Carlos Willian Leite

Décimo sétimo (17º) livro lido em 2024: “Mestres Antigos” (Companhia das Letras, 184 páginas, tradução de Sergio Tellaroli), do austríaco Thomas Bernhard.

O escritor austríaco Thomas Bernhard (1931-1989 — viveu 58 anos), em seu livro mais provocativo, cria uma narrativa contínua que se estende por 182 páginas, sem qualquer interrupção de parágrafos, desafiando as convenções literárias com seu estilo inconfundível, tal como fez no romance “Derrubar Árvores — Uma Irritação”.

A história gira em torno de Reger, um crítico musical de índole carrancuda, recluso e frequentemente azedo, que se dedica há mais de três décadas à contemplação da obra “Homem de Barba Branca”, de Tintoretto (Jacopo Robusti — 1518-1594), um tesouro do Kunsthistorisches Museum de Viena.

A história é narrada por Atzbacher, um jovem filósofo que se dirige ao museu com o intuito de encontrar-se com Reger — e é por meio dele que somos introduzidos à complexa psique do crítico.

Thomas Bernhard: um dos mais importantes escritores da Áustria no século 20 | Foto: Reprodução

Atzbacher desvenda o descontentamento de Reger com as artes, particularmente a música e a pintura, e suas implacáveis críticas à literatura e à filosofia, apontando sua acidez contra figuras como Heidegger e Stifter, criticando-os por transformar a literatura e a filosofia em meros objetos kitsch.

Reger também manifesta seu rigoroso discernimento sobre compositores clássicos, como Bruckner, com uma franqueza brutal, evidenciando suas preferências e aversões. Ele defende que os admiradores de Bach, Mozart, Händel e Haydn, por uma questão de integridade estética, inevitavelmente repudiariam as composições de Bruckner. Também não poupa quase uma centena de filósofos, compositores e escritores.

O livro, entrelaçando cinismo com humor, amargura com entretenimento, serve como uma crítica satírica à sociedade austríaca, destacando suas idiossincrasias, como a peculiar observação sobre os hábitos de higiene dos austríacos, que trocam suas roupas íntimas somente uma vez por semana.

Por meio de Reger, Bernhard convida o leitor a refletir e questionar conceitos estabelecidos como cultura, genialidade, classes sociais e religião. Além disso, o livro indaga sobre o autêntico valor e propósito das humanidades. Seriam elas realmente necessárias?

Para ler e reler. Absolutamente maravilhoso.

Nota: 10

Carlos Willian Leite, editor da “Revista Bula”, é poeta, jornalista e crítico literário.