O capítulo “As Sereias’, do “Ulisses” de Joyce, é repleto de música, poesia e beleza

30 junho 2024 às 00h00

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Roberson Guimarães
Recentemente me envolvi em uma deliciosa discussão sobre qual o melhor capítulo do “Ulisses” de James Joyce. Detalhe: em um fórum de joycemaníacos da Finlândia. É, a internet permite coisas muito estranhas.
A voz comum no fórum fazia referência ao capítulo 8, “Os Lestrigões”. Nesse capítulo, Joyce apresenta um jogo de palavras que recapitula toda a história da língua inglesa, desde a prosa aliterativa anglo-saxónica até paródias de autores como Malory, a Bíblia do Rei Jaime, Bunyan, Defoe, Sterne, Walpole, Gibbon, Dickens e Carlyle… é uma viagem assombrosa.
Mas optei pela discordância. Tenho uma predileção especial pelo capítulo 11, “As Sereias”, repleto de música, poesia e beleza. O capítulo apresenta alusões a diversas peças musicais, como canções, óperas, operetas, canções de ninar e música sinfônica. Este entrelaçamento de música e linguagem cria um ritmo especial no texto.

Os monólogos internos de Bloom estão significativamente ligados às apresentações musicais, refletindo as “notas principais” que assombram sua mente e perturbam suas emoções naquele dia.
Todo capítulo é permeado pela tensão sexual caracterizada por uma mistura de pensamentos e fantasias, tornando difícil distinguir o que é real e o que é imaginação. A presença do “herói conquistador” Blazes Boylan, o amante de Molly Bloom, é um fator que amplia a voltagem sexual.
Bloom, sofrendo, pensa em Molly e escreve uma resposta à carta de sua amante epistolar Martha Cardiff, enquanto observa as sedutoras garçonetes-sereias Lydia Douce e Mina Kennedy. Simon Dedalus canta a ária “M’appari tutt’amor”, uma das garçonetes “masturba” a alavanca da chopeira, e Bloom se pergunta se seu rival estará chegando em sua casa para transar com sua esposa de pau-duro…
Mas em “Ulisses” tudo acaba em nonsense. Leopold Bloom vinga-se de sua impotência na nota final da fuga musical que caracteriza o capítulo ao narrar a passagem dos gases pelo seu intestino. Um peido! Done!
Roberson Guimarães é médico.