Salatiel Soares Correia

Especial para o Jornal Opção

[Quarta parte da resenha do livro “O Novo Mapa — Energia, Clima e o Conflito Entre Nações” (Bookman, 544 páginas), de Daniel Yergin]

Sempre que me defronto com um texto rico em detalhes como “O Novo Mapa — Energia, Clima e o Conflito Entre Nações”, de Daniel Yergin, um desafio põe-se diante de mim: qual é a melhor maneira de expor a narrativa do autor perante os limites de espaço no jornal?

 No meu caso, procuro adotar uma linha de análise com foco na ideia força que todo livro tem. Nesta obra, o foco dá-se na construção e evolução dos mapas energéticos. Para que a narrativa flua dentro de uma lógica, consideramos a excepcional história dessa turbulenta região como pano de fundo. O que de fato nos interessa é a evolução do mapa energético ante as contínuas mudanças de realidade.

Ao proceder dessa forma, penso analisar as partes sem perder o sentido do todo. Portanto, quem se preocupa em mergulhar em assuntos que, aqui, avalio suscintamente, a exemplo das guerras do Iraque, Revolução Iraniana, ataque às torres gêmeas, deve enfrentar a leitura deste clássico, que, enquanto clássico, necessita ser sempre revisitado pelo leitor que se interessa por esse barril de pólvora chamado Oriente Médio. Posto isso, vamos em frente.

Saddam Hussein: guerra motivada pelo petróleo | Foto: Reprodução

Se há um lugar no planeta no qual a geopolítica da energia se expressa nas suas várias dimensões histórica, política e geográfica este é o Oriente Médio. Sendo essa uma das regiões mais conflituosas do mundo, onde as fronteiras são constantemente redefinidas, é natural que os mapas (tais como geológicos, de poços de petróleo e gás natural, de rotas de oleodutos e gasodutos e petroleiros) mudem com certa frequência. Do ponto de vista sistêmico, pode-se explicar que as mudanças externas condicionam as mudanças internas.

Inserido nesse contexto da geopolítica da energia, destaca-se o petróleo, que é considerado, no entendimento do autor, como “a commodity estratégica mais importante do mundo”. Ele tem razão em apontar isso, pois, até o presente momento, nenhuma energia mostrou-se tão versátil para consumo como é o caso desse ouro negro chamado petróleo.

As extraordinárias reservas desse energético na região proporcionaram o enriquecimento de uma elite, sim, essa é uma verdade inconteste, tal como é o uso do petróleo para financiamento de guerras como a do Iraque.

No entender do professor Daniel Yergin, líderes como Saddam Hussein são filhos direto do petróleo. Para ele, “a receita do petróleo pagou pela modernização e vasta expansão das forças armadas”.

Livro de Daniel Yergin é uma análise precisa do que está acontecendo no mundo | Foto: Jornal Opção

A Revolução Iraniana que depôs um amigo dos Estados Unidos do poder, o Xá Reza Pahlavi, teve suas fontes de financiamento oriundas da riqueza gerada pelo petróleo. A discussão desse assunto ocupa mais de cem páginas do livro. Debater sobre esses conflitos em detalhes foge ao foco estabelecido pelo autor desta resenha-ensaio. Por essa razão, volto a tratar de assuntos relativos aos mapas da região.

A queda do Império Otomano representou o fim de longo ciclo de 600 anos e o surgimento de países árabes como a Síria e o Iraque. Ante essa nova realidade, um novo arranjo geopolítico redefiniu os espaços territoriais da região, e, a partir disso, a França e a Inglaterra passaram a influenciar na mudança do mapa antigo para um novo, considerando as zonas sob a influência inglesa e francesa. O antigo Império Otomano foi segmentado em vários Estados-Nação. Desse modo, surgiu um novo mapa redefinindo as zonas de influência que seriam divididas entre as nações vencedoras: a França, Inglaterra e o império russo.

A dinâmica das crises do petróleo ocorridas a partir dos anos de 1970 tiveram influências diretas na modificação dos mapas da região. Ciente disso, achei que a melhor maneira de o leitor perceber essas transformações seria descrevendo, de modo contínuo, o desenrolar dessas crises externas e como essas influenciaram nas mudanças internas. Isso é possível de se fazer pelo fato de este escriba considerar o mapa como um sistema aberto, influenciável pelas mudanças externas a ele.

Daniel Yergin: um dos principais estudiosos sobre energia do planeta | Foto: Reprodução

Ressalta-se que avaliaremos, sucintamente, as três grandes crises do petróleo pelo fato de representarem uma época cujos conflitos e tensões típicas da Guerra Fria revelam o contexto geopolítico que foi propício aos acontecimentos em tela. Estamos cientes de que uma região tão turbulenta como o Oriente Médio é uma verdadeira usina de conflitos. Entretanto sabemos, também, que as três crises descritas ajudarão a entender a nova dinâmica de fatos que delineia o mapa de um mundo que se globaliza cada vez mais. Feitas essas considerações, vamos em frente.

A crises do petróleo de 1973 e 1979, entendidas de forma sistêmica, resultam do temor que os países produtores tinham de que esse energético se extinguisse. Considerando ser o petróleo uma energia não renovável, chegará um dia que sua última gota será extraída das profundezas da terra. Os países produtores de petróleo estão conscientes dessa realidade, e por essa razão que a, então poderosa, OPEP elevou demasiadamente o preço do barril de petróleo, que passou de 2,9 para 11,65 dólares, em apenas três meses. Há de se ressaltar que, no auge dessa crise, compreendida do final de 1973 ao início de 1974, o preço do petróleo aumentou cerca de 400%.

O segundo choque do petróleo ocorreu devido à significativa diminuição da sua produção em um contexto em que o Oriente Médio acabava de sair de um de seus mais expressivos conflitos regionais: a Guerra Irã-Iraque. Nessa conjuntura, não restam dúvidas de que o fator geopolítico, a Revolução Iraniana do Aiatolá Khomeini, foi o fator geopolítico que elevou a temperatura política que se materializou em guerra.

Creio que a guerra entre dois dos maiores produtores de petróleo desencadeou um novo conflito motivado pelo desejo de o Iraque anexar o Kuwait ao seu território, a escassez de petróleo deve-se ao fechamento do Golfo Pérsico. A raiz dessa crise pode ser atribuída ao fato de o Iraque e o Kuwait deixarem de produzir petróleo.

Salatiel Soares Correia é engenheiro, administrador de empresas, mestre em Energia pela Unicamp. É autor de oito livros relacionados aos temas Energia, Política e Desenvolvimento Regional. É colaborador do Jornal Opção.