Júlio Pereira
Especial para o Jornal Opção

Andrew Garfield interpreta Peter Parker em “O Espetacular Homem-Aranha 2”
Andrew Garfield interpreta Peter Parker em “O Espetacular Homem-Aranha 2”

 

O Homem-Aranha é, pos­sivelmente, o herói mais interessante das histórias em quadrinhos, em boa parte pela relação direta entre o Aranha e o Homem, ou seja, o modo como lida com sua vida pessoal sendo pobre, órfão e excluído no colégio, ao passo que precisa pagar contas, lidar com a namorada e estudar, enquanto vilões tentam destruir sua Nova York natal. Esse conflito fez muita falta no reboot do personagem nos cinemas em 2012. Faltava muito do lado pessoal de Peter. Os roteiristas parecem ter atentado-se a isso ao escrever esta continuação, “O Espetacular Homem-Aranha 2”.

No entanto, continua inexistindo toda a dramaturgia intrínseca ao personagem. Compreendam: Marc Webb é o responsável por “(500) Dias com Ela”, uma comédia romântica metida a espertinha. Sendo assim, dá-lhe diálogos pretensamente meigos, que parecem retirados de alguma sitcom genérica norte-americana (especialmente a conversa entre o casal sobre seus defeitos), resultando em momentos constrangedores. A obra resume-se a esse romance tacanho que nunca passa da superfície das comédias românticas hollywoodianas, justificando-se todas as atitudes moralmente duvidosas de Peter em nome desse amor. Todo o conflito interno do personagem em relação à sua promessa ao pai de Gwen Stacy é rapidamente esquecido, assim feito a imaturidade do protagonista em nome do modelo de amor romântico. E o momento no qual o falecido policial aparece na tela numa cena-chave busca, por meio de uma obviedade inevitavelmente cômica, impor um peso moral ao que acontecerá em breve, tendo seu efeito anulado por uma montagem que não dá espaço a essas emoções.

Se o arco dramático de Peter Parker é pobre devido ao foco excessivo em um romance pouco convincente, fazendo pouco caso dos seus dramas com os pais, o roteiro sofre do mal do “cinema freudiano”, no qual tudo nos personagens precisa ser explicado: seus traumas de infância, suas marcas na vida. No caso dos vilões, há essa necessidade latente de justificar sua maldade ou ao menos tentar fazê-lo, o que poderia conferir alguma substância ao personagem Electro, uma vez que há um fundo social interessante: um operário pobre, invisível aos olhos da sociedade, emocionalmente marginalizado, tendo a chance de ser percebido, ser importante, assistir a seu rosto na televisão. Já o Duende-Verde surge do nada: sua amizade com Peter nunca se mostra devidamente concreta e sua vingança nunca soa crível, tornando-o absolutamente descartável. Dito isso, vale ressaltar serem duas promessas de personagens, não indo além disso, uma vez que os antagonistas de “O Espeta­cu­lar Homem-Aranha 2” não dizem a que vieram, jamais recebendo importância narrativa, saindo de cena logo após entrarem. Não há um senso de perigo instaurado ao herói, sobrando apenas o romance adolescente e risível.

Essa necessidade de Webb de ser moderninho recai diretamente nas cenas de ação. Chamando sempre atenção para a câmera, com vários planos cuja única finalidade é o exibicionismo puro, o diretor parece encarar o filme como um jogo de vídeo-game. E se deslumbra tanto quanto um garoto que acaba de ganhar um Playstation. Não bastassem os efeitos demasiado artificiais (bem mais do que o padrão dos blockbusters), tornando tudo muito inverossímil, há nas batalhas uma sequência de ações interligadas, interdependentes, como se ele precisasse realizar uma ação para passar à próxima, frisadas sempre com slowmotion, algo como um etapismo — lembrando bastante a estrutura narrativa do game “God of War”. Aliás, essa obsessão pela câmera lenta — que sempre trava a ação — chega a fazer rir em uma sequência crucial para o filme, já no desfecho, em que, além da teia assumir a forma duma mão, o que já seria cafona o suficiente, uma trilha apelativa invade a cena, contribuindo para ampliar a vergonha alheia, esvaziando todo o potencial efeito dramático da situação.

Investindo em um Homem-Aranha cômico, assim como nas HQ’s, Webb pouco compreende essa veia humorística do personagem, parecendo impor a todo o momento esses alívios de comicidade que, embora bastante eficientes em vários momentos (as gags, quando funcionam, são o ponto alto da obra), podem ser bastante anticlimáticos se inseridos fora de hora. E fica muito nítido quando as piadas são orgânicas e quando forçadas pelo roteiro. Esse clima humorístico, infelizmente, não dura muito, cedendo lugar ao “estilo Nolan” de filmes de heróis, sempre muito sombrio e carregado — o que nunca se sustenta, devido às várias cafonices da obra.

Tanto pela vontade de fazer tudo se interligar, dar sentido a cada detalhe na trama e arredondar o filme a ponto das várias conexões se tornarem chatas, quanto pela estética de vídeo-game, “O Espe­tacular Homem-Aranha 2” entra, junto com seu antecessor, numa pilha de filmes de Holly­wood com nada a oferecer. Falta aquele espírito heróico tão caro à trilogia de Sam Raimi, capaz de me fazer cair em lágrimas com uma cena simples do Homem-Aranha salvando uma criança no meio de um incêndio. Impressionava-se pela simplicidade, não por pirotecnia desenfreada.

Júlio Pereira é crítico de cinema.