Jarbas Silva Marques

Especial para o Jornal Opção

O jornalista e historiador Dênis de Moraes lançou pela Editora Civilização Brasileira uma edição revista e ampliada do livro “A Esquerda e o golpe de 1964” com novos depoimentos e que marca os 60 anos do golpe civil-militar de 1964.

Dênis de Moraes traz novos depoimentos dos atores sociais, que assumem a responsabilidade das suas ações políticas, no período que antecederam o golpe de Estado e que infringiu cassações de mandatos políticos, prisões, torturas físicas, assassinatos e desaparecimentos de corpos de presos políticos por 21 anos.

Na nova edição, o pesquisador atualiza os acervos da Agência Central de Inteligência dos Estados unidos (CIA) — que comprovam a participação e a preparação do golpe de Estado que destituiu o presidente do Brasil, João Belchior Marques Goulart — bem como os relatórios do Serviço Nacional de Informações (SNI).

Dênis Moraes: jornalista e historiador | Foto: Reprodução

Reformas de base

Dênis Moraes divide seu livro em cinco partes. Na primeira mostra uma conscientização da sociedade brasileira em busca de independência econômica na órbita do imperialismo norte-americano, por meio das lutas pelas reformas de base do Estado nacional brasileiro, propugnando pelas reformas agrária, urbana, universitária, tributária, bancária e eleitoral, que, somadas, tirariam o Brasil do subdesenvolvimento.

Neste tópico ele demonstra a crescente ampliação da conscientização social do povo brasileiro, ampliada pelo período do governo de Juscelino Kubistchek em que a nação, na frase do dramaturgo Nelson Rodrigues, “perdeu o complexo de vira-lata”.

A conscientização política aflorou junto com a efervescência cultural no Brasil na Copa do Mundo, da Bossa Nova, do Cinema Novo e da construção de Brasília, quando Jango Goulart era vice-presidente de Juscelino Kubistchek.

Formas de luta e terror

Na segunda parte, Dênis de Moraes nos dá a oportunidade de conhecer todas as forças sociais reformistas, as ações trabalhistas, os conflitos revisionistas entre a esquerda democrática e os comunistas com o irrealismo de suas forças políticas, pelas ações baluartistas e espontaneístas que abriram espaços para a ação golpista iniciada em 1945, na Itália, quando os Estados Unidos estruturavam a Guerra Fria, cooptando o general Oswaldo Cordeiro de Farias, o tenente-coronel Humberto de Alencar Castelo Branco, para estruturarem no Brasil a Escola Superior de Guerra (ESG) e prepararem o alinhamento das elites civis e militares aos interesses norte-americano.

O regime de terror implantado no Brasil pela ditadura civil-militar em 1964 tem origem da Guerra Fria e da diplomacia atômica pós-Hiroshima e Nagasaki. Depois da deposição de Getúlio Vargas em 1945, ressurge em 1953 com o chamado “Manifesto dos Coronéis” e as “Cartas Brandi”, forjada por Carlos Lacerda, e que obrigaram Getúlio Vargas a demitir João Goulart do Ministério do Trabalho.

Segue-se o suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, que abortou em dez anos o golpe de Estado de 1964.

Neste intercurso os Estados Unidos criaram a Escola das Américas no Panamá e passaram a ministrar cursos de interrogatório e torturas físicas e psicológicas aos militares brasileiros.

A última tentativa “putchista” dos civis e militares brasileiros se deu por ocasião da “opereta bufa” da renúncia de Jânio Quadros, em que a Junta Militar impediu a posse do vice-presidente João Belchior Marques Goulart.

A partir da resistência ao golpe militar liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola, o golpe virou “meio-golpe” com a introdução do Parlamentarismo a fim de diminuir o poder do presidente da República.

A partir daí a Escola Superior de Guerra (ESG) modifica a sua estratégia — para a mobilização de massa e Golbery do Couto e Silva cria a Confederação das Classes Produtoras (Conclap), o Instituto de Pesquisa Social (Ipes) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). O objetivo era promover a organicidade civil e empresarial para o golpe de Estado.

Os militares treinados nos Estados Unidos promovem infiltração de agentes provocadores (vide Cabo Anselmo, da Marinha) e treinadores em torturas passam a ministrar cursos de interrogatório a policiais civis, por meio do FBI americano.

Como o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, já tinha estabelecido Minas Gerais como uma sede do aparato golpista, o agente do FBI Dan Mitrione passa a ministrar cursos de torturas na sede da Polícia Civil mineira, recolhendo mendigos nas ruas de Belo Horizonte como cobaias físicas para as aulas de tortura.

Dan Mitrione, que treinou policiais em técnicas de tortura em toda a América Latina, depois de treinar os policiais mineiros, transferiu-se para Montevidéu. Depois de instrumentar torturas no Uruguai, foi justiçado pelos Tupamaros.

A estruturação da tortura no Brasil teve a participação americana, francesa, inglesa e do Mossad Israelense.

Os americanos introduziram a tortura com animais (cachorro, cobra, jacaré e insetos), os ingleses com as técnicas que usavam contra os irlandeses e a França com choques elétricos e desaparecimentos de corpos dos torturados mortos, bem como as “Casas da Morte” na Argélia.

Depoimentos

Dênis de Moraes nesta edição revisada, trouxe 24 depoimentos que elucidam a derrota sofrida pelos movimentos sociais brasileiros com o golpe militar.

Desses depoimentos, questiono apenas dois: o de Francisco Julião e o de Leonel de Moura Brizola — que não assumiram o baluartismo e espontaneísmo de suas ações, o primeiro com as Ligas Camponesas e o segundo com o “Grupo dos Onze”.

Já os depoimentos de Janio de Freitas e o de Eduardo Chuahy são elucidativos. O primeiro sob a participação da grande imprensa no golpe. O de Eduardo Chuahy sublinha que João Goulart não tinha esquema militar, pois o principal conspirador, Humberto de Alencar Castelo Branco, era o chefe do Estado Maior do Exército, nomeando para posições chaves e comandos de tropas oficiais direitistas.

O livro de Dênis de Moraes é elucidativo para quem deseja conhecer a face mais terrível que aconteceu no Brasil.    

Jarbas Silva Marques é jornalista e historiador. Foi preso político sob a ditadura civil-militar. É colaborador do Jornal Opção.