Livro de Daniel Yergin: energia, clima e a geologia nos tempos da globalização: Mapa do futuro (V)
30 julho 2023 às 00h01
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Salatiel Soares Correia
Especial para o Jornal Opção
[Quinta e última parte da resenha do livro “O Novo Mapa — Energia, Clima e o Conflito Entre Nações” (Bookman, 544 páginas), de Daniel Yergin]
Algo de muito importante aconteceu em um luxuoso restaurante de frutos do mar, em Los Angeles. Lá, dois brilhantes engenheiros apresentavam os seus projetos para o homem mais rico do mundo, o sul-africano Elon Musk.
O primeiro projeto de autoria do engenheiro Harold Rosen propunha a criação do avião elétrico. Musk, um empresário de visão, olhou para o autor do projeto e disse, com a franqueza que lhe é peculiar: “Não vai funcionar. Tenho zero interesse”. Falou, com certo desdém.
O segundo projeto de autoria do engenheiro J. B. Straubel entusiasmou o dono da fábrica de automóveis Tesla, que resolveu financiá-lo integramente.
O projeto em questão era o do carro elétrico. Por que o empresário mais rico do mundo aprovou imediatamente o projeto de Straubel e rejeitou o de Rosen?
A resposta deve-se ao fato de Straubel ter apresentado a solução para algo que os entendidos apontavam como fator inibidor da procura por esse tipo de carro: o armazenamento de energia era baixo, impedindo o carro elétrico de rodar grandes distâncias. O problema foi solucionado pela descoberta de algo que resolveria o baixo armazenamento de energia na bateria, e isso impossibilitava o carro elétrico de atingir grandes distâncias: o uso da bateria de lítio, que quadriplica a capacidade de armazenamento de energia em relação às baterias convencionais.
Elon Musk é um homem diferenciado quando se trata de decidir onde aplicar seus bilhões de dólares. Necessita ser convencido quanto ao acerto da solução. Straubel sabia disso e, ao contrário do primeiro expositor, que só divagava, foi direto ao ponto. “Incrível como as baterias de lítio mudaram o que os carros elétricos conseguem fazer”, disse a Elon Musk, para, em seguida, explicar ao financiador de seu projeto: “[vou] encadear umas 10 mil células de bateria de laptop e enfiá-las em um carro”.
Pouco tempo depois, a Tesla apresentou ao mercado o carro Roadster. Este, ainda produzido em edição limitada, provou aquilo que o engenheiro Straubel procurou demonstrar a Elon Musk: que o armazenamento da energia com a bateria de lítio poderia elevar o tempo de carregamento.
Outras inovações tecnológicas vêm sendo incorporadas à vida da sociedade moderna. A primeira deles comtempla o uso de robôs inteligentes capazes de tomarem decisões. Veja-se o caso dos robôs projetados por dois especialistas no assunto: os cientistas William Whittaker, diretor do Centro de Robótica da conceituada Carnegie Mellon University, e Sebastian Thrun, líder da divisão de robótica da Universidade de Stanford, do mesmo gabarito.
Assim relata o autor a respeito dos feitos de William Whittake: “Projetou robôs espaciais que conseguiram entrar no edifício, analisar o que estava acontecendo, mandar informações de volta e ajudar com limpeza”. Detalhe: o robô fez isso porque ninguém se dispôs a entrar em um edifício inundado com água radioativa e detritos nucleares. Era perigoso demais.
No tocante aos feitos de Sebastian Thrun, o autor relata ser “pioneiro no campo da robótica probabilística que utiliza estatística para lidar com as incertezas que os robôs enfrentam no mundo real”.
À guisa de melhor comparar o mapa do futuro com os mapas anteriormente apresentados, fica evidente a influência de um mundo alicerçado nos combustíveis fósseis no qual as energias não são renováveis para outro mundo mais dinâmico.
Quando essa dinâmica é avaliada, considerando o mapa como um sistema aberto, é perceptível que as contínuas mudanças externas ao sistema provocam mudanças internas imediatas. Os mapas construídos na época em que o petróleo influenciava com intensidade as economias do mundo afora parecem ser cada dia menos importantes.
Os tempos de choque do petróleo, quando a Organização dos Produtores de Petróleo jogava seu próprio jogo, estão ficando para trás. É verdade que isso muito se deve ao crescimento das energias renováveis, mas, sobretudo, ocorre graças aos esforços dos pesquisadores para reduzirem a participação dos derivados de petróleo que tanto agridem o meio ambiente. Há muito o mundo já percebeu a mudança dessa realidade. E não é por acaso que economias como a do Kuwait e a de Dubai vêm procurando diversificar suas fontes de receitas.
Mapa do clima: mundo e desenvolvimento sustentável
A criação do comércio com mercados de carbono sinaliza que a preocupação com o clima migrou do discurso político para o terreno das ações concretas
Sem lugar à dúvida, se há um assunto que mobiliza a sociedade é exatamente este: o clima. E aqui vai um testemunho pessoal: por mais de 30 anos fui engenheiro de uma das empresas integrantes do setor elétrico nacional. Lembro-me, como se hoje fosse, do desdém com o qual eram tratados os primeiros grupos de trabalho, constituídos pela então empresa de holding do setor elétrico brasileiro, para avaliar assuntos relacionados ao meio ambiente e ao clima. Com o passar do tempo, questões relativas ao meio ambiente foram agigantando-se não só institucionalmente, mas, sobretudo, mobilizando as pessoas para, na condição de cidadãos, tomarem consciência e exercerem a crítica tão necessária para pressionar governos a comprometerem-se com as gerações futuras.
A recente Conferência do Clima, realizada em Paris, mesmo que não tenha sido um sucesso pleno, foi bem-sucedida no sentido de conseguir firmar um compromisso dos países desenvolvidos quanto às questões do clima. Sendo assim, o Acordo de Paris pode ser considerado um avanço ante o compromisso que esses países assumiram em relação àqueles subdesenvolvidos. Vejamos o que diz o acordo: “Determina que os países desenvolvidos deverão investir 100 bilhões de dólares por ano em medidas de combate à mudança do clima e adaptação, em países em desenvolvimento”.
Ter o investimento quantificado comum que satisfaça não deixa de ser uma evolução. No âmbito internacional a causa vem ganhando apoio de gente de expressão, a exemplo do ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, digno representante do espírito do capitalismo, e da ativista sueca Greta Thumberg.
Redesenhar o mapa do clima mundial requer, sobretudo, que a arte da negociação resulte no convencimento das duas maiores potências mundiais. Falo dos Estados Unidos e da China. A partir daí, emergem dúvidas da seguinte ordem: como reagirão os Estados Unidos e a China se esses países são responsáveis por mais de um terço das emissões de gases do efeito estufa?
Outro desafio, que, a meu juízo, requer muita superação, foi colocado à mesa pela China. Reproduzamos o que relata o autor: “A China e os outros países em desenvolvimento questionavam por que deveriam restringir o seu próprio uso de energia”. Não deixa de ser preocupante como se posicionarão as duas mais poderosas economias do planeta — China e Estados Unidos —, que são os maiores emissores de gás carbônico na atmosfera.
O combate à mudança climática tem sido um sucesso se considerarmos a mobilização que o tema traz. O mundo acadêmico, a sociedade organizada e as pessoas em geral vêm mobilizando-se em prol da construção de mundo pautado no desenvolvimento sustentável. Com isso, o mapa do clima vem sendo continuamente redesenhado visando adequar-se às mudanças resultantes da ação articulada de diferentes atores envolvidos na causa maior de construir, para as novas gerações, um mundo pautado no desenvolvimento sustentável. A criação do comércio com mercados de carbono sinaliza que a preocupação com o clima migrou do discurso político para o terreno das ações concretas.
Livro de Daniel Yergin é clássico sobre geopolítica
Aqui, encerramos nosso mergulho nesta obra que avalia o mapa energético das principais regiões do planeta. “O Novo Mapa” é trabalho de imenso fôlego intelectual, além de ser elaborado por um autor respeitado mundialmente. A originalidade de Daniel Yergin evidencia-se quando o processo histórico das regiões avaliadas condiciona mudanças no delineamento do mapa. Essas mudanças podem ocorrer no país ou em outra nação que mantenha uma relação típica da Guerra Fria que os Estados Unidos mantinham com a antiga União Soviética. Vejamos alguns exemplos extraídos de “O Novo Mapa”.
A descoberta do óleo de xisto em território norte-americano mudou radicalmente a condição dos Estados Unidos em relação ao petróleo. De uma nação dependente, os norte-americanos passaram a exportar esse ouro negro. Do ponto de vista da geopolítica, a Rússia, sentindo-se incomodada com essa situação, aproximou-se mais ainda do “inimigo” asiático dos Estados Unidos.
Outro exemplo: os países da Europa sabem muito bem que o poder do presidente Putin está diretamente ligado à poderosa indústria produtora do gás natural, produto este que atende a países poderosos como é o caso da Alemanha. A Alemanha, atualmente, depende do gás soviético para impulsionar o crescimento econômico do país. Ante o exposto, indago: no tabuleiro geopolítico do poder será que é interesse ao governo alemão bater de frente com a poderosa Rússia de Putin?
Mais um exemplo: o Oriente Médio é, sem lugar à dúvida, a mais turbulenta região do planeta. Alimentada pelo ódio que passa de pai para filho, ali se vive sobre um barril de pólvora. E é certo de que os conflitos refletem diretamente nas constantes mudanças que ocorrem nos mapas políticos, energéticos e geopolíticos da região.
Por fim, dizem que um livro clássico a gente sempre mantém perto si para, de vez em quando, revisitá-lo. Nos meus 35 anos de setor elétrico, li muita coisa sobre o assunto energia. De José Goldemberg, prefaciador deste livro, ao hindu Mohan Munasinghe, este, certamente, um dos maiores conhecedores da economia da energia em âmbito mundial. Tanto os escritos de Goldemberg quanto os de Munasinghe produziram excelentes livros, porém não são clássicos. Ouso dizer que “O Novo Mapa”, de Daniel Yergin, é um clássico não de energia, mas, sobretudo, da geopolítica. Tenha a certeza de que, por ser um clássico, a obra tem de ser, de vez em quando, revisitada.
Salatiel Soares Correia é engenheiro, administrador de empresas, mestre em Energia pela Unicamp. É autor de oito livros relacionados aos temas Energia, Política e Desenvolvimento Regional. É colaborador do Jornal Opção.