. A vida universitária se adequou bem ao seu estilo de completa discrição. Para isso, o dono da Espaço X procurou evitar ser o “sabe-tudo”, mesmo já tendo o respeito dos colegas pela sua capacidade intelectual.

Creio que esse reconhecimento de seus pares contribuiu para a elevação do grau de confiança que o dono Tesla passou a ter sobre si mesmo. O sonho de ir para os Estados Unidos continuava a perturbá-lo, tal como o fantasma das peças de Shakespeare. Mas logo não perturbaria mais. Passados dois anos, o dono da Tesla, finalmente, conseguiu transferir seu curso de Economia para uma das universidades de ponta nos Estados Unidos: a da Pensilvânia. A partir daí, ele concentrou seus esforços para concluir dois cursos superiores. O primeiro, economia, na prestigiada Wharton School; e o segundo, Física, em um dos institutos da Universidade da Pensilvânia. O curso de Física influenciou diretamente no desabrochar do dono da Tesla. Desde então, Elon Musk se transformou num verdadeiro nerd.

Maye Musk presenciou, com satisfação, o renascer de um novo Elon. No depoimento sobre o filho, a mãe relata a amizade dos colegas em seu confronto. São suas palavras: “Lembro-me de ir almoçar com eles e ouvi-los falar de física […] Riam alto. Foi bom vê-lo tão feliz”. Sim, Elon estava entusiasmado, pois encontrara no curso de Física da Universidade da Pensilvânia o que ele realmente queria fazer na vida.

A partir daquele momento, o céu passou a ser o limite para os planos de Elon Musk. O Vale Silício era a trincheira a ser conquistada. Começava, então, sua evolução intelectual, que foi de fato extraordinária. Existiram dois Elons quanto ao desempenho acadêmico: o de antes do curso de Física, que era um bom aluno sem ser brilhante; e aquele durante e depois do curso de Física, que se transformou num aluno absolutamente notável e respeitado pelos seus pares.

O profundo conhecimento de física aliado a seu reconhecido talento empresarial foram qualidades fundamentais para os futuros projetos desse bilionário em gestação. A respeito deste, o biógrafo do dono da Espace X revelou que o inegável talento de Elon Musk se atrela ao fato de ele “dominar difíceis conceitos físicos aliando estes aos planos de negócio”.

Na Universidade da Pensilvânia, o dono da Tesla se envolveu, com muita intensidade, em um setor que seria o propulsor para ele fazer a diferença no Vale do Silício: o do setor de energia.

O seu primeiro trabalho de faculdade sobre energia solar destacou-se pelo fato de ter sido bastante acolhido por alunos e professores da Universidade da Pensilvânia. No instituto de energia da universidade, Elon apresentou um trabalho — leia-se: “A Importância de ser solar”. Neste, o dono da Espacial X investigou o futuro da energia solar.

Quanto a esse assunto, é oportuno avaliarmos o que nos coloca o biógrafo no momento que ele descreve a maneira de Elon Musk e sua imensa capacidade de imaginar o futuro. Ele nos dá uma pista de como trabalharia o dono da Espaço X no momento que se tornaria o que hoje é: o maior vencedor dessa sociedade altamente competitiva chamada de globalização.

“[O estudo] previa um avanço da tecnologia de energia solar com base na melhoria de materiais e na construção de usinas solares em larga escala. Musk pesquisou a fundo o modo como as células solares funcionam e os vários compostos que podem torná-las mais eficientes”, relata o autor a essência da pesquisa do filho do Engenheiro Errol Musk e da bela modelo Maye Musk, para, em seguida, explicitar a conclusão da pesquisa: “Trabalho com um desenho da ‘estação de energia do futuro’. Este mostrava dois painéis solares gigantes no espaço — cada um com quatro quilômetros de largura — enviando energia para a Terra, via feixes de micro-ondas, até uma antena receptora com sete quilômetros de diâmetro”.

O examinador da qualidade do trabalho, famoso por reprovar a maioria dos alunos e a passar raspando com nota 5, no máximo 6, quem de fato se esforçava, proferiu o seguinte julgamento sobre a pesquisa de Elon Musk: “Foi trabalho muito interessante e bem escrito.” A nota 9,8 dada à pesquisa de Elon superou e muito a, até então, maior avaliação dada por esse professor ao aluno considerado de grande inteligência: 7,5. Esse 9,8 de Elon Musk entrou para história do curso de energia da Universidade da Pensilvânia.

Ainda no transcorrer do curso, o dono da Tesla voltaria a desenvolver outro grande trabalho acadêmico que lhe traria enormes lucros ao resolver entrar em um mercado que o levaria a ocupar o lugar único do qual hoje desfruta: o de disputar o título de pessoa mais rica do mundo. Trata-se dos ultracapacitores.

Sobre esse novo trabalho acadêmico, deixemos que o próprio Elon Musk explique o resultado: “O resultado final representa o primeiro novo meio de armazenar quantidades significativas de energia elétrica desde o desenvolvimento da bateria e da célula de combustível. Além disso, como o ultracapacitor retém as propriedades básicas de um capacitor, pode fornecer energia com uma rapidez cem vezes maior do que uma bateria de peso equivalente e ser recarregado tão rapidamente quanto”.

Um trabalho realmente original, pois o autor mostrou extrema habilidade de aliar complexos conceitos da física com os planos de negócio. Resultado: o rigoroso professor, que não passava quase ninguém, aprovou o dono da Tesla com a nota 9,7. Fez isso tecendo enormes elogios ao novo trabalho de pesquisa de um aluno reconhecido tanto pelo corpo docente como discente da Universidade da Pensilvânia.

Elon Musk desenvolveria uma terceira pesquisa voltada para o armazenamento de documentos e livros em enormes bancos de dados. Esse trabalho, laureado como os outros, seria fundamental para um negócio voltado para o armazenamento de documentos, livros e jornais na internet. E foi assim, percebendo o imenso potencial da internet para esse serviço, que o dono da Espaço X montaria uma empresa que foi decisiva para que esse empreendedor sul-africano obtivesse recursos para montar o império capitalista que o possibilita ocupar o lugar de um dos maiores bilionários globais. Todavia isso é assunto para conversarmos mais adiante. Por ora, registro a chegada dele ao Vale do Silício, sabendo perfeitamente aonde queria chegar.

Elon Musk saiu da Universidade da Pensilvânia diferente de como entrara. Mais maduro e com o reconhecimento, pelos seus pares, do seu valor acadêmico. A partir desse momento, ele estava qualificado para liderar profissionais talentosos, voltados a cumprir os desafios oriundos de uma mente brilhante. Sim. Elon Musk estava preparado para se tornar o que hoje é: o empreendedor de maior sucesso a atuar no espaço mais imaginativo e inovador do planeta: o Vale do Silício.

Salatiel Soares Correia é engenheiro, administrador de Empresas, mestre em Energia pela Unicamp, é autor de sete livros. Entre outros, “A Energia na Região do Agronegócio”. É colaborador do Jornal Opção.