Banda goiana divulgou na tarde desta quarta-feira (7/6) o álbum Lá Vem a Morte, com oito músicas, sete delas inéditas, em 27 minutos e 11 segundos

Na data do primeiro show da turnê nos Estados Unidos, em San Diego, na Califórnia, banda Boogarins lança o disco Lá Vem a Morte | Arte: Fernando Almeida e Beatriz Perini

Uma zapeada na timeline do Facebook e Lá Vem a Morte. No dia em que o julgamento da cassação da chapa Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB) foi suspenso pela segunda vez para continuar na data seguinte, a banda goiana Boogarins lançou sem qualquer anúncio prévio seu terceiro disco de estúdio: Lá Vem a Morte. A quarta-feira 7 de junho, data do primeiro show do grupo na turnê que tem 27 apresentações e vai até julho nos Estados Unidos e Canadá, marca o concerto em San Diego, na Califórnia, e os novos 27 minutos e 11 segundos divididos em oito canções do conjunto goiano.

A única conhecida dos fãs é a faixa Elogio à Instituição do Cinismo, lançada no final do ano passado pelo bandcamp da Boogarins. Com arte de capa do vocalista e guitarrista Fernando Almeida Filho, o Dinho, e da artista Beatriz Perini, Lá Vem a Morte mostra a banda em viagens com uso de sintetizadores pelo baixista Raphael Vaz e as primeiras letras e vocais do baterista Ynaiã Benthroldo.

As gravações foram feitas no Manchaca Roadhouse, em Austin, no Texas (Estados Unidos). A produção e mixagem do álbum ficou nas mãos do guitarrista Benke Ferraz. As exceções são as canções Corredor Polonês, mixada por Benke e Gordon Zacharias, empresário da banda, e a música Elogio à Instituição do Cinismo, que tem Benke ao lado de Mitch Easter e Gordon na mixagem. Tim Gerron masterizou o disco Lá Vem a Morte, que foi lançado pela OAR, de Will Harrison e Gordon, que assinam a produção executiva do álbum.

O disco conta com a participação de Pedro Bonifrate, vocalista da extinta banda Supercordas. Bonifrate é o responsável, ao lado de Dinho, pelos samples e beats na faixa Elogio à Instituição do Cinismo. Os teclados e a segunda voz na música também são de Bonifrate. Já Gordon Zacharias toca piano na canção Corredor Polonês. Os samples e beats foram feitos por Benke.

O vocal de Lá Vem a Morte Parte 3 é de Dinho e Ynaiã, que assina a composição junto com o vocalista. Raphael é o autor e vocalista da música Polução Noturna. As outras seis músicas são todas letras compostas e cantadas por Dinho. O baixista Raphael também é o responsável pelos sintetizadores no disco.

Ao contrário da faixa A Pattern Repeated On, que conta com vocais de John Schmersal, que foi lançada em maio e não faz parte do disco, Lá Vem a Morte volta às letras em português. O single A Pattern Repeated On é cantado em inglês.

O disco vem acompanhado do seguinte texto escrito em inglês assinado por Dinho, ou melhor, “Dino”:

“Talvez sempre tenha sido deste jeito. Mas parece que nós estamos vivendo em um tempo em que você pode se sentir muito perto de um final infeliz, dentro da caótica situação do mundo dos dias de hoje. Relacionamentos perdem seu sentido. Cinismo não é apenas mais um sentimento. É algo sólido, que machuca toda vez que você tenta considerar que seus desejos precisam respeitar a vida de outra pessoa. Todo dia você realmente não quer acordar. A confusão de sonhos obscuros é mais prazerosa do que a forma fraca que você assumia diariamente. Ser atacado em tantos caminhos e direções que você não sabe a razão real pela qual você se coloca em uma situação. Essas canções são um reflexo da falta de sensibilidade na qual nós vivemos. Talvez seja o momento de ser forte, jogar fora a hipocrisia e encarar os bons e maus sentimentos de uma vez… e encontrar alguma verdade profunda além da infinita superficialidade de nossos dias”.

A partir desta quarta-feira, em San Diego (Califórnia), até o dia 8 de julho, no Union Pool, no Brooklyn, em Nova York, a Boogarins mostrará seu novo trabalho de estúdio em cidades dos Estados Unidos e Canadá. O vídeo do disco no YouTube, assinado por Rollinos, começa a ganhar forma ao lado da voz de Dinho em Lá Vem a Morte Parte 1: “La vem a morte/Cheiro de dor/E se ela é forte/Eu também sou/Meu corpo é um choque/Pro seu valor/Pois trago os cortes/De um sonhador“.

A canção é cheia de recortes instrumentais e falas no meio da faixa, o que mostra uma nova vertente na sonoridade da banda. A calmaria vocal de Dinho imersa na viagem da melodia é um curto, mas bom e válido, cartão de visitas do novo disco. Lá Vem a Morte continua com FOIMAL, grafada em caixa alta e sem separação entre as palavras, que mantém a condução tranquila do álbum.

Foi mal se/Eu/Ainda desejo corpos/Que não o seu/E os olhos que te queimam/Já não são meus.” Na primeira pausa do vocal é possível perceber um destino que parecia inevitável na transição para o uso de sintetizadores e uma psicodelia que dialoga mais com a ala Tame Impala do estilo e menos com um rótulo nunca muito compreendido de novo Mutantes brasileiro. “E eu só te quero pra cima.” O momento anterior de euforia na letra cai na incerteza do amanhã: “Mas é que/Eu/Já não entendo as voltas/Que o mundo deu/Nosso futuro é um furo/Que não é meu/E isso nunca termina“.

Onda Negra deixa o disco ainda mais introspectivo e aberto a novas experimentações em relação aos álbuns As Plantas que Curam (2013) e Manual ou Guia Livre de Dissolução dos Sonhos (2015). A estética sonora que se divide entre a paz e a inquietação em momentos de tranquilidade mostra uma outra versão da Boogarins que desperta ainda mais curiosidade de ser vista ao vivo. “Obsessor/Comedor de sonhos/Nunca mais eu vi/O meu temor não são mil demônios/Mas lembrar de ti.” O último riff deixa clara essa perturbação causada pela melodia.

Quando entra a voz do baixista Raphael em Polução Noturna, que assume o vocal dessa canção, a referência imediata no trabalho da Boogarins é Cuerdo, do segundo disco. “Olha as coxas (colchas) da manhã/Pernas de algodão/Leite escorre no colchão/Eu não, e esse sol…/Pra quê me acordar assim?/E se eu não voltar?” E a letra de Raphael continua a descrever de forma lenta e recheada de barulhos a polução (procure no dicionário o significado): “Vi meu corpo amanhecer/Não pude esperar/Me sentia quase lá/Foi bom, e passou…“.

Lá Vem a Morte Parte 2 é um pequeno trecho de experimentações sonoras, distorções e barulhos estranhos que dão espaço à densa Corredor Polonês, que devolve a Dinho os vocais no disco. “Corredor Polonês/É reto, é curva/É volta do que cê fez/Toda dor, de uma vez/Acorda, assusta/Se não quer, por que vem?” Mais uma vez o texto escrito por Dinho para descrever o disco volta a fazer sentido e amarra bem as canções dentro do álbum. Corredor Polonês é mais uma demonstração da dificuldade em aceitar o mundo da forma como ele é visto e sentido. Talvez seja, até o momento no disco, a faixa que dê mais possibilidade de ver extensão de seu tempo nas conhecidas jams nos shows da banda.

A já conhecida Elogio à Instituição do Cinismo é bem o que o nome da música diz e traduz bem em seus versos: “Você já não vê cor/Você não olha nos olhos/E quando olha é só pra mentir“. A faixa mais dançante do disco dá sustentação ao discurso de busca de uma verdade que parece distante hoje em dia. “Quer discutir valor/Mas você é como os porcos/Faz revolta só pra subir/Atendem por nomes/Mas no fim são todos iguais/Esbarram nas ordens/E isso os machuca demais.”

Lá vem a morte/Cheiro de dor

O final do álbum traz a primeira contribuição do baterista Ynaiã como compositor e vocalista no processo criativo da banda. Antes de Lá Vem a Morte Parte 3 há um trecho experimental com Dinho cantando “Lá vem a morte“. A introdução da canção que fecha o disco começa com a liberdade que a banda defende ao vivo de fazer o que bem entender em cima do palco, mesmo que o público espere que o quarteto de Goiânia toque a canção Doce ou Erre ao vivo.

E quando Ynaiã começa a cantar e a voz do baterista se mistura com a de Dinho, a canção segue na direção da imprevisibilidade e da inconstância, mas que mostra em versos o sofrimento de um povo maltratado pela história do mundo e que até hoje convive com o racismo mais do que vivo na nossa cultura.

Entre as viagens da melodia e a voz de Dinho que segue na repetição dos versos “Lá vem a morte/Cheiro de dor“, Ynaiã revela uma crítica ao tratamento dado ao negro, que antes era escravo que chegava em navios negreiros ao Brasil e continua a ser a principal vítima de mortes no País, de acordo com os dados do Atlas da Violência 2017. “Outro dia vi um desses/Descendo de um navio/’Isso é balela’/Mas não é não/Outro dia vi um desses/Seu destino é o poste/’Isso é coisa velha’/Mas não é não/Outro dia eu vi/Nos quilombos, de hoje, daqui/Mesma velha história/É sim é sim/Outro dia eu senti/As divisas dos bandos daqui.”

Lançado no final da tarde desta quarta-feira, o disco Lá Vem a Morte traz uma nova sonoridade para quem se acostumou aos dois primeiros álbuns da banda. A estreia do disco ao vivo será hoje mesmo na América do Norte, mas nós aguardamos a volta do grupo para conferir de perto essa crítica à falta de sensibilidade e emoções profundas traduzidas em oito boas canções de uma agora cheia de sintetizadores e renovada Boogarins.