Messiah, da Netflix, especula sobre a chegada do messias

02 fevereiro 2020 às 00h00

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Série instiga ao tratar do aparecimento de um salvador, visto com esperança e descrédito pelas pessoas em tempos de redes sociais
As três grandes religiões monoteístas (por ordem cronológica: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo) somam, juntas, quase 4 bilhões de pessoas, praticamente a metade da população mundial. Todas têm uma mesma raiz, o patriarca Abraão (por isso, são chamadas de regiões abraâmicas), mas, ao longo de milênios, as divergências, que fomentaram guerras e perseguições, acabaram por esconder os muitos pontos de contato entre elas, além da origem única.
Ainda que existam distâncias aparentemente incontornáveis entre essas três tradições, a própria concepção de Deus único, que as une, é revolucionária, pois surgiu em meio a um caldo cultural exclusivamente politeísta. Entre as crenças mútuas de judeus, cristãos e muçulmanos, está a espera por um messias, que chegará no fim dos tempos para redimir o homem e instaurar a era da paz no mundo.
Cada uma delas, porém, tem sua própria maneira de enxergar esse messias. Para os cristãos, por exemplo, haverá o retorno de Jesus. Entre os judeus, a vinda do Mashiach, da linha de David (como a de Jesus no cristianismo) se dará junto da reconstrução do templo. Na visão de alguns segmentos islâmicos, especialmente entre os xiitas, que são minoria, haverá uma batalha final entre o falso profeta Al-Dajjal e o profeta Mahdi que, auxiliado por Isa (Jesus), sairá vencedor.
Outra semelhança é que a chegada desses messias é precedida de muitas tribulações. O homem estará entregue à ganância, à violência, ao orgulho e à luxúria. O planeta estará enfrentando ondas de furacões, terremotos e tsunamis. Em resumo, parecerá que o mal, enfim, estará prestes a triunfar.
É em um cenário assim que temos as primeiras imagens de Messiah, série que estreou na Netflix em janeiro e que causou polêmica em vários países, especialmente aqueles em que o Islã é maioria (a obra foi acusada de tratar os muçulmanos de forma preconceituosa e desrespeitosa, especialmente por supostamente liga-los ao terrorismo). Al Massih (Mehdi Dehbi) surge em Damasco, Síria, quando a cidade está prestes a ser invadida pelo Estado Islâmico. Uma multidão o ouve e, quando o ataque inicia, uma tempestade de areia toma conta do lugar. Al Massih continua sua pregação e, após dia de tempestade ininterrupta, o Estado Islâmico desiste da batalha. Isso basta para que dezenas de pessoas acreditem ter presenciado um milagre e passem a segui-lo.
Do oriente médio, Al Massih surge em uma pequena cidade no Texas, Estados Unidos, devastada por um furacão. Ali, a família de um pastor batista e os moradores presenciarão outra cena milagrosa. Assim, é a vez de cristãos ocidentais apontarem o homem como o aguardado messias. Mais uma vez, ele atrai milhares de pessoas.
A série escorrega no que pretende ser um thriller investigativo. Estão ali velhos clichês, como agentes dedicados integralmente ao trabalho e, consequentemente, com vidas pessoais destroçadas. Também não ficam de fora as exibições de capacidade investigativa dos vários órgãos de segurança norte-americanos (como CIA e FBI) e as rusgas entre os membros de cada um deles. Não falta, ainda, um toque de feminismo e do politicamente correto.
Mas essas são falhas que não estragam o que realmente importa: a premissa poderosa levantada pelos produtores Mark Burnett e Roma Downey, casal cristão responsável pela série A Bíblia, também disponível na Netflix. Afinal, como cada um de nós reagiria se o esperado messias chegasse hoje? Como seria a cobertura na imprensa? Como agiriam os grandes líderes mundiais, religiosos ou políticos? E as redes sociais, bombariam?
Messiah especula sobre todos esses olhares e não entrega respostas prontas – deixando aberta a janela para uma segunda temporada. E não é preciso ter uma imaginação muito fértil para antever algumas reações, de tão óbvias. Há o religioso que oscila entre a esperança cega e o ceticismo. Há o que vê no advento a oportunidade de angariar ainda mais prestígio. Há os que o considerem louco, revolucionário, terrorista, charlatão. Há pessoas que descobrem, ou reencontram, a fé. Há, ainda, as que tratem encontram nela maneiras de prosperar financeiramente.
Em meio a todas essas possibilidades, um sentimento une os personagens. Ao fim, aparentemente são aqueles que nada esperavam que encontram no messias uma possibilidade de redenção. Aos que projetaram nele a solução para as angústias e porta de saída para seus labirintos pessoais, resta a decepção. Ao menos na primeira temporada.