Salatiel Soares Correia

Especial para o Jornal Opção

Um jovem rebelde, Zack Mayo, decidiu sair do pequeno apartamento no qual morava junto a um prostíbulo nas Filipinas. A rebeldia dele muito se explica pela sua conturbada história de vida.

A mãe, abandonada pelo pai, matou-se quando ele era garoto. O pai, soldado da Marinha, dava mais importância às prostitutas do que ao filho. Sozinho e abandonado, Zack Mayo resolveu dar uma guinada radical na sua vida. Para isso, ele se matriculou no rigoroso curso preparatório para se tornar oficial da Marinha dos Estados Unidos. No transcorrer do treinamento de 13 semanas, os candidatos são submetidos às mais humilhantes provas, que testam o caráter e a resistência de cada um deles. Os mais fracos desistem logo nas primeiras provas; os mais fortes prologam sua estada no centro de treinamento, e, de fato, só os muito mais fortes conseguem, enfim, a patente que o instrutor, sargento Foley, jamais conseguirá alçar: a de tenente da Marinha dos Estados Unidos.

Richard Gere e Louis Gossett Jr. no filme “A Força do Destino” | Foto: Divulgação

O acima exposto integra o enredo de um filme que fez muito sucesso no início da década de 1980. Trata-se de “A Força do Destino”, estrelado por um dos galãs de Hollywood, o ator Richard Gere, hoje com 73 anos.

A história desse filme contempla a paixão de Zack Mayo por uma operária de fábrica. O enredo principal se centra nas duras provas do teste de seleção. Por essa razão e pelo limite de espaço, focalizaremos nossos comentários no treinamento do personagem principal, pois esse será útil no relato do livro que comento adiante.

Dito isso, cabe ressaltar a relação repleta de conflitos entre o aspirante a oficial Zack Mayo e o sargento linha dura. O modo enérgico do sargento destaca-se e este não dará sossego àquele aspirante a oficial de personalidade egocêntrica e completamente avessa ao trabalho em equipe. Nesse sentido, o modo de ser desse rebelde solitário candidato a oficial da Marinha norte-americana contrastava com a importância que esta instituição dá ao trabalho em grupo.

Conhecedor das qualidades e dos defeitos da alma humana, o experiente sargento Foley (o ator Louis Gossett Jr., de 86 anos) e suas provas torturantes levaram o rebelde Zack Mayo ao limite da desistência. O instrutor jogava pesado: ofendia, não só com as palavras, mas também com a imposição de castigos físicos, tais como o de esfregar o rosto do aspirante na lama. Os exercícios físicos levavam o aspirante Zack Mayo ao desespero. A grande maioria dos colegas do aspirante rebelde ia desistindo pelo caminho, mas Zack Mayo permanecia lá, escutando o sargento Foley dizer em alto e bom som “desista e você ficará livre de tudo isso que está passando”. Zack Mayo não desistiu e assim conseguiu se tornar tenente da Marinha de seu país.

Ao final do filme, o então arrogante e egocêntrico Zack Mayo não existia mais. O treinamento humanizou as turbulências de um espírito inquieto. Ao passar pelo sargento, este, então, na condição de subalterno, prestou-lhe continência. O agora tenente olhou para ele, numa extraordinária lição de humildade, sorriu e disse-lhe: “Obrigado, sargento, sem o senhor, eu jamais teria conseguido”.

O interessante no comportamento do instrutor é que ele reflete a alma de uma pessoa que sabia qual era seu lugar e que se realizava por meio do trabalho de ser instrutor de aspirantes que chegariam a patentes bem mais elevadas que a sua. O ego do sargento estava absolutamente sob o seu controle.

Por sua vez, as ações iniciais do aspirante, pautadas em um ego que expressava sua rebeldia, esta até então incontida, não existiam mais. O maior benefício do treinamento de Zack Mayo foi a sua autotransformação: aquela pessoa egocêntrica e rebelde cedeu seu lugar a um ser mais humilde. A humildade possibilitou, por fim, ao tenente Zack Mayo manter o seu ego sob controle.

Contei a história deste belo filme porque ele nos ajudará a entender a mensagem do livro que ora passo a comentar. Trata-se do “O Ego é seu Inimigo — Como Dominar Seu Pior Adversário” (Intrínseca, 272 páginas, tradução de Andrea Gottlieb), do escritor norte-americano Ryan Holiday. Logo no início, o autor afirma que o maior inimigo do ser humano está dentro dele mesmo: o ego. Vive melhor quem reconhece e sabe administrar esse inimigo que sempre está presente nas nossas vidas. No entendimento de Ryan Holiday, o ego ao qual ele se refere é aquele perceptível no dia a dia, uma espécie de arrogância ou o entendimento exagerado que o indivíduo tem de si mesmo. Por isso, cuidado, pois o ego é realmente um perigo capaz de destruir todos os seus sonhos de crescimento profissional.

Deixar-se levar pela vaidade que existe dentro de nós fomenta o caminho errado, que leva ao fracasso, seja destruindo sonhos, seja destruindo o sucesso conquistado por você a duras penas. Quem desconhece o poder desse inimigo interno age movido pela emoção, e não pela razão. O poder de ação do ego pode ser comparado a uma cortina de fumaça, que impede a percepção do modo de agir de um ser vaidoso em relação ao outro. E, assim, o inimigo não mora a seu lado. É mais do que isso, esse inimigo mora dentro de você.

Por que o ego é um perigo aos poderosos

Se existe algo que mexa com o perigo chamado ego, esse algo se chama poder. A sabedoria nos ensina que o poder é o combustível que infla o ego. E um ego inflado leva o indivíduo a ter um entendimento exagerado sobre a importância que ele tem quanto a si mesmo. Dito de outro modo: o perigo de um ego inflado é que ele influencia no comportamento do indivíduo a ponto de ele se considerar grande, inigualável e, portanto, insubstituível. Nessa condição de endeusamento pessoal, o indivíduo perde a capacidade de enxergar seus próprios erros — e aprender com eles.

Quem refletiu a respeito do perigo desse endeusamento de si mesmo para os governantes foi o sábio florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527). Em sua obra-prima, “O Príncipe”, o autor alerta os poderosos para o perigo que representam os aduladores. Desse modo, um príncipe, rodeado de aduladores, tem dificuldades de enxergar a realidade como ela é. Isso ocorre pelo fato de a adulação construir realidades que agradam aos donos do poder. Nessa situação, a prudência recomenda aos príncipes que desejam manter seus principados que tenham junto de si um pequeno grupo de sábios e dê a eles, e somente a eles, a liberdade de criticarem assuntos que os príncipes colocam para suas apreciações.

Ryan Holyday: escritor, publicitário e colunista de mídia | Foto: Reprodução

Principais ideias do livro de Ryan Holiday

Creio que seja oportuno segmentar para os leitores as principais ideias contidas no livro. Credito ao professor Fábio Fernando Reis, membro da Sociedade Universal de Transformação Relacionada ao Aprendizado, a autoria deste resumo, que apenas transcrevo.

1 — O ego pode destruir sonhos e até mesmo o sucesso já conquistado.

2 — As armadilhas do ego podem acometer mesmo pessoas que parecem humildes.

3 — Falar demais sobre si é a coisa de quem não tira nada do papel.

4 — A busca desenfreada por reconhecimento só leva a péssimas decisões.

5 — Pensar no projeto, e não em si mesmo, é a melhor maneira de tomar boas decisões.

6 — É possível superar esse adversário interno com racionalidade.

Como lidar com o inimigo que nos tenta

Não é nada fácil manter esse inimigo sob controle. A toda hora e a todo momento, sempre, existem aduladores dispostos a dizerem aquilo que “massageia” a fogueira de vaidades que existe dentro de nós. Um ego adulado superdimensiona aquilo que realmente somos, conduzindo-nos, assim, para um mundo de ilusões. Entende o autor que a melhor maneira de neutralizar situações como essa se atrele aos feedbacks que incentivamos que forneçam aqueles que estão mais próximos de nós.

Para evitar que o ego, a arrogância, a paranoia e tantas outras coisas tornem-se uma cortina de fumaça capaz de nos impedir de enxergar a realidade é imprescindível que conheçamos bem a nós mesmos.

Ou seja: o autoconhecimento nos ajuda a domarmos a nós mesmos, e isso contribui para mapear nossas fraquezas, que, se não reconhecidas, podem levar-nos ao fracasso. É como diz o autor: “Entender a si próprio e domar seu ego, mantendo a sobriedade, é essencial”.

De uma maneira mais ampla, pode-se dizer que um ego controlado cultiva no indivíduo a planta da humildade que traz o bem-estar subjetivo. Ser humilde é reconhecer que, por mais que sejamos bons, sempre, existirá alguém que será melhor que nós. Enfim: a humildade nos ajuda a manter os pés no chão e a estar prontos para agir da maneira mais adequada que se tem para lutar contra esse inimigo interior que sempre nos quer derrubar — o ego.

Minha experiência com egos antagônicos

Creio que seja oportuno encerrar estes escritos relembrando nossas experiências, que certamente temos, cada um de nós, em ambientes onde impera a fogueira egoica das vaidades. Quem em sua vida laboral não presenciou puxadas de tapete, mudanças de personalidade de colegas quando assumem diretorias ou, até um grão de areia, um simples departamento.? Sim, certamente, todos vocês, que me leem nestes escritos, têm alguma história, devidamente armazenada nos subterrâneos de suas memórias, para contar.

Na impossibilidade de ouvir a todos, exponho fragmentos da minha própria história de convívio com dois colegas brilhantes, mas com egos completamente opostos. No reino do faz de conta, fundamental para não expormos pessoas, chamemos esses colegas João e José.

Assim, considerando os assuntos colocados nesta resenha, João tinha seu ego sob absoluto controle. Autoconfiança, humildade, sociabilidade e, sobretudo, o jogo de cintura, tão necessário para se trabalhar em equipe. José, tão inteligente como João, era um desastre no campo do relacionamento social. Contribuía para isso uma personalidade narcisista, egocêntrica e de pouca sociabilidade. Ambos se formaram entre os cinco alunos de melhor desempenho acadêmico de nossa turma.

Passados mais de 30 anos, encontrei, num congresso de energia, lá na Universidade de Campinas (Unicamp), três colegas de turma. Resolvemos, então, ir almoçar. No restaurante, indaguei-os se alguém saberia me dar informações sobre o João e o José. “Você não sabe?”, perguntou-me um colega, hoje, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. “Não”, respondi. “O José trabalha há 30 anos numa pequena companhia de eletricidade do interior de Minas Gerais. Por sua vez, João foi contratado, três meses depois de formado, por uma grande multinacional sueca, morou 10 anos na Suécia e de lá foi nomeado presidente das filiais da empresa no México e na Espanha. Atualmente, ele é o presidente dessa multinacional para América Latina.”

Ao ouvir essas informações, lembrei do velho Machado de Assis atando as duas pontas da vida. Um filme de 40 anos passou, em um minuto, na minha cabeça. A partir daí, ainda com as lições do livro que acabo de resenhar na memória, pude perceber dois caminhos completamente distintos na trajetória de vida de meus colegas de igual inteligência, porém complemente diferentes quando se trata de administrar o lado egóico que temos em cada um de nós. Certamente, João soube lidar com seu próprio ego, enquanto José não soube controlar aquela voz interior que funciona como uma fumaça cinzenta, que nos impede de agir, com serenidade, nos momentos que se apresentam e diante de inevitáveis situações de conflito ou de adulação. Sim, o autor está absolutamente certo: o ego sempre será seu inimigo se você não tiver a sabedoria de exercer controle sobre ele.

Trechos de “O Ego É Seu Inimigo”

1 — “Este livro que você tem em mãos foi escrito em torno de uma suposição otimista: seu ego não é um tipo de força que você é compelido a saciar constantemente. Ele pode ser administrado. Pode ser direcionado” (a ideia central do livro).

2 — “Todos nós temos um lado fraco que — feito um sindicato — não mal-intencionado, mas, ainda assim, no final do dia, quer receber o máximo de crédito e atenção pública por ter feito o mínimo. Nós chamamos esse lado de ego.” (identificação do ego).

3 — “Ele arruinou a carreira de gênios promissores. Mandou pelos ares grandes fortunas e destruiu empresas. Tornou as adversidades insuportáveis e transformou esforço em vergonha, seu nome? Ego (o que um ego mal-administrado é capaz de fazer).

 4 — “Tenho horror ao perigo da arrogância. Que coisa mais lastimável é quando um homem deixa um pequeno sucesso temporário iludi-lo, distorcer seu julgamento, e, então, esquece do que é! A arrogância cria um tipo de obsessão míope, que altera a perspectiva, a realidade, a verdade e o mundo ao nosso redor.” (Reflexão do autor tendo em vista o modo de agir de um ego contaminado).                                                              

Quem é o escritor Ryan Holiday

Ryan Holiday é um talento avesso à burocracia universitária. Por essa razão, ele abandonou, aos 19 anos, a faculdade. E, nesse ato, ele está em boa companhia, pois Bill Gates e Steve Jobs tomaram a mesma decisão de buscar o conhecimento por eles mesmos; e não preciso descrever o sucesso que tiveram essas duas personalidades do mundo globalizado.

Assim como Gates e Jobs, Ryan Holiday construiu seu próprio caminho, tornando-se um profissional dos mais respeitados nas áreas de marketing e publicidade, no mercado mais competitivo do mundo: o dos Estados Unidos da América.

Sua agência de publicidade — a Brass Check — atende a grandes companhias, a exemplo da Google. Além disso, Ryan atende a inúmeros escritores de sucesso.

Como formador de opinião, Ryan tem artigos publicados em diversos veículos de inegável importância no mercado dos Estados Unidos, a exemplo da Forbes, Fast Company, entre outras. Atualmente, Ryan é colunista de mídia do “New York Observer”.

Seu livro “O Obstáculo É o Caminho”, traduzido para 17 idiomas, é cultuado por técnicos da liga de futebol americano dos Estados Unidos, atletas de elite, celebridades da TV e líderes políticos.

Salatiel Soares Correia é engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Ciências pela Unicamp. É autor de sete livros. Dentre eles, destaca-se: “Cheiro de Biblioteca”. É colaborador do Jornal Opção.