O amor de Goethe pelo Brasil

22 outubro 2016 às 10h02

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A cidade alemã de Weimar, na Turíngia, foi sede do Encontro Econômico Brasil-Alemanha. Nela, um dos maiores poetas de língua alemã, Johann Goethe, viveu boa parte da sua vida, e foi onde também faleceu. O artigo abaixo é, muito mais que boas-vindas ao Encontro, um retrato da paixão do alemão pelo Brasil e da proximidade entre os países, ainda que milhas e milhas distantes

Sylk Schneider
De Göppingen, Alemanha
Os organizadores do Encontro Econômico Brasil-Alemanha não poderiam ter escolhido uma cidade melhor para sediá-lo que Weimar, uma cidade da Turíngia que atrai, a cada ano, milhões de turistas, não só em virtude da sua importância cultural, mas também pelo interesse especial que demonstra pelo Brasil, desde os tempos do Classicismo. Entre 1800 e 1832, ano da morte de Johann Wolfgang von Goethe, não havia outra cidade de língua alemã com mais publicações sobre o Brasil do que Weimar.
Foi em Weimar que o Príncipe Maximilian Wied zu Neuwied publicou mais de 5 mil páginas das suas contribuições para a História Natural do Brasil, bem como o Barão Wilhelm Ludwig von Eschwege os dois volumes do seu relato de viagem e o quadro geognóstico do Brasil. Goethe, que é, até os tempos presentes, o maior poeta de língua alemã, escreveu e pesquisou intensamente sobre o Brasil. Na sua recensão da História Natural das Palmeiras, de Carl Friedrich Philipp von Martius, ele escreve que se sente “até presente e em casa” no Brasil. Uma espécie de malva brasileira é a única planta no mundo que hoje porta o nome de Goethe: a Goethea!
Nas coleções relevantes da segunda maior fundação cultural na Alemanha, a “Fundação dos Clássicos de Weimar”, descobrem-se, até esta data, testemunhos desse grande interesse pelo Brasil. São poucas as bibliotecas que hoje possuem tantas obras históricas relativas ao Brasil como a Biblioteca Anna Amália. No Museu Nacional Goethe, encontra-se uma tanga brasileira, pedras e moedas brasileiras. Existe a possibilidade de consultar, no Arquivo Goethe e Schiller, a respectiva correspondência de Goethe com os pesquisadores importantes (os brasilianistas) do seu tempo. Na Casa Romana encontramos imagens do abacaxi proveniente do Brasil. Em 1781, não havia em parte alguma da Alemanha um pé de abacaxi plantado a não ser nas estufas junto ao Palácio Belvedere.
Em Weimar, atuou o jovem pai de família Johann Sebastian Bach como organista da Corte durante quase 10 anos. Muitos dos seus filhos nasceram em Weimar, entre os quais os músicos igualmente importantes Carl Philipp Emanuel (1714) e Wilhelm Friedemann Bach (1710). As Bachianas Brasileiras, inspiradas em Bach, fazem hoje parte das obras mais conhecidas de Heitor Villa-Lobos. Durante décadas, Franz Liszt atuou em Weimar. Seu genro, Richard Wagner, teve que fugir da Saxônia, em 1848, tendo-se tornado revolucionário. Como tampouco podia ficar em Weimar, continuou fugindo para mais longe. Da Suíça escreveu ao sogro, já que tinha recebido um convite para ir ao Brasil, “se não Weimar, então o Rio”.
Hoje em dia, a Escola Superior de Música porta o nome de Franz Liszt. Muitos brasileiros estudam e estudaram aqui, assim como o pianista e compositor Alberto Heller e Sammy Fuks, regente da Orquestra Petrobrás Sinfônica. Um dos professores da Escola Superior é o antigo diretor do Instituto Cultural Brasileiro na Alemanha, Tiago de Oliveira Pinto.
Todos os anos, por ocasião do aniversário de Goethe, costuma ser entregue em Weimar a Medalha que leva seu nome, a distinção cultural mais alta da Alemanha que pode ser conferida a estrangeiros.

No ano passado, Eva Sopher foi a homenageada. Sem Eva Sopher, o Teatro de São Pedro em Porto Alegre já não existiria hoje. Por ocasião da outorga do prêmio, a Prefeitura de Weimar estava enfeitada com a bandeira do Brasil, da mesma forma como há um ano e meio, na entrega do Prêmio Weimar de Direitos Humanos a Benki Piyako, fundador da Universidade da Floresta em Marechal Thaumaturgo, no Acre.
A primeira democracia alemã teve a sua origem em Weimar. Durante meses seguidos, a Assembleia Nacional esteve reunida no Teatro Nacional de Weimar. No mesmo ano de 1919, lá foi fundada a Escola Bauhaus, até hoje talvez o nome mais conhecido no Brasil que se relaciona com Weimar. Em 1954, Walter Gropius, diretor da Bauhaus, foi agraciado em São Paulo com o Prêmio Matarazzo de Arquitetura, altamente dotado.
Ela visitou também Oscar Niemeyer na Casa das Canoas, no Rio de Janeiro. Walter Gropius admirava a casa, comentando, porém, que ela não era “multiplicável”. Décadas depois, Niemeyer ainda se lembrava dessa visita. No filme, “A vida é um sopro”, ele fala da Bauhaus como “paraíso da mediocridade”, alegando que, pela obrigação da multiplicabilidade, só podiam ser reproduzidas coisas medíocres. Trata-se no caso e uma narrativa interessante que merece ficar registrada no novo Museu Bauhaus, que será inaugurado em 2019.
Em Weimar, também se encontra o memorial do campo de concentração de Buchenwald, que preserva a memória dos crimes lá perpetrados. Ernst Feder, um dos jornalistas mais importantes da República de Weimar, termina o seu discurso, proferido no dia 29 de agosto de 1949, no Teatro Serrador do Rio de Janeiro, com as seguintes palavras:
“Quando de uma homenagem prestada a Goethe, em 1932, foi plantada no Jardim Botânico do Rio de Janeiro uma Goethea, e a restinga de Itapeba foi declarada Reserva Biológica, para preservar os exemplares ainda existentes dessa planta. Numa cerimônia realizada na Academia Brasileira de Letras, por iniciativa do acadêmico Roquette Pinto, uma muda de Goethea foi plantada no jardim do prédio ‘Petit Trianon’.
É difícil imaginar uma homenagem melhor do que esta, que corresponde com tanta beleza ao caráter deste país, possuidor da mais rica flora do planeta, um país que recebeu em sua terra abençoada, simbolicamente, o espírito de Goethe.
Plantar uma Goethea — não seria esta uma tarefa para cada um de nós? Uma Goethea não no sentido da planta real, que só é encontrada no Brasil, sendo rara mesmo aqui, mas no sentido cunhado por Goethe em sua ‘Metamorfose das Plantas’ de uma protoplanta, que para nós corporifica o espírito de Goethe.
As ideias do Humanismo, que partiram de Weimar para a Alemanha, para a Europa e para outros continentes, e que considerávamos uma estrutura de pensamento segura, ficaram abaladas. O primeiro ataque foi rechaçado. Mas o perigo ainda não está contido.
Um espírito sério deve estar inerente à homenagem a Goethe. O nome de Goethe não pode ser uma fanfarra da vaidade nacional, soprada de vez em quando para além-fronteiras, e a veneração de Goethe não pode assemelhar à roupa de domingo que se guarda no armário, depois do dia de festa para retomar o cotidiano do trabalho.
Foi sob o título ‘Dever do Cidadão’ que Goethe escreveu, no dia 6 de março de 1832, duas semanas antes da sua morte, um determinado verso, ainda com a mesma letra clara de sempre; vou tomar a liberdade de variá-lo da seguinte forma:
‘Que cada um plante uma Goethea, em frente à sua porta, e limpo estará cada bairro da cidade’.”
É nesse espírito que convido os participantes do Encontro Econômico Brasil- Alemanha a plantar uma Goethea, desejando a todos uma boa estadia em Weimar.