Marcos Fayad dá vida a “Cara-De-Bronze”, obra de Guimarães Rosa

25 junho 2016 às 10h10

COMPARTILHAR
Presente no livro “Corpo de Baile”, o conto foi adaptado e também dirigido teatralmente por Fayad, a quem a literatura tanto inspira. O goiano já imergiu nas obras de Artaud e Cassiano Ricardo

Adalberto de Queiroz
Especial para o Jornal Opção.
Quem vai ao Teatro? Ou melhor: quem ainda vai ao Teatro com tanto filme, comédia, stand-up, e besteirol em geral para assistir de graça no conforto do sofá de casa? Provocativa, a pergunta me lembrou de uma antiga campanha brasileira que usava a frase “Vamos ao Teatro” com o mote de criar um novo público, composto de jovens, que representasse uma renovação para as salas de teatro do país.
Se o brasileiro lê pouco, imagine ir ao teatro. Segundo um estudo do Instituto Pró-Livro (IPL), 44% dos nossos concidadãos não têm o hábito de ler livros. Os que leem são agora 55%. Os que vão ao teatro não estão contados em pesquisa. E quando o teatro leva a literatura aos palcos, desconhecemos ainda mais.
O Serviço Social do Comércio (Sesc) encomendou uma pesquisa a fim de conhecer os hábitos culturais do brasileiro e obteve, assim, números impressionantes: o desinteresse pelo teatro ganha do aspecto “custo da peça”; o hábito de ver televisão (ou ficar em casa) ganha em disparado do “deslocar-se para assistir algo”, mais até do que um filme ou uma novela fora de casa. De 2013, os números estão no site do Serviço, onde se sabe que 51% dos pesquisados não estão dispostos a nenhuma atividade cultural nos fins-de-semana.
…89% dos pesquisados nunca foram a um concerto de ópera ou música clássica em sala de espetáculo e 83% em qualquer outro local; 75% nunca foram a espetáculos de dança ou balé no teatro; 71% nunca estiveram em exposições de pintura, escultura e outras artes em museus ou outros locais e 70% nunca foram a uma exposição de fotografia. Além disso, outras atividades, como ver uma peça de teatro em qualquer local (61%), a uma peça no teatro (57%) e a um show de música em uma sala de espetáculo foram outras atividades cuja maioria dos entrevistados afirmou nunca ter realizado.
O analista não quer, com tais números, justificar versos do poeta Brasigóis Felício a nos lembrar que a comunidade em que vivemos não nasceu da epopeia de “Goiannya” (poema épico fundador de nossa urbe, escrito por Manuel Lopes de Carvalho Ramos), mas sim de algo a se formar em torno de “Boiânia” — um aboio em torno de fortunas feitas ao preço do boi no pasto e dos maus hábitos sociais, incluindo brigas em boates chiques e tiroteios em bares da moda.
Na região Centro-Oeste, em que se bate o “quixote” Marcos Fayad (e seus fiéis escudeiros, que são poucos, mas valorosos), os principais produtos culturais assistidos pela imensa maioria, na TV, são as novelas (54%), filmes (52%) e os jornais de notícias (44%).
Partindo da afirmação de que a literatura interpreta, enquanto o teatro (e o cinema) imitam, eis o analista diante de um dilema: como olhar para Guimarães Rosa no palco e como fruir a interpretação com imitação no palco de uma capital do interior que é mais afeita aos grandes espetáculos musicais?
Fui à estréia de Cara-de-Bronze, peça dirigida por Marcos Fayad que adaptou texto de um conto de Guimarães Rosa para a linguagem teatral.
A peça
Ao soar da terceira campainha, a luz se esmaece lentamente e o espectador é transportado ao mundo dos sertões de Rosa. O buriti toma o centro da cena. Ouve-se o raiar do dia e, com seus sons particulares de galos e barulhos miúdos, de cores e auroras, de viola e sentimento de semitransparência, somos levados ao fundo do mato, ao fundo da alma donde se averiguar o que o ruído da vida da cidade grande faz tempo encardiu. Reversão do esperado. O teatro assim acontece.
Está o espectador preso à teia de um rosiano Fayad. Conta-se uma estória em torno de um curral. Conta-se imitando, conta-se interpretando. O que se vê no palco, uma vez imerso, é mimesis; isto puramente, caso levemos em conta a Poética de Aristóteles: Daí o sustentarem alguns que tais composições [Aristófanes] se denominam dramas, pelo fato de se imitarem agentes [dróntas]. Por isso, também os Dórios para si reclamam a invenção da tragédia e da comédia; a da comédia, pretendem-na os megarenses, tanto da metrópole, do tempo da democracia, como os da Sicília, porque lá viveu Epicarmo, que foi muito anterior a Quiônidas e Magnes; e da tragédia também se dão por inventores alguns dos dórios que habitam o Peloponeso…
Nem seria o caso aqui de falar do hoje tão propalado “desejo mimético”, do pensador francês René Girard, que, dentre os melhores divulgadores no Brasil, contamos ainda com o Professor João Cézar de Castro Rocha e o jovem crítico Pedro Sette Câmara. De Rocha, sabemos:
…muito sucintamente, a dinâmica do desejo mimético, ponto de partida da teorização do pensador francês, que: “o desejo humano, enuncia Girard, é o fruto da presença de um mediador. Não desejamos de maneira direta, mas indireta, e o alvo fixado por nosso desejo é menos determinado por nós mesmos do que pelas redes que se tramam através das mediações que nos afetam. O desejo implica mediações entre o sujeito, o objeto e sobretudo o mediador, que não é outro senão o modelo adotado para a definição do desejo, o qual depende sempre de uma relação de triangularidade.”
No entanto, está certo que foi o desejo de imitação e da admiração de Fayad pelo texto rosiano que o fez encarar desafio tão grande, chegando a tão bom termo. Saiba, hipócrita leitor-espectador, meu irmão, que não é de hoje que a literatura inspira o diretor Fayad. Basta lembrar as incursões e imersões na obra de Antonin Artaud e de Cassiano Ricardo — ambas de grande repercussão e continuada absorção pelo público-alvo do ator/diretor. A imersão em Artaud rendeu a Fayad um elogio da mais produtiva crítica de Teatro no Brasil, a de Bárbara Heliodoro:
Intérprete único de Artaud, Marcos Fayad tem uma atuação bonita e elegante, que obviamente é calcada em uma leitura íntima e detalhada com cada palavra e pensamento que o texto propõe.
A leitura parece perseguir o diretor e ator. Com o texto agora levado ao palco, reafirma-se a inculcação do diretor com a leitura, que vem de longe. Desde a década de 1970, Fayad lê, relê e se apaixona (confessou ao final da estreia no Teatro Sesi) pelo texto de Rosa. Não se sentia preparado para levar o texto ao palco, no Rio de Janeiro, mas o sentiu quando voltou ao Sertão — o que se deu para nosso deleite ou melhor: de uns poucos, pois a peça foi vista por uma pequena plateia na estreia e nos demais três dias em que foi apresentada no Sesi.
Primeiro, o diretor superou barreiras que se opunham à realização daquele desejo — trazer Rosa ao palco e a Goiás. Por comodidade, mas com grande honestidade intelectual, posso dizer de Fayad em relação a essa adaptação de um texto de Guimarães Rosa, parodiando dona Bárbara:
“Adaptador único de Rosa, Fayad venceu dificuldades pertinentes a direitos autorais, dificuldades pecuniárias de fazer teatro no Centro-Oeste do país e dificuldades pessoais enormes a fim de nos brindar com uma das mais belas adaptações literárias para o palco. Uma luminosa forma de o sertão dizer à cidade: é hora de reverter a correria e a pressa e olhar a leitura complexa tornada simples — coisa que só os gênios podem fazer — seja na literatura (escrita) e na interpretada (teatro). Cada pedacinho de céu descido ao palco pelas mãos de Fayad e de seu elenco nos fazem orgulhosos de ser seu conterrâneo e contemporâneo” — eu digo-vos.
Abaixo, o leitor confere assertivas do diretor de “Cara-de-Bronze”, Marcos Fayad, acerca de variados temas. Ele conta, em material de divulgação do espetáculo, sobre a estória da peça, novas dramaturgias, de sua cia, a Teatral Martim Cererê, e da atual cena teatral goiana.

“A história de Rosa revela que o máximo de sofisticação é a simplicidade”
O espetáculo: É tudo tão inacreditável e de uma simplicidade ímpar; muitas vezes, os atores e eu, no meio dos ensaios, paramos emocionados. Uma estória que se passa em um único dia dentro de um curral de ajunta de bois e dez vaqueiros que conversam sobre o dono da fazenda, o Cara-de-Bronze. Nada mais. E o que eles falam adquire dimensão sublime, de mitologia impossível de ser contada numa entrevista. Tudo envolvido pela viola caipira; a música é do Roberto Correa e os versos do tal João, o Guimarães Rosa. Uma simplicidade de água cristalina em pedra lisa.
Há muito tempo, talvez mais de uma década, não aparece nos palcos brasileiros a obra prima de um gênio do porte de Rosa. Não porque a dramaturgia brasileira seja ruim; é excelente, uma das melhores do mundo, acrescida do privilégio de transposições para o palco de obras da nossa literatura, como “Cara-De-Bronze” — novela do livro “Corpo de Baile”, de 1956.
“Cara-de-Bronze” surpreende pela novidade no plano da expressão. Rompendo com a rotina, o lugar-comum. Rosa apresenta, nessa novela instigante, todo o brilho do seu universo vocabular; e o que o espectador ouve são riquezas nada comuns ao teatro. É de encantar a quem sabe distinguir um texto corriqueiro de uma obra trabalhada, retrabalhada, apurada, vigorosa, poética – qualidades que já não são mais tão vistas e ouvidas no Brasil. O tema original, a estória inusitada revela com perfeição a afirmativa dos grandes criadores do mundo de que o máximo da sofisticação é a simplicidade.
Novas dramaturgias: Há um movimento para se descobrir e dar chance aos novos autores de teatro, no Brasil e no mundo — há mais de trinta anos estão montando os mesmos autores. Recentemente, montou-se no Rio e São Paulo seis peças de Antón Tchekhov, quatro de Nelson Rodrigues, dois Dario Fo — sempre as mesmas obras; uma chatice. Na Europa, é a mesma coisa. Parece que depois do “boom” da tevê, os autores se retraíram ou foram escrever para ela.
Mas é preciso se preparar, estudar dramaturgia, conhecer a história mundial do teatro para se escrever bons textos. O corpo, a voz, a sensibilidade, o ritmo, o senso de observação e a curiosidade são os instrumentos de trabalho de um bom ator e precisam estar permanentemente sendo exercitados. Com atores assim, vivos, um autor e um encenador podem criar obras que remexam os neurônios do público. Pois, o teatro é uma arte livre, única, que se instala na presença do espectador — atores de posse de todas as suas potencialidades e bem conduzidos, geram o magnetismo milenar que atrai as plateias do mundo para uma sala, onde algo único vai acontecer: o espetáculo. O resto é teatro feito por e para “entulhadores de palco”.
A Cia: A grande vantagem dos artistas da Cia Teatral Martim Cererê é poder trabalhar no Teatro sem a proximidade da tevê. No eixo Rio-São Paulo, a mitologia que se criou de que ator tem que fazer novelas para existir gerou uma massa de bonecos infláveis que falam textos e que a imprensa televisiva chama de “atores”. Enquanto quase todos têm personal training, os que trabalham aqui desenvolvem a musculatura de seus espíritos. Longe dessa máquina os atores-artistas evoluem e dão dignidade à arte de representar.
Mas em Goiás tudo permanece como antes, como sempre foi: muita estrela pra pouco céu. O que tenho visto é que quem se arrisca a dirigir não passa de Nelson Rodrigues, um ou outro autor manjadíssimo, com atores despreparados que ainda pensam que interpretar é gritar. Como exijo leitura, informação e muito, muito trabalho, tenho fama de ser um diretor tirano. O teatro acomodado que se faz aqui não me interessa e parece que ao público também não.
Cena goiana e o público: Falta qualidade artística. Qualquer um de nós só se anima a sair de casa se tiver alguma garantia de que vai ver algo diferente, bem produzido, bem interpretado, com temas e ritmos que nos salvem da gororoba diária da tevê. Não posso reclamar do público goiano, ele sempre está presente nos espetáculos que dirijo com os atores da Cia Teatral Martim Cererê. Porque trabalhamos para apresentar espetáculos que encham os olhos e falem ao coração dos espectadores em algum nível.
Para isso, embalamos muito bem nosso “produto”. Sim, porque hoje a arte é também um produto como qualquer coisa na sociedade de consumo. Por mais chocante que isso possa parecer. O público goianiense e o das cidades médias só lotam os teatros quando quer ver os atores das novelas. E os grandes, os melhores espetáculos de teatro no Brasil não têm atores de novelas; como os de Antunes Filho, José Celso Martinez Correa, o Grupo Armazém de Londrina, o Grupo Galpão de BH, dentre outros.
A esses, o público goiano não tem acesso porque eles não viajam por falta de patrocínio. Então, o interior do Brasil só vê esse teatro chato e idiota que é feito como uma “extensão” da telenovela, com atores que se aproveitam de estar na novela para viajar pelo país. Às cidades médias resta a esperança de que esse público, tipo “fã-de-artista” famoso, goste da experiência de ir ao teatro e continue frequentando-o.
O diretor: Sou um protomutante; portanto, sou homem e mulher e quero desfrutar das qualidades e defeitos comuns aos dois. Sou um cara apaixonado e lúcido e, ao mesmo tempo, agressivo e doce, alegre e triste, suave e rascante, novo e velho. Nunca sou uma coisa ou outra; sou sempre uma coisa e outra. Esta é meta de um protomutante. Quem quiser saber o que é um protomutante precisa ler Wilhelm Reich. Claro que os “normais” se assustam, mas…
Em mais de 30 anos de teatro, acho que escolhi bem minhas parcerias. Encenei obras de Máximo Górki, Samuel Beckett, Ibsen, Plínio Marcos, Cabrujas, Granjeio Crespo, Isaac Chocrón, Cassiano Ricardo, do Rosa e de muitos outros, com os quais me identifiquei ou a quem amei artisticamente.
Tenho fama de brigão aqui em Goiás. Gosto dela. Particularmente, eu brigo e exijo ser tratado com respeito porque tenho consciência de que projeto Goiás, com meu trabalho, muito melhor que muitos políticos e empresários por aí. Afinal, não roubo, não corrompo, não participo de maracutaias, não me vendo, não tenho emprego público e nem privado e, com a arte, transmito uma imagem do meu Estado positiva e moderna. Se ninguém tomar conhecimento disso, basta que eu tome para dormir tranquilo e viver feliz.
“Tudo não basta”: Aqueles que só vão ao teatro para se distrair com bobagens vindas de fora, como a praga das celebridades construídas pela tevê ou com essas superficialidades e futilidades que chamam de teatro, aconselho a não irem assistir aos espetáculos que criamos. Vão se decepcionar porque não me interesso em apenas fazer o espectador rir riso fácil, detesto idiotices levadas ao espaço sagrado do palco, não compactuo com o mercado teatral tão ao gosto das maiorias — aspiro mais. “Muito pra mim é pouco, tudo pra mim não basta” —, como diz o poeta Herbert Vianna.
Só sei fazer e faço arte de qualidade e isto quer dizer: gosto de divertir o público e, ao mesmo, tempo levá-lo ao prazer de pensar, apreciar a beleza que o palco emana quando é bem usado. Só pessoas inteligentes e sensíveis vão entender isso ou os artistas verdadeiros deste país, que, felizmente, ainda são muitos.
Quem assistiu ao Grupo Galpão ou ao Grupo Piolin, ou a Marília Pêra, Paulo Autran e tantos outros, sabem do que estou falando. Passo no mínimo seis meses preparando e ensaiando um espetáculo e não trabalho para entupir teatros, mas para acrescentar algo de positivo contra a mesquinharia e a prostituição artística a que o público é submetido diariamente.
Sinto respeito pelos que acompanham meu trabalho há tantos anos; é a eles que me dirijo e em quem penso ao criar uma obra de arte. Se eu fosse médico jamais seria um aborteiro que trabalha exclusivamente por dinheiro; seria um médico entre centenas que honram e dignificam sua profissão. Não vejo diferença entre um bom médico e um bom artista, ambos trabalham em seus ofícios para o engrandecimento do ser humano — como qualquer outro bom profissional de qualquer área.
A arte do ator: Felizmente, sou da geração que, através do teatro, praticava a arte preconizada pelo alemão Bertolt Brecht: a que transforma o homem que ousou e desejou entrar na sala. Esta era a função social dos artistas — porque houve uma época em que se prezava muito esta utopia de agentes transformadores dos atores. Agora, diante das vaidades do mundo, poucos se lembram disso.
Quase sempre, ator é uma mera competição entre caras bonitas, que apostam quem chegará primeiro à tevê e ficar rico e famoso. “Utopias? Papel social? Agente transformador…” são só palavrinhas. O teatro pode ser inteligente, instigante e empenhado na reflexão e evolução do homem; e nem por isto excluir o humor, o divertimento, a beleza — potentes instrumentos de transformação. Mas, claro que existem, e sempre existiram, atores que desprezam tudo isso. Cada macaco no seu galho.
Outro dia, li a entrevista de uma atriz que identificava, na cultura brasileira, uma ditadura do riso. Só filmes, só peças que fazem rir fazem sucesso no país. Verdade cruel e burra com o agravante de que vivemos também a ditadura do gosto médio. Tudo, toda arte se nivela pelo gosto médio, pela mediocridade, pela arte ruim; mas a maioria a considera boa porque faz rir, não instiga a reflexão, nem respeita a inteligência — a pior ditadura, pois até os “artistas que pensam” vão aderindo a ela, a fim de ganhar algum dinheiro (já que é isso que o povo quer) e os afagos-de-ego do público. Mas, que nem por isso deixa de ser lixo cultural.
Teatro da inquietação: Minha grande utopia é descentralizar a cultura brasileira da ditadura do eixo Rio-São Paulo. Pois, sei que os melhores artistas do país não estão na tevê ou apenas nas grandes cidades; mas sim nas médias e pequenas, onde têm acesso aos bens culturais e, ao mesmo tempo, mantêm a simplicidade que produz a arte verdadeira, isto é, a arte associada à vida. Teatro convencional e a tevê foram se tornando sinônimos; um virou extensão do outro — e ambos são mera distração.
Nenhuma renovação virá daí.
Goiânia, não o Estado de Goiás, estranhamente Goiânia, sofre de um complexo que nem nome tem, mas é uma faceta do colonialismo tolo que significa que o que vem de fora é que é bom. Chega ao extremo de anunciarem que um show, por exemplo, está chegando aqui com um grande sucesso de anos no Rio ou São Paulo como isca pra atrair público. A mensagem é: se foi sucesso lá é claro que é bom. Mas onde o lixo cultural faz mais sucesso é justamente nesses lugares; ainda assim, não é um aval de qualidade ter sido sucesso nesse eixo. Equivocam-se por colonialismo, subserviência. O pior é que a maioria do público que consome arte e cultura acredita nesta inferioridade da arte goiana. Bom é o que vem de fora, o que não é daqui. Bobagens propagadas como verdade.
O que pode enriquecer culturalmente um país é o teatro feito por gente jovem, curiosa, ainda sem o compromisso da cara marcada pela tevê; é o teatro da espontaneidade, da diversidade. Em todas as cidades do Brasil existem pessoas assim — ávidas por fazer arte. É a essas que eu quero ensinar o que aprendi e com elas é que eu quero continuar aprendendo e criando.
Tudo o que crio é imaginando que posso ajudar o espectador a ativar sua cabeça, seus neurônios. E só crio sobre coisas que me emocionam, esperando que o público também se sinta emocionado com a obra que levo ao palco. Penso que a arte não é para distrair, acalmar, mas inquietar e levar as pessoas a refletir sobre a vida, a beleza, a verdade… Essas coisas que, a cada dia, ficam mais distantes da geração de jovens e a geração que os antecedeu. Pois, no mundo de hoje, quase tudo é mediocridade.
O encantar: Penso que o bom diretor de teatro é o que consegue harmonizar o trabalho de vários criadores, como atores, cenógrafo, figurinista, músicos, coreógrafo. Afinal, cada artista tem sua própria personalidade, suas concepções estéticas, suas diferenças; e o espetáculo precisa ter unidade. O diretor precisa ser hábil para absorver e harmonizar tantas diferenças e concepções, sem perder o fio da sua própria concepção.
O melhor teatro é aquele em que a alma do artista está empenhada em cena. No teatro posso identificar, e o público também, se quem está no palco é um artista ou um mero “entulhador-de-palco”. Essa diferença é brutal, às vezes.
O que me interessa e me encanta no teatro é que ele é a arte primitiva milenar, artesanal que se dá ao luxo de dispensar todo aparato de modernidades, com seus recursos modernos e, ainda assim, ser bom teatro. Pois, teatro é um ator e um espectador; estabelece-se só nesta relação entre os dois. Tudo o mais é dispensável. Claro que é muito bom quando as outras artes sobem juntas ao palco: a música e a arte plástica, por exemplo, enriquecem o espetáculo; mas não são a alma dele, pois o mistério do seu encantamento é que sua natureza pode interferir e é capaz de modificar a maneira de se ver o mundo. O escritor Thomas Mann considerava que eram curativas as histórias dos homens contadas por outros homens. É isso o teatro. Simples assim.
Se for um espetáculo sem as idiotices que costumam se infiltrar nele, como a vaidade excessiva, o oportunismo, as histórias plenas de vazio existencial, aí mesmo é que é bom.
O teatro-artesanato é aquele em que a tecnologia ainda não tinha se infiltrado nele. A palavra, as ideias, a luz que ressalta os planos, as cores e a magia das boas estórias contadas pelos atores. “Cara-de-Bronze” cabe perfeitamente dentro desta perspectiva da arte que me encanta e me interessa. Bela, profunda, mas simples, inteligente e poética.