Natal, o aniversário da cruz — poema de Gabriel Nascente
22 dezembro 2024 às 00h00
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I
Ouvi o estouro de um trovão, longe.
Dezembro chegou com as águas da primavera, sujas de pólvoras.
Isso queima o lençol de minhas lágrimas.
Mas é Natal
e eu faço as contas.
Vamos lembrar que o céu construiu catedrais para os homens.
Vamos lembrar que há mais de dois mil anos, Cristo renasce e floresce
das fúlgidas cores da alegria.
II
Papai Noel,
o endereço humano morreu.
Os poderosos sugam
o suor dos humildes.
Estamos à deriva e reféns deste orbe de débeis mentais, (que transformam crianças em escombros fumegantes).
A fumaça dessas mortes vem do Oriente.
E é covardia demais
os homens sem diálogos
III
A minha cabeça é um tumulto. Chorar é teatro.
Então, vede: é Natal, e eu busco refúgio nos braços de Cristo.
A luz me faz voar pelos rastros da utopia.
A Canaã prometida é chão de hospício.
Desembarcamos no paraíso errado.
IV
É Natal, meninos. E eu faço as contas.
O velho barba de algodão já está entre nós, tilintando
a sua sineta de monarca das ilusões, todo chique, amoroso, atroando
o seu ôrrôrrô de é Natal, Feliz Natal…
da fulgência das vitrines para o sonho da garotada.
Haja bombons, de graça, abraços e brinquedos!
V
O tempo carrega o tempo.
O tempo me roubou o direito
de sonhar com pacotes de fantasias.
Sou homem – chão, e não compactuo com a religião que mistura o rabi da Galileia, com a máfia do dinheiro.
Deus é ninho de passarinhos na floresta de minha alma.
É Natal, meninos. Acordem!
E vamos aplaudir
o Príncipe dos pobres, que distribui virtudes,
pão e peixes, para os homens.
Deus pregado na cruz faz aniversário
sem leitoas e uísques.
V
É Natal. Eu sei. E nada posso.
O mundo anda perto de um holocausto nuclear.
Gabriel Nascente. Sala Albert Camus, 24 de novembro de 2024, tarde de domingo