O homem que peitou Adolf Hitler

17 março 2018 às 10h38

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Winston Churchill, o homem mais importante do século 20, ajudou o mundo a ser o que é, ao criar estratégias de combate contra as forças nazistas; o filme “O Destino de uma Nação” mostra isso muito bem

João Paulo Teixeira
Especial para o Jornal Opção
O filme “O Destino de uma Nação” trata do maior homem público do século 20, brilhantemente interpretado por Gary Oldman, cujo papel lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator. É um filme, portanto, que merece ser assistido com atenção do começo ao fim. O título da película em inglês (“Darkest Night”, “A mais escura das noites”, em tradução livre) já é, por si, o retrato do que viria a ser o plot point do planeta e da humanidade.
Se Sir Winston Churchill não tivesse passado por essa noite escura, o mundo seria tão diferente, que provavelmente nem este texto seria escrito em português. Aprenderíamos alemão ao invés de inglês nas escolas primárias. Mas, a vida privada de Churchill e a importância desse estadista na História, com H maiúsculo, são tão marcantes que até Hobsbawm, outro H, as reconhece.
O novo é o que o filme retrata dois elementos fundamentais para entender como a Grã-Bretanha, a solitária ilha náutica desde a Idade do Bronze (palavras do próprio Churchill), enfrentou e venceu a guerra contra um império tão organizado que poderia ter desembocado no Milésimo Reich.
Churchill, além de ser o homem mais importante do século 20, o é também por ser o único grande estadista a sentar no mesmo panteão de Prêmios Nobel como T.S Eliot, Faulkner e Hemingway. Chegou lá por defender, com a literatura e seus grandes discursos no rádio, os direitos humanos e a liberdade.
Até o último homem
Os elementos estão espalhados no longa. O principal está na belíssima cena (me emocionei profundamente ao vê-la) quando ele, apeando de um Rolls-Royce puro sangue britânico, desce ao metrô, e lá encontra a verdadeira mescla do que era o povo inglês na década de 1940; nortenhos, imigrantes negros das colônias, futuros fãs de Beatles e até a vanguarda do mundo, que, naquele tempo já havia criado a máquina a vapor com Trevithick (e com ela uma revolução industrial), e até a teoria de Darwin.
“Se eu pedisse trégua, o que vocês pediriam”, indaga Churchill à turba: a resposta deles vem enfática: “resistência até o último homem”. “Se invadirem Londres, vamos enfrentar a Luftwaffe com cabos de vassoura, se necessário”, diz uma dona de casa, de forma altamente romantizada pelo roteiro de Mark Boal e Anthony McCarten.
É nesse tipo de gesto que está o glamour da coisa. Não é um filme feito para o espectador médio americano, cheio de explosões e bombas como os de Bay ou mesmo para as dramatizações bem feitas de Nolan (“Dunkirk”) e Spielberg (“O Resgate do Soldado Ryan”).
Aliás, as cenas de guerra são raríssimas. Duram menos de 30 segundos, somadas. Aqui, elas se passam apenas nos calabouços de uma área estratégia do front e nuances no Parlamento. Os momentos decisivos de Churchill estão temperados com diálogos tensos e carregados de ódio, como os comuns em “A Queda: As Últimas Horas de Hitler”, do alemão Oliver Hirschbiegel.

Sagacidade
Mesmo com a Monarquia (o encontro definitivo com o rei se dá em um quarto bagunçadíssimo, com uma torpe iluminação), a obscuridade está presente. Quando protocolarmente é necessário beijar a mão de Jorge VI, logo uma fala certeira a suplanta: “não posso recebê-lo às 16 horas. Eu durmo nesse horário. É necessário. Eu trabalho até tarde”, completa ao monarca um dos frasistas mais parafraseados de todos os tempos.
Quando o rei lhe sugere que almocem juntos às segundas-feiras (ele o faz com o tradicional Scotch e doses boas de champanhe francês, que arranca gargalhadas na plateia), Churchill pontua para um assessor: “dizer que encontrá-lo uma vez por semana é pouco, soa como dizer que tenho que arrancar um dente uma vez por semana.”
Outro elemento sistemático, que se soma ao primeiro – que é a consulta ao povo escrita no legítimo papel de pão, nas coxas, tão avesso ao modo britânico –, está na ligação para Theodore Roosevelt, no famigerado telefone vermelho que Kubrick mostra em “Dr. Fantástico”.
“Mande-nos aviões que compramos com o dinheiro que tomamos emprestados de vocês”. De lá, o sotaque americano responde. “Não posso, estou de mãos atadas. Uma Lei no Congresso me impede. O que posso é encaminhar uma tropa de cavalos, que podem buscar pelo Canadá”. Churchill até abaixa o telefone da orelha. “Cavalos!”
É a síntese do que foi o momento. Londres, em todo o desfecho da Segunda Guerra Mundial, recebeu toneladas a mais de bombas que Berlim. Mesmo assim, se não fosse a sagacidade de Churchill em ouvir o povo, enfrentar Neville Chamberlain e a posição dos lordes – que organizavam um acordo de paz redigido via Itália de Mussolini -, alicerçar o rei, que, nessa altura, queria dar uma de D. João VI e mudar para a Colônia, o mundo definitivamente teria mudado.
Churchill foi o pioneiro ao decidir tirar os EUA da omissão, a forçar o Terceiro Reich a começar uma trágica campanha pelo Leste (não aprenderam nada com Napoleão e Tolstói) e provar que o nazismo poderia ser vencido, tanto ideologicamente quanto fisicamente. Foi com essa percepção que a Inglaterra salvou o mundo ocidental. Ela partiu de um único homem. Gary Oldman mostra isso como se fosse o próprio senhor do terno, do charuto e da Tommy Gun.
João Paulo Teixeira é publicitário pela UFG e secretário de comunicação em Caldas Novas