Porta-voz da humanidade contemporânea, a brasileira merece o reconhecimento; para vencer, porém, terá que lutar contra a supremacia masculina e eurocêntrica de uma disputa que só reconheceu 14 mulheres em 115 anos

Reverenciada por escritores como Clarice Lispector e José Saramago, Lygia Fagundes Telles é a primeira brasileira a ser indicada ao Nobel em 30 anos
Reverenciada por escritores como Clarice Lispector e José Saramago, Lygia Fagundes Telles é a primeira brasileira a ser indicada ao Nobel em 30 anos

“Desejo passar através das
minhas personagens esta vontade
de vida, de paixão. De luta.” — Lygia Fagundes Telles

Kélio Junior Santana Borges
Especial para o Jornal Opção

Lygia Fagundes Telles nasceu em São Paulo, no início do século 20. Pu­bli­cou seu primeiro livro aos 15 anos e, aos 92, está na lista de indicados ao Prêmio Nobel de Literatura 2016. Em mais de 70 anos dedicados ao ofício da escrita, ela se tornou um dos maiores nomes da literatura nacional. Dona de uma obra com valor inquestionável, a escritora tem, com a atual indicação ao Nobel, a chance de receber reconhecimento mundial pelo seu trabalho; reconhecimento este que, no Brasil e em outros países, já é realidade há muitos anos.

Só aqueles que entraram em contato com a escrita de Lygia podem testemunhar a força de suas palavras. Suas personagens, suas tramas e a profundidade do estudo que ela promove da alma humana são arrebatadoras e apaixonantes. Sua obra já foi elogiada por outros grandes escritores da literatura, inclusive da literatura internacional, os quais também se renderam à escrita elegante dessa mulher. Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Caio Fernando Abreu, José J. Veiga e, inclusive, José Saramago já expuseram opiniões importantes e fizeram parte do público de admiradores da obra de Lygia.

Para Clarice Lispector, Lygia era uma das maiores escritoras do país, “inclusive entre os homens”
Para Clarice Lispector, Lygia era uma das maiores escritoras do país, “inclusive entre os homens”

Ao falar sobre a amiga, Clarice foi bastante criteriosa afirmando que Lygia seria uma das maiores escritoras de contos do país; “inclusive entre os homens”, enfatizava ela. O goiano J. Veiga foi outro nome de peso a escrever sobre o magistral domínio da técnica narrativa desempenhado pela escritora. Mas foi abordando o material de escrita dela, que ele expõe uma opinião digna de ser exposta, graças a sua poeticidade e beleza:

“De que tratam os contos de Lygia Fagundes Telles? Ora, do que acontece ao redor dela e ao redor de nós e também do nosso interior, claro. Em suma, tratam dos ‘naturais tormentos dos quais a condição humana é herdeira’, como já descobrira ou suspeitara o príncipe da Dinamarca. E o que foi que viu ao seu redor, ou ao redor de sua mente ou dentro dela e que disparou o mecanismo lygiano da criação? Obvia­mente o que a sua inteligência e a sua sensibilidade focalizaram em dado momento — instantes, lampejos, sementes, pensamentos, lembranças”.

Saramago foi outro reconhecido autor que admirava a obra lygiana e, no “Guia Conciso de Au­tores Brasileiros”, ele deixa bem clara sua ad­miração:

“Recentemente estava eu a folhear alguns livros de Lygia Fagundes Telles que desde há muito me acompanham na vida, a afagar com os olhos páginas tantas vezes soberbas. Releio-os uma vez mais, palavra a palavra, sílaba a sílaba, saboreando ao de leve a pungente amargura daquele mel”.

Além destas, outras palavras de Saramago, dirigidas à obra lygiana, se tornaram famosas; tratam-se daquelas sobre o conto “Pomba enamorada ou uma estória de amor” que, de acordo com o escritor, seria uma das melhores narrativas já escritas em Língua Portuguesa.

Não menos importantes e nem menos elogiosas são as palavras de Drummond, que assim se manifesta ao se dirigir à própria escritora, depois de ler os originais de seu primeiro romance “Ciranda de pedra”:

José Saramago, sobre os livros de Lygia: "Releio-os uma vez mais, palavra a palavra, saboreando"
José Saramago, sobre os livros de Lygia: “Releio-os uma vez mais, palavra a palavra, saboreando”

“Você compôs um livro perturbador, que nos prende e nos assusta, que nos faz sofrer e ao mesmo tempo nos oferece o remédio compensador da própria arte, pois a força da criação resolve num plano mágico os conflitos que ela mesma suscita”.

Ao citar palavras de importantes escritores sobre Lygia, não faço isso tentando evitar dizer as minhas próprias. Tenho apenas o objetivo de explicitar que aquilo que direi no decorrer dessas linhas sobre ela não significa nada novo, não traz novidade ao público. Minhas palavras apenas ratificam o que grandes personalidades da escrita já expuseram e o que uma lista imensa de trabalhos críticos e acadêmicos também explorou. Por isso, não se deve ver a indicação de Lygia ao Nobel com surpresa, como se fosse algo inesperado. Ora, na realidade, devemos entender como uma forma de consagrar uma cultura que há muito possui grandes escritores, mas que ainda não deu a eles visibilidade internacional merecida.

Apesar de sua importância, há quem não conheça essa primeira mulher escritora indicada ao Nobel; façamos, então, uma apresentação dela e de sua produção.

Uma vida dedicada à escrita

Filha de Durval de Azevedo Fagundes e Maria do Rosário Silva Jardim de Moura, Lygia Fagundes nasceu em 19 de abril de 1923, em São Paulo, capital. Graças à profissão do pai, que era delegado e promotor público, a menina Lygia não teria sua infância centrada naquela cidade grande. Cresceu entre uma cidade e outra, municípios pequenos do interior, com costumes e tradições que marcaram seu universo criativo — aspecto que melhor exploraremos mais adiante.

Em 1938, de volta a sua terra natal, com apenas 15 anos, ela lança seu primeiro trabalho; um livro de contos chamado “Porão e sobrado”. A publicação da obra foi paga pelo pai da iniciante escritora. É bem nítida a influência de Durval na carreira da filha. Além do incentivo e apoio, sua filha aprenderia com ele concepções e posturas diante do mundo que a acompanhariam por toda a vida. Em um texto publicado pela revista “Carta Capital” (2005), ao criticar a preferência que os leitores brasileiros têm pela literatura estrangeira, Lygia diz:

“Ainda assim, a cega esperança que herdei de meu pai, ele era um jogador que arriscava na roleta. Eu jogo na palavra. Luta sem parceiros e sem testemunhas, uma luta dura. Perdi? Mas amanhã a gente ganha — dizia meu pai, apalpando os bolsos esvaziados. Apalpo os bolsos transbordantes de palavras. Les jeux sont faits! (As apostas estão feitas!) — avisa o homem pálido recolhendo as fichas. Ainda não, respondo depressa. E prossigo na minha busca que é feliz porque cumpro a vocação que é a minha paixão”.

Anos mais tarde, em 1940, Lygia ingressou na Escola Superior de Educação Física e, em 1941, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Até 1946, ela já teria terminado os dois cursos superiores e, neste ínterim, também teria lançado seu segundo livro, o intitulado “Praia viva”, de 1944. Ao contrário do pai, sua mãe, Maria do Rosário, não via com tão bons olhos o caráter aventureiro da filha, que, além de buscar ser escritora, se aventurou em cursos na época ainda predominantemente “masculinos”.

José J. Veiga e Carlos Drummond de Andrade: admiradores do trabalho da brasileira para a literatura
José J. Veiga e Carlos Drummond de Andrade: admiradores do trabalho da brasileira para a literatura

Seu terceiro livro foi lançado em 1949; o chamado “O cacto vermelho”. Ainda que essas obras tenham sido de grande importância para o início de sua carreira, mais tarde, todas elas seriam renegadas pela escritora. Em entrevista à revista “Marie Claire” (2005), Lygia diz que seus primeiros textos não resistiram à sua autocrítica, por isso proibiu a republicação de todos pertencentes a esta fase inicial. Quando questionada por que motivo tomou tal decisão, ela responde de forma precisa: “Porque as pessoas já não leem muito hoje em dia e é importante não desperdiçar a chance da leitura com livros que não valem a pena. Prefiro relançar o que pude fazer de melhor, é isso o que quero passar para os leitores”.

Insistente e persistente, a jovem escritora iniciou um novo projeto. Em vez de contos, se dedicou à escrita de um romance; infelizmente, o livro que mais tarde seria tão reconhecido, não foi comemorado pelo seu maior admirador, o pai. Durval faleceu em 1945 e Maria do Rosário morreria poucos anos depois, em 1953.

A escritora se casou, em 1950, com o jurista Goffredo da Silva Telles, tornando-se Lygia Fagundes Telles, nome com que assinou todos os seus livros daí em diante. O primeiro deles foi o então romance não conhecido pelo pai, mas que veio ao público no mesmo período em que ela dá à luz seu único filho, Goffredo da Silva Telles Neto. “Ciranda de pedra”, muito bem recebido pela crítica e pelos leitores, é publicado em 1954 e, com ele, já definitivamente o nome de Lygia é inscrito no rol de escritores pertencentes ao cânone nacional. Desse momento em diante, o país se rendeu ao talento da escritora.

Dedicada e criteriosa, iniciou uma trajetória impressionante. Até 1960, ano em que se separa de Goffredo, Lygia publicou apenas mais um livro, o de contos “Histórias do desencontro” (1958); no entanto, começou aí um ritmo intenso de produção que, até 1980, se dividiu entre conto e romance. Depois dessa data, outra estrutura começou a ser explorada por Lygia, trata-se de memórias, gênero também trabalhado com grande êxito e originalidade por ela.

Três anos depois de sua separação, Lygia começou um novo relacionamento com Paulo Emílio Salles Gomes — historiador, crítico de cinema e militante político —, com quem, em 1967, fez uma adaptação para o cinema da obra “D. Casmurro”. Seu segundo relacionamento foi, aos olhos de todos, marcado por uma cumplicidade que, infelizmente, acabou sendo interrompida em 1977, com a morte de Paulo Emílio. Entre uma perda e outra, a artista se manteve fiel à escrita. A constante presença da morte na vida pessoal acabou sendo projetada nos textos da escritora; tão real ela se faz que chega a ser personificada, tornando-se mesmo uma personagem como acontece no conto “A mão no ombro”. Em 2006, período em que já se dedicava à escrita de suas memórias, é que lhe ocorre a perda promotora de maior abalo, falece seu filho Goffredo Neto.

Além do aclamado “Ciranda de pedra”, a romancista escreveu ainda “Verão no aquário” (1963), “As meninas” (1973) e o indescritível “As horas nuas” (1989). Como contista, publicou os seguintes títulos: “Histórias escolhidas” (1961), “O jardim selvagem” (1965), “Antes do baile verde” (1970), “Seminário dos ratos” (1977), “Filhos pródigos” (1978), “A estrutura da bolha de sabão” (1991) e “A noite escura e mais eu” (1995).

Iniciado em 1980, o ciclo de memórias escrito por Lygia é composto por quatro títulos: “A disciplina do amor” (1980), “Invenção e memória” (2000), “Durante aquele estranho chá” (2002) e “Conspiração de nuvens” (2007). Ainda que recebam o título de memórias, o tecido textual desses livros não é uniforme e podemos encontrar neles desde simples comentários a crônicas marcadas por uma subjetividade cheia de biografismos ou mesmo narrativas contísticas puras, como é o caso do texto “História de passarinho”, presente em “Invenção e memória”. Seus livros se encontram hoje publicados pela editora Companhia das Letras, casa editorial que se encarregou de dar um novo formato às publicações da autora.

Ao contrário do que ocorre com muitos escritores que, no auge de sua juventude, geram sua melhor safra e depois vão perdendo em vigor e em criatividade, Lygia conseguiu manter equilíbrio em todo seu trabalho. Seja nos romances ou nos contos, o que se vê é que ela foi cada vez mais longe na abordagem das tensões e conflitos que marcam a essência do indivíduo contemporâneo. E é esse indivíduo contemporâneo que encontramos também em suas memórias; ao relembrar, reviver e registrar sua vida, tendo a si como referência, ela se ficcionaliza, tornando-se também resultado de sua criação. O que ela testemunha ter visto é o que o homem do século 20 vivenciou; como arauto, Lygia se torna a porta-voz de uma época.

A literatura brasileira e o Nobel

Em 2016, onze anos após receber o Prêmio Camões — a maior premiação literária da Língua Portuguesa —, a escritora Lygia Fagundes Telles é indicada ao Prêmio Nobel de Literatura, a mais conhecida, reconhecida e, muitas vezes, questionada premiação literária mundial. Como o objetivo deste texto é celebrar a indicação de Lygia, não serão nem mesmo tangenciadas as mais comuns críticas relacionadas à seleção e entrega do Nobel, apenas serão expostas informações e curiosidades dele e de nossos escritores.

Desde 1901, o Nobel é entregue anualmente pela Academia Sueca. De lá para cá, vem dividindo opiniões, principalmente, quanto aos critérios usados tanto para a indicação quanto para a seleção dos vencedores. Mais do que preceitos estéticos literários, aspectos políticos e ideológicos tendem a influenciar, ou mesmo, a determinar quem recebe o prêmio. Isso pode explicar o fato de existirem duas distintas listas de escritores: uma de grandes nomes lembrados e reconhecidos (como Thomas Mann, Pablo Neruda, Gabriel García Marques, José Saramago e Mario Vargas Llosa); outra de grandes nomes esquecidos ou ignorados (dentre os quais figuram Marcel Proust, Franz Kafka, James Joyce, Júlio Cortázar, Leon Tolstoi, Émile Zola e Jorge Luis Borges, sendo este último um dos casos mais polêmicos).

Apesar de poder ser concedido a um escritor de qualquer nacionalidade, desde que esse possua uma obra literária de destaque, é muito marcante a recorrência de vencedores pertencentes ao pequeno círculo de países europeus e de alguns norte-americanos. Há algumas exceções, claro. Vizinhos nossos, como a Argentina e o Chile, por exemplo, mais de uma vez, receberam o prêmio, dando visibilidade à produção sul-americana, especialmente à de Língua Espanhola. Entretanto, ao Brasil, infelizmente, ainda não ocorreu tal reconhecimento. Por isso, a indicação de Lygia ao Nobel de 2016 deve ser celebrada; é mais uma chance de nossas letras se fazerem notadas e reconhecidas por olhares tão centrados na escrita eurocêntrica.

Não é a primeira vez que um escritor brasileiro é indicado ao Nobel. Na realidade, tivemos a chance de receber o prêmio em outras oportunidades. No entanto, as mais curiosas ou infelizes situações nos privaram de conquistá-lo.

O poeta alagoano Jorge de Lima (1893-1953) foi o primeiro a despertar a atenção dos olhos da Academia Sueca para a literatura do Brasil. Durante quase uma década, seu nome constava da lista daqueles que seriam agraciados com Nobel; mas, diante da urgência de premiar escritores de outras nacionalidades e de idiomas mais representativos, o pior aconteceu. Tratava-se de uma certeza o recebimento do título em 1958, mas a morte lhe veio cinco anos antes, em 1953.

Em 1967, coube a Carlos Drummond de Andrade despertar nossas expectativas. Sua obra já vinha sendo cogitada como favorita. No entanto, foi o próprio escritor quem recusou a ser indicado. Avesso a premiações, o mineiro de Itabira se negou a pertencer ao rol de escritores engrandecidos pelo Nobel.

Entre 1970 e 1980, o nome do baiano Jorge Amado inúmeras vezes fez parte da lista dos indicados. Naquele momento, a fama nacional e internacional do escritor não foi suficiente para inscrevê-lo na longa lista de vencedores e, como aconteceu com Lima, a morte lhe chegou antes do prêmio.

Mais de 30 anos depois da última indicação brasileira, o nome de Lygia é divulgado logo no início de 2016 como um dos indicados à disputa. Ela é a primeira mulher brasileira a competir na categoria literária. Em seus 115 anos, o Nobel foi entregue a 14 escritoras; o primeiro deles em 1909 para a sueca Selma Ottilia Lovisa Lagerlöf e o último no ano passado para a cronista bielorrussa Svetlana Alexievich.

Percebe-se então que, além de eurocêntrica, a lista de premiados também é marcada pela supremacia da presença masculina. Neste caso, Lygia, como “mulher” e “brasileira”, caminha contra a tendenciosa corrente na disputa pelo prêmio; suas falas demonstram consciência total desta realidade:

“Como eu digo no texto sobre o meu processo criativo, sou uma escritora do Terceiro Mundo, uma escritora engajada nos horrores das diferenças sociais, uma escritora num país de miseráveis e analfabetos… Aqui, os que sabem ler, não leem. Os que compram livros também não leem”.

Não só o contexto socioeconômico de nosso país influencia de forma negativa a projeção de nossos escritores; mais do que isso, a própria relação de nosso povo com a leitura e com o conhecimento é problemática, fazendo com que nossa produção literária seja eclipsada, o que leva nossos escritores a serem quase que completamente esquecidos ou ignorados e, junto com eles, a nossa língua — situação sobre a qual também lamenta Lygia:

“Fala-se muito em prêmios. Ora, os prêmios… Escrevemos numa língua desconhecida. Desprestigiada. Não somos lidos nem na América Latina, quem nos conhece na Venezuela? No Chile? Na Colômbia? (…) Participei em Cáli de um encontro da nova narrativa sul-americana, fui para falar do meu trabalho. E acabei informando ao público de escritores sul-americanos que a nossa língua era o português. Português? Sim, português com estilo brasileiro”.

Se há um traço de ceticismo na fala da escritora, não é por ausência de reconhecimento obtido através de premiações, mas por uma condição inquietante em que se encontra escritor e obra na contemporaneidade, especialmente, no Brasil, onde escrever se tornou “um ato de coragem”, como Lygia mesma já disse e completa:

“O livro se tornou um artigo de luxo. Porque a vida se tornou um artigo de luxo”.

Ainda que a situação seja pouco satisfatória, a aura de escritora impulsiona Lygia a continuar. Movida pela esperança, sentimento que a seu ver é a força motriz do indivíduo que escreve, a autora se mantém firme em sua sina fatídica de artista:

“Um ofício sem esperança? Seja. Mas o escritor, esse precisa esperar. Precisa acreditar. Escrever é um ato de amor que envolve o leitor, que o compromete. Se o autor está oco ou desesperado, não vai conseguir a cumplicidade do seu próximo. Fará um trabalho esvaziado, morno. ‘Deus vomitará os mortos’. Nesse vômito o escritor não pode estar, pelo menos na hora da criação”.

Foi escrevendo com esta consciência que Lygia produziu uma obra de orgulho para as letras brasileiras. Independente de qualquer premiação, seus escritos são um patrimônio da cultura e da Língua Brasileira. Sua indicação ao Nobel não pode ser considerada um reconhecimento à escritora, pois entre nós, brasileiros, sua consagração há muito já se realizou. Disputa-lo é, na realidade, uma chance de tornar visível uma literatura que não só em Lygia se faz digna de ser premiada, mas que durante muito tempo foi ignorada, privando as vozes brasileiras de ecoarem para além dos limites tupiniquins.

O Nobel não é concedido ao autor do ano, nem ao mais lido. O seu objetivo real é homenagear o conjunto da obra de um grande escritor. Tende-se a considerar sua relevância dentro de um determinado contexto sociocultural. Nos últimos anos, têm sido escolhidas aquelas produções que trazem em seu bojo uma marca de engajamento social, sendo sobremaneira marcadas por discursos e ideologias políticas — posicionamento muito valorizado por uma vertente da crítica literária atual.

Ao primeiro contato, a ficção de Lygia não se apresenta tão ao gosto dos acadêmicos suecos, pelo fato de não estar evidente nela o seu teor de literatura politicamente engajada. Entretanto, na próxima edição (Jornal Opção, 2026), buscarei expor como tal visão pode ser equivocada, já que é facilmente rastreado no discurso da autora o mais significativo dos engajamentos, aquele que não se faz centrado em defesa de raças, credos ou discursos, mas na tematização da essência da condição humana.

Kelio Junior Santana Borges é doutorando em Letras pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e professor do Instituto Federal de Goiás (IFG).

* Na próxima edição, o Jornal Opção publica a segunda parte do artigo que desvenda um dos maiores nomes da literatura brasileira.