Abílio Wolney Aires Neto*
especial para o Jornal Opção

O conceito de materialismo é frequentemente associado a uma visão de mundo que valoriza o tangível e o físico acima do espiritual ou transcendente. No entanto, o que se torna paradoxal e preocupante é quando o materialismo penetra no campo religioso, uma esfera que, em princípio, deveria estar imune a tais influências. O materialismo religioso refere-se a uma abordagem da religião que enfatiza bens materiais, riqueza, poder e status social em detrimento dos valores espirituais e éticos. Esse fenômeno, embora não seja novo, tem se intensificado nas últimas décadas, especialmente em algumas vertentes do cristianismo, gerando uma série de consequências nefastas para a fé e para a sociedade como um todo.

Historicamente, a religião sempre teve uma relação complexa com o materialismo. As escrituras sagradas das principais religiões do mundo frequentemente alertam contra a ganância e a adoração de riquezas. No cristianismo, por exemplo, há passagens bíblicas como “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou se devotará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Mateus 6:24). No entanto, ao longo dos séculos, a religião, em várias ocasiões, se entrelaçou com o poder e a riqueza.

Durante a Idade Média, a Igreja Católica, por exemplo, tornou-se uma das instituições mais ricas e poderosas da Europa, acumulando vastas quantidades de terras e tesouros. Este período foi marcado por um materialismo religioso que justificava a acumulação de riquezas e a ostentação de poder como uma forma de expressar a glória de Deus. As indulgências, que permitiam que os pecados fossem perdoados em troca de dinheiro, exemplificam esse fenômeno, levando à Reforma Protestante, que criticou duramente esses abusos.

No século XX, o materialismo religioso ganhou novas formas, especialmente com o surgimento do movimento da teologia da prosperidade. Este movimento, que tem raízes no cristianismo evangélico norte-americano, prega que a fé em Deus é recompensada com bênçãos materiais e financeiras. Pastores e líderes religiosos que promovem essa doutrina frequentemente vivem em grande luxo, justificando sua riqueza como um sinal de favor divino. Tal perspectiva transforma a religião em um meio para atingir objetivos terrenos, desviando-se do foco na espiritualidade e na busca por uma vida moral e ética.

O materialismo religioso tem várias consequências prejudiciais tanto para os indivíduos quanto para as comunidades religiosas. Em primeiro lugar, ele distorce o verdadeiro propósito da religião. Ao promover a ideia de que a prosperidade material é um sinal da bênção divina, as religiões que adotam essa visão tendem a negligenciar valores espirituais essenciais, como a humildade, a caridade e a compaixão. A fé, que deveria ser uma fonte de consolo e orientação espiritual, é reduzida a uma transação em busca de riqueza e sucesso material.

Além disso, o materialismo religioso pode levar à corrupção dentro das instituições religiosas. Líderes religiosos que acumulam riquezas frequentemente se envolvem em escândalos financeiros, o que mina a credibilidade da religião como um todo. A ostentação de riqueza por parte desses líderes também cria uma desigualdade dentro das comunidades religiosas, onde os fiéis são incentivados a contribuir financeiramente enquanto os líderes desfrutam de um estilo de vida luxuoso.

Outro impacto significativo do materialismo religioso é a exploração dos fiéis. Pessoas em situações de vulnerabilidade, em busca de esperança e soluções para seus problemas, são atraídas por promessas de prosperidade material. Elas frequentemente sacrificam o pouco que têm na esperança de receber bênçãos financeiras, mas muitas vezes acabam em pior situação do que antes. Esse tipo de exploração é particularmente pernicioso porque se disfarça sob o manto da religião, uma instituição que deveria proteger e ajudar os necessitados.

Vários teólogos e estudiosos têm criticado o materialismo religioso ao longo dos anos. Karl Barth, um dos mais influentes teólogos do século XX, criticou duramente a aliança entre igreja e poder, alertando que a verdadeira fé não pode ser corrompida por interesses materiais. O Papa Francisco, em diversas ocasiões, também condenou a busca pelo lucro e a exploração dos pobres, destacando que a verdadeira missão da Igreja é servir aos necessitados e promover a justiça social.

O materialismo religioso é também criticado por seu impacto na espiritualidade. Ele promove uma visão de mundo que valoriza o tangível e o efêmero, em vez do espiritual e eterno. Isso contrasta fortemente com o ensinamento de diversas tradições religiosas, que veem a vida terrena como uma preparação para a vida espiritual ou como uma oportunidade de crescimento interior.

Para combater o materialismo religioso, é necessário um retorno aos valores fundamentais das religiões, que enfatizam o amor, a compaixão, a humildade e o serviço ao próximo. Muitas comunidades religiosas estão redescobrindo esses valores e buscando formas de praticar uma fé mais autêntica e comprometida com a justiça social.

Iniciativas como a Teologia da Libertação, que surgiu na América Latina na década de 1960, oferecem uma alternativa poderosa ao materialismo religioso. Essa teologia enfatiza a importância de lutar contra a pobreza e a injustiça, e de viver uma fé que se manifesta em ações concretas para melhorar a vida dos oprimidos. Ao focar no serviço aos outros, essas abordagens restauram o verdadeiro propósito da religião e oferecem uma resposta ao materialismo crescente.

O materialismo religioso é um fenômeno lamentável que distorce o verdadeiro propósito da religião e tem consequências graves para a fé e para a sociedade. Ao priorizar a riqueza material sobre os valores espirituais, ele enfraquece as instituições religiosas e explora os mais vulneráveis.
No entanto, existem alternativas que oferecem esperança de uma prática religiosa mais autêntica e comprometida com os valores espirituais e éticos. A luta contra o materialismo religioso exige um retorno aos princípios fundamentais das religiões e uma renovação do compromisso com a justiça social e o serviço ao próximo.

Como anotou Albano Couto:

“Nos delírios da usura repontam calamidades das mais encontradiças: a capitulação diante de tentações infelizes, no manuseio de altas subvenções dessa ou daquela procedência, em cuja trama caracteres bem intencionados se vêem envolvidos nos jogos da apropriação indébita, fantasiada de competência; a vinculação gradativa a propinas douradas, à margem do serviço fraterno, propelindo sorrateiramente a criatura para os desvios absconsos do profissionalismo religioso”.

Referência: Albano Couto. Psicografia em reunião pública da Comunhão Espírita Cristã na noite de 21-5-62, em Uberaba, Minas.)

Abílio Wolney Aires Neto | Foto: Acervo Pessoal

*Abílio Wolney Aires Neto é autor, Juiz de Direito, membro da Academia Goiana de Letras.