Autor do premiado “O Tambor”, o autor foi um grande moralista, polemista, e faleceu em abril deste ano

Edgar Welzel
De Stuttgart, Alemanha
Especial para o Jornal Opção

O livro “O Tambor” foi lançado em 1959 e só deu o Nobel de Literatura a Günter em 1999; ano em que a editora Nova Fronteira lançou uma edição especial, em falta nas livrarias virtuais mais conhecidas
O livro “O Tambor” foi lançado em 1959 e só deu o Nobel de Literatura a Günter em 1999; ano em que a editora Nova Fronteira lançou uma edição especial, em falta nas livrarias virtuais mais conhecidas

Günter Grass, escritor alemão laureado com o Nobel de Literatura em 1999, é considerado por muitos críticos como o maior escritor alemão após a 2ª Guerra Mun­dial. Nenhum autor de sua geração perscrutou de forma tão profunda na história da Alemanha do século XX para explicar os traumas resultantes da ascenção de Hitler ao poder, em 1933, e as feridas deixadas com a catástrofe da 2ª Guerra Mundial com consequências que se fazem sentir até hoje no cenário político europeu.

Durante mais de meio século, Grass ocupou e preocupou-se literaria, politica e autobiograficamente com um assunto: a Alemanha. Seu tema central é a mácula deixada pelo Holocausto e a forma como a Alemanha poderia viver, existir e lidar com esta difícil questão.
Nascido em 1927 em Danzig, hoje Gdansk, pertencente à Po­lô­nia, filho de uma família humilde, Grass foi testemunha e, em parte, par­ticipante do episódio mais trágico da história europeia do século XX que se reflete em quase toda a sua obra. Seu pai, protestante e pequeno comerciante de produtos coloniais; sua mãe, católica originária da Cassúbia, pequena região situada no norte da atual Polônia. Ele dizia ter sido fortemente influenciado pelo catolicismo de sua mãe tanto que, quando jovem, tornou-se coroinha. Depois, começou a trabalhar na lavoura, passou para uma mina de carvão e seguiu como aprendiz de pedreiro.

Mais tarde desligou-se da igreja.

Como muitos jovens da época, Grass sofreu a influência do nacional-socialismo, ligou-se a uma tropa de choque do Partido Nacional Socialista que se tornou, mais tarde, de combate sob a sigla SS; segundo suas próprias informações, “não teve muita simpatia com o movimento nacional-socialista”. Em 1943/44, Grass trabalhou como auxiliar na Força Aérea e cumpriu o seu período no Reichsarbeitsdienst (RAD), um trabalho de seis meses ao qual todo jovem era obrigado antes de ingressar no serviço militar.

Em 10 de novembro de 1944, foi convocado para entrar na Waf­fen-SS, numa divisão de tanques blindados. Foi ferido em combate e preso pelas tropas americanas na Baviera, no sul da Alemanha, que o liberaram em abril de 1946. Durante muitos anos, Grass ocultou esta parte de sua biografia. Voltaremos ao assunto no decorrer deste ensaio.

Na Alemanha, de 1947 a 1948, trabalhou como aprendiz num atelier de escultura em Düsseldorf, o que o motivou a se inscrever na Academia de Artes da mesma cidade onde começou a estudar escultura e desenho. Em 1952, viajou a Berlim, onde continuou os estudos de escultura na Escola Superior de Artes com o célebre professor Karl Hartung; terminou em 1956. Paralelamente a estes estudos, Grass sempre se ocupou com a poesia, com o teatro e com o desenho. “Escrevi e fiz desenhos desde menino”, escreveu ele em um de seus textos. De Berlim, Grass foi para Paris onde permaneceu até 1960.

Láurea
Foi aí que, durante estes qua­se cinco anos, “nasceu” o seu Prêmio Nobel de Li­te­ratura. Para melhor clareza é necessário voltarmos a sua temporada em Düssel­dorf, um período de penúrias. Para sobreviver, Grass trabalhou como porteiro no restaurante Csikos, um restaurante húngaro, que sobreviveu o célebre autor, pois continua existindo até hoje.

Paralelamente, Grass fazia parte de um conjunto musical que, às noites, tocava em diversos restaurantes e outros estabelecimentos da cidade. Na época, ele tinha 20 anos. Seu colega de “profissão” de porteiro foi Herbert Zangs que, como ele, também fora soldado durante a guerra e que mais tarde tornou-se conhecido como célebre pintor. Grass imortalizou-o em sua obra “O Tambor”, no qual Zangs aparece como o pintor Lankes.

Em 1954, Grass casou com Anna Schwarz, uma suíça, estudante de balé, com a qual teve quatro filhos. Anna esteve com o marido durante os cinco anos em Paris onde o autor terminou o manuscrito de “O Tambor”, publicado em 1959 para o qual, após 40 anos, foi-lhe concedido o Prêmio Nobel de Literatura, em 1999. Separara-se de Anna Schwarz em 1972.

Posteriormente, Grass teve um relacionamento com a arquiteta e pintora Veronika Schröter com a qual teve uma filha, He­le­ne Grass, nascida em 1974, autora de livros infantis e conceituada atriz. Atuou em vários filmes entre os quais dois são baseados em obras do próprio pai –– “Die Rättin” (A Ratazana, Record 2002) e “Unkerufe” (Maus presságios, Siciliano 1995). Em 1979, nasceu Nele Krüger Grass, filha de Grass com a revisora Ingrid Krüger. No mesmo ano, ele casou, em segundas núpcias, com a organista Ute Gru­nert que também trouxera dois filhos.

Para alguns leitores estes detalhes da narrativa talvez possam parecer supérfluos. No entanto, são necessários para que leitores mais interessados entendam o conteúdo da obra autobiográfica de Grass, “Die Box” (A Caixa, Record 2013), na qual o autor deixa aparecer seus seis filhos legítimos mais os dois de Ute Grunert como “seus oito filhos”. Em 1986, ele e Ute Grunert passaram meio ano em Calcutá, na Índia.

Grupo 47 e Tambor

Em 1955, Grass começou a participar das reuniões do Grupo 47, um grupo literário assim chamado por ter sido fundado em 1947. Tratava-se de um grupo informal de autores alemães e austríacos que tinha como objetivo revitalizar a literatura alemã do pós-guerra bem como ajudar e orientar escritores jovens.

O grupo não tinha sede própria, não tinha nem lista de sócios e os encontros eram realizados sempre em cidades diferentes. Faziam parte deste grupo os maiores expoentes da literaratura alemã. Citemos alguns: Ilse Aichinger, Carl Amery, Ernst Bloch, Heinrich Böll (Nobel de Literatura de 1972), Paul Celan, Hans Magnus Enzens­berger, Peter Handke, Walter e Inge Jens, Erich Kästner, Siegfried Lenz, Marcel Reich-Ranicki, Luise Rinser, Johannes Mario Simmel, Martin Walser e muitos outros.

Nesses encontros, os autores novos tinham a oportunidade para apresentar seus manuscritos. Liam, aos presentes, um ou dois capítulos ou certo número de páginas de seus textos que em seguida eram dissecados pelos presentes. Os autores não tinham direito a refutar as críticas.

Foi assim que Grass, em 1955, numa das reuniões do Grupo 47, leu os dois primeiros capítulos de seu manuscrito de “Die Blechtro­mmel” ou “O Tambor”. Os demais capítulos foram datilografados em sua Olivetti (empresa italiana que produzia, na época, máquinas de escrever) durante a sua permanência em Paris. Na oportunidade, os dois primeiros capítulos foram mais elogiado do que criticado, mas demorou mais quatro anos até que, em 1959, a obra fosse publicada com ampla repercussão nacional e internacional.

Atualmente, as vendas da obra, adaptada ao rádio e ao cinema, traduzida em 24 idiomas, superam 3,5 milhões de exemplares. Na Alemanha Oriental, a censura comunista qualificou a obra como “literatura reacionária e decadente” e “prosa pubescente”. Só em 1987, dois anos antes da Queda do Muro de Berlim, 28 anos após o seu lançamento na Alemanha Ocidental, é que a obra foi publicada na Alemanha Oriental.

Em 1979, o cineasta alemão Volker Schlöndorff verteu-a ao cinema. O filme foi premiado com um Oscar e a Palma de Outro do Festival de Cannes. Grass teve, desde o início do projeto, estreita colaboração com o cineasta; tendo inclusive ajudado ativamente na redação do script.

Schlön­dorff e Grass tornaram-se amigos, o que o cineasta, em recente entrevista, comentou da seguinte forma: “A partir do nosso primeiro encontro Günter Grass tornou-se, para mim, uma espécie de pai espiritual. Uma espécie de Tolstói”.

“O Tambor”, sua obra de estreia, deu-lhe a base financeira para prosseguir sua carreira literária. Passava grande parte do tempo em sua casa em Lübeck, no norte da Alemanha, mas preferia passar os meses frios do ano em sua casa em Portugal e adorava o sossego de sua casa, escondida num bosque, na Ilha Mon na Dinamarca. Grass era um homem de família. Conseguiu a difícil proeza de sempre juntar seus “oito filhos” e inúmeros netos. Quando em férias em Portugal ou na Dinamarca, a casa sempre estava repleta. Para descansar preferia o isolamento em Mon.

Além dessas qualidades, Grass tinha outra que praticava como hobby: era excelente cozinheiro. Em sua casa em Lübeck, costumava convidar amigos para jantares cujos pratos ele mesmo preparava. Apreciava o vinho tinto e não se separava de seu cachimbo que, junto com o seu espesso bigode negro, eram a sua marca registrada desde que se tornara conhecido no início dos anos 1950. Apesar de seu semblante sorumbático, Grass era afável em seu relacionamento com outras pessoas e gozava de um grande círculo de amigos.

“O Tambor” foi a obra inicial de uma tri­logia que Grass chamou de “Trilogia de Danzig” e que teve prosseguimento com “Gato e Rato” (Katz und Maus), em 1961, e com “Hundejahre” (“Anos de Cão”, Rocco 1989) em 1963. Seguiram-se inúmeras outras obras, algumas das quais, nem sempre bem aceitas pela crítica. Mencioná-las ou comentá-las ultrapassaria o espaço de um jornal. Há outros detalhes da vida deste autor que contribuíram substancialmente para sua fama.

O homem

A partir da publicação de “O Tambor”, ele tornou-se personalidade importante. Sua presença é solicitada. Profere discursos, dá entrevistas, faz palestras. A revista alemã “Der Spiegel”, que vivia em constante atrito com o autor, numa recente edição de abril de 2015, comenta: “Grass está no palco, ele discute, ensina e adora a fama. Seu conselho é solicitado. Suas apresentações de livros e suas palestras são concorridas. Tudo isto ele agradece a Oskar Matzerath de ‘O Tambor’, que hoje faz parte das grandes personagens da literatura mundial”.

Ele foi um autor diferente, nunca foi um indivíduo acomodado. Acrescido a todos esses talentos, Grass tinha outro que, segundo alguns críticos, contribuiu tanto para sua celebridade quanto às obras literárias que criou. Ele foi um homem político, um moralista que se manifestava sempre quando, em sua opinião, algo não andava segundo suas convicções. Era um homem de ideias, nem sempre aceitas pela maioria, mas expressava-as sem se importar se atingisse Fulano ou Beltrano. Grass não só era escritor; era polemista. A fusão das duas artes, era o conteúdo de sua vida.

Nesse particular, ele podia ser intransigente, insistente, estoico e teimoso –– características de comportamento que lhe trouxeram inimigos e muitos aborrecimentos. Mas Grass não se importava e sabia lidar com os ataques que ele mesmo, de tempos em tempos, provocava. Interessava-lhe ser o foco das discussões. “O trabalho de um cidadão é manter sua boca aberta” era uma de suas frases que não só insistia em repetir, ele a vivia. E, sempre que se manifestava, a nação discutia. Por estas razões, Grass e seu colega de profissão Heinrich Böll (1917-1985), laureado com o Nobel de Literatura em 1972, eram considerados a “voz da nação”, honraria que Grass sempre refutou.

Em 8 de junho de 1967, uma época agitada na Alemanha, Grass proferiu um discurso em Hamburgo. Os movimentos estudantis estavam em andamento. Seis dias antes, o estudande Benno Ohnesorg fora morto por um policial durante as demonstrações por oportunidade da visita do xá da Pérsia, em Berlim. Três dias antes, iniciara a “Guerra dos Seis Dias” no Oriente Próximo. Em seu discurso Grass ataca o “terror” policial em Berlim, ataca a guerra dos Estados Unidos no Vietnã e fala sobre sua recente visita a Israel quando deixa claro o seu posicionamento: “Cada ataque contra Israel é uma ataque contra nós”.

Três meses antes deste discurso, Grass estivera em visita em Israel a convite oficial do governo daquele país. Esta visita foi um acontecimento marcante, pois terminou com a, até então, proibição de aparecimentos públicos de artistas, músicos e intelectuais alemães em Israel.

Grass derreteu esta geleira e, na época, o embaixador alemão em Israel, em comunicado ao Ministério de Relações Exteriores, informou: “O formato literário de Grass, sua capacidade intelectual, seu empenho pela liberdade e o seu charme pessoal contribuiram para o melhoramento das relações entre os dois Estados”. Já Grass escreveu a Willy Brandt, na época ministro das Relações Exteriores e vice-chanceler, e, a partir de 1969 até 1974, chanceler: “Foi-me confirmado amplamente que a minha visita de poucos dias contribuiu para erradicar preconceitos existentes há várias décadas”.

Durante as quatro décadas seguintes, Grass retornou inúmeras vezes a Israel onde manteve contatos com autores, intelectuais e políticos e sempre, durante toda a sua vida de literato, lutou contra todo tipo de antissemitismo, empenhando-se em defesa da causa israelense. Em 1971, o autor teve um longo encontro com Golda Meir (1898-1978), na época, chefe de governo de Israel.

Grass foi um autor com amplo relacionamento. Sua correspondência com autores, intelectuais e políticos nacionais e internacionais é voluminosa e, em sua maioria, inédita. Só com Willy Brandt, ele manteve correspondência durante mais de meio século, que foi publicada em 2012, redundando num compêndio de 1200 páginas. Segundo especialistas, o estudo e a análise de sua correspondência e de suas obras completas é trabalho que requer algumas décadas.

Com o político Willy Brandt, do Partido Social Democrático, na sigla alemã SPD, o autor teve um profundo relacionamento de amizade que durou mais de meio século. A partir de 1961, Grass apoiou o político Brandt em duas campanhas eleitorais, participando ativamente em comícios, subindo aos palanques e discursando pela causa da social-democracia de Brandt. Ele filiou-se ao SPD do qual se desligou alguns anos mais tarde por não concordar com a política de imigração do partido. Há indícios de que a participação ativa de Grass nas campanhas políticas de Willy Brandt estava vinculada com o seu desejo de ocupar um alto cargo no governo. Apesar da amizade entre o romancista e o político, Willy Brandt se fez de surdo nesta questão.

Polêmicas

Nascido em 1927, em atual território polonês, Günter Grass viveu a 2ª Guerra Mundial, que marcou toda sua obra. Ele faleceu aos 87 anos, no recente mês de abril
Nascido em 1927, em atual território polonês, Günter Grass viveu a 2ª Guerra Mundial, que marcou toda sua obra. Ele faleceu aos 87 anos, no recente mês de abril | Eamonn McCabe/ The Guardian

Em 1995, Grass publica a sua obra “Ein weites Feld” (Um Campo Vasto, Record, 1998) que deu motivo a muita discussão. O enredo se passa em Berlim entre a Queda do Muro e a Reunificação da Alemanha e encerra um panorama da História da Alemanha desde a Revolução de 1848 até a Reunificação. Em suma, a obra procura explicar a Reunificação de forma literária. A discussão em torno da obra contribuiu para que, em apenas dois meses, a obra tivesse cinco edições e o autor, Grass, foi agraciado com o Prêmio Hans Fallada.

No entanto, o seu arqui-inimigo, o temível crítico literário de décadas, Marcel Reich-Ranicki, dissecou “Um Campo Vasto” de forma tão violenta que deu origem a lendária fotomontagem de capa da revista “Der Spiegel”, que mostra Reich-Reinicki estraçalhando a obra com expressão facial virulenta. Em repressão, Grass cancelou sua entrevista com a revista previamente já autorizada.

Em 2006, Grass publica “Beim Häuten der Zwiebel” (Descascando a Cebola, Record 2007) um livro de memórias no qual o autor revela sua filiação à SS nos últimos meses da 2ª Guerra Mundial. Tanto o autor como seu editor não contavam com a repercussão que a revelação causou. Ele foi criticado violentamente. Grass, o eterno moralista, sempre de dedo em riste, mais uma vez sente os ataques da “Der Spiegel” que o acusa de “dupla moral”. E seu eterno inimigo Reich-Ranicki aniquila a obra do ponto de vista literário. Em seu programa televisivo “O Quarteto Literário”, Reich-Ranicki não encontra uma única palavra de louvor em relação à obra. Grass espinafra: “Tenho a impressão que Reich-Ranicki não leu a obra e se leu, não a entendeu!”.

Na revelação tardia de sua participação (forçada) na SS, cuja crítica o atingiu profundamente, Grass, em entrevista, a comentou da seguinte forma: “Com o que me conformei com orgulho imbecil na juventude, por razões de vergonha quis resguardar para mim”. Mais adiante ele acrescenta: “Sempre planejei falar disso num contexto maior. Foi o que fiz em ‘Descascando a Cebola’”. A revelação em si não causou grande polêmica. O autor, no entanto, foi mais criticado pelo fato de revelá-la tão tardiamente. Em suma a revelação não deixará mácula na biografia do renomado autor. Grass foi um ativista político cuja “história também é a história da República Federal da Alemanha e a história da República Federal também é a história de Günter Grass”, como comentou Sebastian Hamme­leh­le, em “Spiegel Online Kultur” de maio deste ano (2015).

Desde 1960, o autor participou de quase todos os grandes movimentos políticos da Alemanha. Sua participação nos movimentos pacifistas dos anos 80 é lendária. Além disso, Grass foi pródigo em criticas; ele criticou o rearmamento da Otan, a reforma do asilo, a Reunificação da Alemanha, o capitalismo, a energia nuclear, o partido da CDU, criticou Helmut Kohl (chanceler 1973 até 1998) bem como a sua sucessora Ângela Merkel; advertiu sobre o neonazismo, relembrou Auschwitz, criticou o exagerado controle do Estado e muitos outros assuntos. Grass se meteu em muitas polêmicas, sempre recebendo tanto elogios quanto bordoadas.

Fritz J. Raddatz (1931-2015) conhecido romancista, colunista, folhetonista e crítico literário irritou-se com a desmensurada atividade política de Grass e, em uma de suas célebres colunas, o criticou asperamente: “Ponha sua bunda na cadeira e escreva mais um livro em vez de por sua assinatura em milhares de manifestos”.

Há críticos literários que têm comparado Grass com outros autores alemães como o grande clássico alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) ou Thomas Mann (1875-1955), Hermann Hesse (1877-1962) e outros. Sem dúvida, Grass foi um grande escritor com uma capacidade de fabulação ilimitada o que se esconde em uma de suas frases: “A arte é tão maravilhosamente irracional, exuberantemente sem objetivo, mas, mesmo assim, necessária. Sem objetivo e necessária, isso é difícil para um puritano entender”.

Mas Grass não chegou perto da universalidade do genial Goethe nem da profundidade de um Hermann Hesse. Também não faltam aqueles que afirmam que o autor estaria sendo superestimado e aqueles que simplesmente não simpatizam com o autor em virtude de seu posicionamento político esquerdista.

Em 2012, Grass provoca mais uma vez com uma poesia, que é mais prosa do que poesia, “O que tem que ser dito” (Was gesagt werden muss). A poesia foi publicada em 4 de abril de 2012 simultaneamente no jornal alemão “Süddeu­tsche Zeitung”, no “La Repubblica” da Itália e no “El País” da Espanha. Nesta poesia, o autor critica Israel por ameaçar a paz mundial com o seu programa nuclear e de estar planejando um ataque contra o Irã que poderia aniquilar toda a nação iraniana. Ao mesmo tempo, Grass critica a Alemanha pelo fato de fornecer submarinos a Israel que lá poderiam ser completados com projéteis atômicos. Em suma, Grass fez afirmações que outros, menos conhecidos, também já fizeram ou escreveram. Ditas por alguém do calibre de Grass, o assunto soa diferente e se torna problemático. Foi exatamente isto que aconteceu.

Mais uma vez, o autor se viu confrontado com uma avalanche de críticas principalmente de Israel, país ao qual esteve ligado estreitamente há mais de meio século. Quatro dias após a publicação da poesia, o governo de Israel declara Grass “persona non grata” com proibição de entrar no país. O autor declara: “Mesmo assim continuo a ver-me estreitamente ligado e de forma indissolúvel àquele país”.

Avi Primor, diplomata e publicista israelense, embaixador do Israel na Alemanha de 1993 a 1999, que tinha estreito relacionamento com Grass, defendeu o autor após a publicação da poesia “O que deve ser dito”. Em entrevista à revista “Der Spiegel”, ao ser interrogado sobre os motivos de sua defesa, Primor responde: “Critiquei o texto arduamente, mas protegi Günter Grass pelo fato de ele ter pleiteado o direito de poder criticar Israel sem logo ser xingado de antissemita”. O “Der Spiegel” insiste: “Ele não era antissemita?” e Primor esclarece: “Não. Para mim a poesia de Grass é o resultado de um estado emocional de ira incontrolada ante a política israelense. E como estava irado, ele exagerou. Também Marcel Reich-Ranicki que vivia em constante atrito com o autor, disse-me há alguns anos: ‘Tenho muito a dizer contra ele mas antissemita, não, isto ele não é!’”.

Durante cinquenta anos, Grass negou-se a dar sua per­missão para verter “O Tambor” ao teatro, projeto com o qual só veio a concordar em 2010. A estreia teve lugar no Teatro Thalia de Hamburgo, em 28 de março passado, sob a direção do diretor teatral belga Luk Perceval. Entre os presentes, na primeira fila, encontrava-se o próprio autor Grass e sua esposa Ute Grunert. Foi seu último aparecimento público.

No fim do espetáculo, Günter Grass foi solicitado a subir ao palco. Foi freneticamente ovacionado durante longo tempo. Fora o seu derradeiro aplauso. Despediu-se deste mundo quinze dias depois. Morreu aos 87 anos de idade na manhã de 13 de abril em Lübeck, no norte da Alemanha. O país não só perdeu um grande escritor, perdeu uma importante personalidade de sua recente história. Perdeu um moralista que fará falta.

A chanceler Ângela Merkel, apesar das críticas que recebera de Grass, mostrou grandeza. Em carta de condolência à viúva, a chanceler expressou o que muitos admiradores (e críticos) de Grass sentiram: “Günter Grass, com o seu engajamento artístico-literário e com sua atuação político-social, acompanhou e cunhou a história da Alemanha do pós-guerra como poucos homens o fizeram. Com a morte de Günter Grass a República Federal da Alemanha perde um artista do qual me despeço com profundo respeito”.