Livro de memórias de Álvaro Catelan mostra que uma vida sem reflexão não vale a pena

29 outubro 2023 às 00h01


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Salatiel Soares Correia
Conheço o professor Álvaro Catelan há quase cinquenta anos, desde 1975, quando ele já era o mais famoso professor do curso de Vestibular Carlos Chagas. Fui seu aluno e logo me tornei seu amigo.
Para escrever esse depoimento necessitei atar as pontas da vida dele, que eu não conhecia, com aquela que acompanhei, aqui em Goiânia, quando ele se notabilizou como um verdadeiro agitador cultural.
Do túnel do tempo, chegamos à década de 1950-1960, na rica cidade de São José do Rio Preto, no Estado de São Paulo. Lá, o menino Catelan conheceu a independência de viver a liberdade da vida rural. Da fazenda para a vida em São José do Rio Preto, Álvaro Catelan, já adolescente, interessou-se pela literatura. Sedimentou sua sólida bagagem cultural lendo clássicos da literatura nacional e internacional.
Influenciado, no ginásio, por um professor de Língua Portuguesa, ele entrou no universo poético de poetas como Manuel Bandeira e Cecilia Meireles.
Naquela São José do Rio Preto dos anos 60, esse Filho da Terra assistiu às principais peças teatrais que iam de São Paulo para se apresentar no Teatro da Cidade.
A inquietude intelectual tornou-se uma constante na vida desse paulista. Prova disso são as peças teatrais, por ele encenadas, em Nova Aliança (SP), incluído o difícil monólogo “As Mãos de Eurídice”, de Pedro Bloch. Ainda em Rio Preto, Catelan começou seus primeiros flertes com o rádio. A partir daí ele começou a escrever a história de vida dele entre nós.
Na capital de Goiás, este paulista de nascimento, mas goiano de coração, pôde exercer toda a pluralidade, que se tornou sua vida profissional, da literatura para o jornalismo, o teatro, o rádio e a televisão, enfim. No início dos anos 1970, quando o conheci, esse professor do Carlos Chagas já angariava o respeito da sociedade goiana.


A trajetória de Álvaro Catelan transcendeu os limites do apenas professor, do apenas proprietário do Colégio Dinâmico. Sua fome de cultura levou-o a explorar outras dimensões culturais, haja vista o mais importante programa televisivo de literatura, em Goiás, o UBE Cultural, e lá estava ele. Ele também estava lá fazendo parte de júris de festivais, devidamente, acompanhado de talentos como: Belchior e Ivan Lins.
Na seara política, Catelan serviu, sem ser um político profissional, com competência e honestidade. Ele foi presidente da Fundação Cultural de Goiás, além de um revolucionário diretor da rádio de um dos mais famosos resorts do Brasil: a Pousada do Rio Quente. O sucesso administrativo, na direção da rádio, credenciou-o a receber o convite para ser secretário de Turismo de Caldas Novas.
Existem vários Álvaros Catelans dentro de um só: o educador, o empresário, o político e o agitador cultural. Mas, sobretudo o amigo leal, o excelente pai de família, o homem de absoluto caráter. A sabedoria desse paulista, de São José do Rio Preto, fez-me enxergar que existiam outras belezas além das equações eletromagnéticas típicas de um engenheiro eletrônico. Catelan mostrou-me a beleza num poema de Homero, nos contos do escritor argentino Jorge Luis Borges, ou naquela antológica cena contida no primeiro volume do romance “Em Busca do Tempo perdido” — “O Caminho de Swann” —, de Marcelo Proust, em que o personagem toma uma xícara de chá, deliciando um bolo Madeleine e põe-se a lembrar das férias que ele passava na casa de parentes na pequena Combray (em 1971, o lugarejo de Illiers foi rebatizado como Illiers-Combray, numa homenagem ao escritor francês). O educador Álvaro Catelan ensinou-me o que ele sempre praticou em sua rica trajetória de vida: a de que uma vida sem reflexão não merece ser vivida.
(O texto é a apresentação do livro “Travessia na Memória”, de Álvaro Catelan. A obra será lançada em Goiânia no dia 15 de novembro.)