Escritor e crítico de cinema canadense, David Gilmour encontrou na exibição de filmes a maneira de ajudar seu filho adolescente a trilhar o caminho rumo à maturidade

Mariza Santana

Especial para o Jornal Opção

O que você faria se seu filho adolescente não quisesse mais frequentar a escola? Não é uma questão fácil de ser respondida, mas o escritor e crítico de cinema canadense David Gilmour escolheu uma forma inusitada de educar o filho fora do ensino formal, de maneira a ajudá-lo a trilhar o caminho rumo à maturidade. Ele simplesmente autorizou o jovem Jesse a abandonar o ensino de nível médio, desde que ambos assistissem juntos a três filmes por semana. Surgiu, então, uma espécie de “clube do filme” com apenas dois participantes: pai e filho.

O livro “O Clube do Filme” relata essa experiência e demonstra todo amor e carinho do pai para com o filho adolescente, que se encontrava perdido, não sabia o que fazer de sua vida. É mais que isso: é um relato da paixão do autor pelo filho e pelo cinema. Assim, ambos vão assistindo e discutindo os mais diversos tipos de películas, desde obras do chamado cinema noir francês a clássicos hollywoodianos, passando por filmes apelidados por ele de “prazeres culpados no cinema”, isto é, aqueles que se sabe serem um lixo, mas dos quais se gosta mesmo assim, explica o escritor.

No período em que funcionou o clube do livro, David também passava por um momento difícil, porque estava desempregado e sem grandes perspectivas na carreira profissional. Por isso mesmo, ele dispunha de tempo para assistir aos filmes e ainda de compartilhar dos sentimentos relativos aos primeiros amores de Jesse, suas alegrias e decepções, mas de uma forma discreta, como é exigência típica dos adolescentes.

A obra é envolvente, porque o narrador cita trechos de filmes (alguns você até já viu na telona, outros não), analisa a atuação de diretores e atores, além de enredos, fazendo suas ponderações, e buscando, em alguns detalhes do enredo ou da interpretação, lições que possam servir para que seu filho reflita a respeito de que caminho seguir. Dessa forma, ambos assistem e debatem filmes como “O Poderoso Chefão”, “O Bebê de Rosemary”, “Assim Caminha a Humanidade”, “O Último Tango em Paris”, “Cidadão Kane”, “Psicose”, “O Grande Gatsby”, “Bonequinha de Luxo”, apenas para citar alguns dos mais conhecidos.

“Eu volto aos filmes antigos não apenas para revê-los, mas também com a esperança de reviver a sensação de quando os vi pela primeira vez. (Isso não se aplica apenas aos filmes, mas a tudo na vida)”, confessa David Gilmour em um trecho do livro. Dessa forma, colocando no aparelho de DVD filmes dos mais diversos estilos, ele consegue que o filho repense seus propósitos, embora em alguns momentos, como um bom adolescente, ele pareça distraído e imerso em seu mundo, e com o pensamento voltado apenas para a namorada do momento (ou ex-namorada) e seus amigos.

Mas o clube do filme acaba cumprindo seu papel, e depois de uma longa jornada, Jesse encontra o caminho que pretende trilhar. David chegou a elaborar mais um etapa do aprendizado, o módulo “Grandes Roteiros”, que foi utilizado. “Jesse superou o clube do filme e, de certa forma, superou a mim também, superou a etapa de ser um menino aos olhos do pai”, conclui o autor no final da obra.

Cabe ressaltar aqui que nada substituiu a educação formal, e nem é isso que o escritor pretende defender. O livro “O clube do filme” é uma declaração de amor de um pai pelo seu filho, e assim precisa ser avaliado (e quem tem ou teve filho adolescente, certamente irá se identificar com o autor). Inclusive porque, depois de muitos filmes, de participar de uma banda de rappers, Jesse finalmente se dá conta da importância da escola e se lança ao desafio de concluir o ensino médio, recuperando o tempo perdido, para finalmente chegar à faculdade, como muitos outros jovens de sua geração.

David Gilmour trabalhou para o Festival de Cinema de Toronto, no Canadá, antes de iniciar sua carreira na televisão, como crítico de cinema no canal Canadian Broadcasting Corporation (CBC). Foi apresentador do programa talk show da CBC denominado “Gilmour on the Arts”, ganhador do Gemini Awards, prêmios atribuídos ao melhor da televisão e da radiodifusão no Canadá. Além de “O Clube do filme”, é autor de “A perfeita ordem” e “A perfeita ordem das coisas”. Outra curiosidade é o fato de ele ser homônimo do grande músico britânico integrante da banda de rock Pink Floyd.

Mariza Santana é crítica literária. E-mail: [email protected]