Salatiel Soares Correia

Especial para o Jornal Opção

A descoberta de xisto de petróleo em território norte-americano foi o fator decisivo para que os Estados Unidos evoluíssem na dinâmica de seu mapa energético. Em um curto espaço de tempo, a meca do capitalismo mundial reverteu sua condição de dependência para se tornar o que hoje é: uma potência exportadora de petróleo.

Antes de analisar o estudo que resultou neste ensaio-resenha, é oportuno fazer o esclarecimento que se segue no sentido de facilitar o entendimento ao maior número de leitores que se disponha a ler e compreender o tema central deste grande livro. Para isso é fundamental que se entenda o que diferencia um sistema “aberto” de outro “fechado”.

Qualquer sistema aberto muda de acordo com a dinâmica imposta a este pelos eventos externos que ocorram. Por sua vez, os chamados sistemas fechados desconsideram mudanças devidas a eventos externos, que pouco influenciam na dinâmica das variáveis internas do sistema. Por essa razão, pouco mudam.

Na segunda situação, o sistema é avaliado de modo estático, desconsiderando a dinâmica dos eventos externos. Nesse contexto, o objeto em análise não é afetado pelas mudanças externas. Já na primeira situação, a realidade do sistema é sempre mutável diante das constantes mudanças externas sobre as quais o objeto em análise não tem controle.

Vejamos um exemplo. Ao considerar o sistema como sendo uma empresa que concorre no mercado, fatores externos a essa empresa (concorrentes, inflação e a evolução tecnológica) são variáveis externas à organização que influenciam nas mudanças dentro empresa. Resultado: o externo influencia no interno pelo fato daquele provocar mudanças na empresa.

Produção de xisto nos Estados Unidos | Foto: Reprodução

À guisa de mais esclarecimento, façamos uso da seguinte analogia considerando duas maneiras de analisar o sistema. Na primeira, o objeto em análise pode ser uma empresa, uma organização sem fins lucrativos ou até mesmo um país. Consideremos, pois, que o sistema em análise seja uma empresa e desta dispomos os balanços e os modelos econômico-financeiros.

O balanço de uma empresa avalia a realidade desta de maneira imutável, tal como uma fotografia, enquanto os modelos econômicos são o filme. Tudo funciona como as figuras de um caleidoscópio, cujas imagens mudam à medida que um operador externo gira um tubo que vai produzindo imagens que se diferenciam entre si. A avaliação da obra que analisaremos muito se assemelha com as figuras de um caleidoscópio. Dito de outro modo, na análise estática desconsidera-se o fator tempo; na análise dinâmica, o fator tempo é considerado pelo fato de o sistema (ou mapa) trabalhar com as contínuas mudanças do mapa.

Toda essa discussão em torno do conceito de sistema se justifica pelo fato de o autor identificar o desenvolvimento energético dos países como fator de transformação da geopolítica do poder que equilibra a delicada relação entre dominantes e dominados. Portanto, o conceito de mapas energéticos, constantemente citado no texto em análise, é equivalente ao conceito de sistema aberto condicionado às contínuas mudanças do ambiente externo, sobre as quais esse sistema não tem controle. Especificamente, na obra em exame o sistema pode ser entendido pela maneira como se relaciona o desenvolvimento energético de um país ante a geopolítica do poder mundial, altamente influenciável pelo poder de energias como o petróleo e o gás natural.

Daniel Yergin, doutor por Cambridge, ganhou o Prêmio Pulitzer | Foto: Reprodução

Posto isso, passemos a avaliar o livro sensação do momento: “O Novo Mapa — Energia, Clima e o Conflito entre Nações” (Bookman, 544 páginas), de autoria do ganhador do prestigioso Prêmio Pulitzer Daniel Yergin.

O grande mérito dos escritos de Daniel Yergin — doutor por Cambridge — atrela-se ao fato de ele estabelecer um consistente método analítico capaz de avaliar as transformações que vêm ocorrendo no mapa energético global e o que disso resulta: mudanças na geopolítica e no setor energético de vários países. No entender do autor, “não há um mapa simples a ser seguido, pois ele é dinâmico e muda constantemente”.

Vale ressaltar que a pandemia complicou ainda mais o mapa dos países ante a crise econômica, que destruiu milhões de empregos pelo mundo afora.

Um bom exemplo que torna os escritos de Daniel Yergin instigantes se relaciona ao fato de os Estados Unidos mudarem a condição de importador para exportador de petróleo. Isso foi possível graças às enormes reservas de xisto descobertas no território americano. Daí nasceu um típico problema geopolítico envolvendo grandes potências mundiais como a China e a Rússia. Como se isso não bastasse, inserem-se, nesse mapa energético mundial, a força política dos ambientalistas, que se articulam para combater os problemas ambientais no processo de produção do xisto.

Ante o acima exposto, creio que estamos aptos a responder à seguinte indagação: quais são os objetivos que essa obra pretende atingir? Eis a resposta: entender o novo mapa dos principais países produtores de petróleo perante as constantes mudanças do ambiente externo.

Além disso, a obra de Daniel Yergin procura investigar o quanto a descoberta do xisto influenciou o posicionamento dos Estados Unidos em relação ao resto do mundo.  Se estamos hoje assistindo a uma nova guerra fria, tendo os norte-americanos de um lado e, do outro, a Rússia e a China, neste contexto, é inegável a importância estratégica e geopolítica da energia entendida como um vetor básico do desenvolvimento.

É oportuno relatar que a resenha tem a intenção de evidenciar uma visão panorâmica para que o leitor possa entender o todo contido no livro. É sempre bom lembrar que optamos por uma narrativa sem tecer detalhes avaliados com competência pelo autor. Portanto, se o livro lhe despertar interesse, aconselho que o adquira e enfrente suas 544 páginas.

Entendidas questões metodológicas e os objetivos dos escritos de Daniel Yergin, convido o leitor para, juntos, mergulharmos na realidade dos principais países que têm relevante importância geopolítica envolvendo a complexa questão da energia como um insumo do desenvolvimento. Comecemos pelo mapa dos Estados Unidos.

Mapa dos Estados Unidos   

Se há uma energia que provoca sérios problemas de geopolítica essa energia é o petróleo. Não são poucos os autores que previram o fim das reservas mundiais desse ouro negro. A justificativa dos estudiosos que defendiam essa visão apresentava como argumento o fato de o petróleo ser uma energia não renovável. Por essa razão é necessário, durante o processo produtivo, perfurar cada vez mais em profundidade o solo, porém encontrando reservas progressivamente menores desse bem energético. Para esses visionários, não estaríamos distantes de um mundo sem o petróleo.

Outros autores chegam a radicalizar suas opiniões em torno do petróleo, considerando-o uma maldição, em países subdesenvolvidos, ante os vultosos royalties pagos a governos corruptos que se enriqueciam às custas da bilionária indústria petrolífera.

Não se pode deixar de considerar as tensões ocorridas em uma região tradicionalmente rica em petróleo, como é o Oriente Médio. Neste, a Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) fortaleceu-se para assim impor seus preços aos países dependentes dessa energia. E, nesse contexto, a nação mais rica e influente do mundo, os Estados Unidos, estaria condenada a ser uma nação poderosa, mas dependente da importação de petróleo. 

O livro de Daniel Yergin, todavia, vai de encontro a todos os profetas do apocalipse e seus discursos pessimistas, pois aponta um acontecimento que fez de um país importador se alçar à condição de exportador de petróleo. O acontecimento que proporcionou isso foi a descoberta de enormes jazidas de óleo de xisto.

A respeito desse assunto, o pesquisador relata: “Os Estados Unidos ultrapassaram a Rússia e a Arábia Saudita, tornaram-se o produtor número um do mundo de petróleo e gás natural e hoje são principais exportadores de ambos”.

Cabe ressaltar as consequências desse acontecimento para a geopolítica mundial envolvendo produtores como a poderosa Rússia. Os acenos do presidente Vladimir Putin para a China é um sinal mais que evidente de que essa notável descoberta norte-americana contribuirá para o surgimento de uma nova ordem mundial no sentido de manter o equilíbrio no seleto grupo de produtores de energias de fundamental importância para o mundo moderno.

De acordo com o autor californiano, a revolução do xisto “alimentou o crescimento econômico dos Estados Unidos, fortaleceu sua posição no comércio internacional, gerou investimentos, criou empregos e reduziu as contas de milhões de consumidores”.

Assim como a descoberta do xisto foi decisiva para a súbita mudança de patamar dos Estados Unidos no jogo da geopolítica mundial, um subproduto desse energético, o gás natural, foi decisivo para consolidar o país na invejável condição de exportador de petróleo.

Sobre esse assunto, o autor relata que, até então, a crença exposta nos principais livros do curso de Engenharia de Petróleo relatava que era impossível extrair gás do xisto denso de uma forma comercialmente viável.

Um brilhante engenheiro da Universidade do Texas, filho de um pastor analfabeto que migrou para os Estados Unidos para escapar da pobreza, recusou essa crença. Para ele, o gás natural poderia, sim, ser extraído do xisto para ser comercialmente explorado.

A descoberta de xisto de petróleo em território norte-americano foi o fator decisivo para que os Estados Unidos evoluíssem na dinâmica de seu mapa energético. Em um curto espaço de tempo, a meca do capitalismo mundial reverteu sua condição de dependência para se tornar o que hoje é: uma potência exportadora de petróleo.

Os reflexos dessa mudança influenciaram dentro e fora do sistema (o mapa energético). No âmbito interno, diz o autor que a descoberta do xisto de petróleo proporcionou a criação de empregos, elevação das cadeias logísticas atingindo praticamente os 50 estados do país.

 No entender dele, do ponto de vista interno, a descoberta do Xisto foi decisiva para que os EUA conquistassem a autossuficiência no que tange ao petróleo. A seu juízo, o xisto “alimentou o crescimento econômico dos Estados Unidos, fortaleceu sua posição no comércio internacional”. No entanto, como não existe ganhos sem perdas, os empreendedores desse ouro negro da economia teriam de enfrentar uma classe articulada e barulhenta com força política para denunciar os impactos causados na natureza pela exploração do xisto de petróleo: a dos ambientalistas.

Sintetizando a dinâmica da relação externa/interna do mapa energético norte-americano, há de se relacionar o quanto a descoberta do xisto refletiu na mudança geopolítica na qual imperava uma tensa relação dos Estados Unidos com os países do Oriente Médio para uma outra realidade, em que o país, do ponto de vista energético, passou a ser autossuficiente. Todavia a dinâmica do balanceamento do jogo de poder adquiria um novo equilíbrio com a entrada de dois novos atores, a Rússia e a China. (Fim da Primeira parte)

Salatiel Soares Correia é engenheiro, administrador de empresas, mestre em Energia pela Unicamp. É autor de oito livros relacionados aos temas Energia, Política e Desenvolvimento Regional. É colaborador do Jornal Opção.