Livro de Bauman recém-lançado no Brasil aborda o tema da exploração da ansiedade e da insegurança

16 junho 2017 às 10h34

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O autor polonês discorre sobre questões candentes da sociedade contemporânea numa linguagem bastante acessível, que dialoga não só com especialistas, mas também com o leitor comum

Dirce Waltrick do Amarante
Especial para o Jornal Opção
Um dos últimos livros do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, morto em janeiro de 2017, chega ao Brasil. Em “Estranhos à nossa porta” (Zahar, 120 páginas, tradução de Carlos Alberto Medeiros), Bauman volta a um tema recorrente em seus estudos, a marginalização do homem comum, nesse caso, dos imigrantes que têm desembarcado aos milhares nas costas europeias. Segundo o sociólogo: “Estranhos tendem a causar ansiedade por serem ‘diferentes’ – e, assim, assustadoramente imprevisíveis, ao contrário das pessoas com as quais interagimos todos os dias e das quais acreditamos saber o que esperar”. Nesse sentido, pensa-se que o estrangeiro pode destruir as coisas que apreciamos e “abolir nosso modo de vida confortavelmente convencional”.
Para Bauman, os sentimentos de ansiedade e insegurança vêm sendo explorados à exaustão pelos políticos, a ponto de terem criado um neologismo, o termo “securitização”, que tem aparecido, recentemente, no discurso político e se refere à transição do termo segurança para “o domínio, o encargo e a supervisão dos órgãos de segurança”.
Mas, ao contrário do que se pode pensar, “os governos”, prossegue Bauman, “não estão interessados em aliviar as ansiedades de seus cidadãos. Estão interessados, isso sim, em alimentar a ansiedade que nasça da incerteza quanto ao futuro e do constante e ubíquo sentimento de insegurança, desde que as raízes dessa insegurança possam ser ancoradas em lugares que forneçam amplas oportunidades fotográficas para os ministros tensionarem seus músculos”. Parece que essa tática política tem dado certo mundo afora; basta citar como exemplo a saída do Reino Unido da União Europeia e a eleição de Donald Trump. Entre as ações anunciadas pelo presidente americano estão a construção de um muro na fronteira com o México e a proibição de determinados países de maioria muçulmana de entrarem nos Estados Unidos. Com isso cria-se uma “geografia simbólica do mal”, termo utilizado pelo filósofo político Leonidas Donskis, da qual se quer manter distância.
A visão do estrangeiro como grande culpado pelas mazelas da sociedade é antiga: como não lembrar de Édipo, que partiu de Corinto para levar desgraça a Tebas. O fato é que precisamos de um bode expiatório, “um inocente culpado pelos males da sociedade”, como diz René Girard.
Ao falar dos imigrantes que buscam refúgio na Europa, Bauman afirma que nos isentamos de qualquer responsabilidade moral sobre eles, pois lhes atribuímos “características que degradam e difamam sua imagem”; por isso, representariam categorias de seres humanos “indignas de atenção e respeito”, o que justificaria “nosso desprezo e falta de interesse” para com elas. Essas pessoas, prossegue Bauman, “têm sido inconscientemente acusadas de portar doenças terminais, estar a serviço da Al-Qaeda ou do ‘Estado Islâmico’, de pretender aproveitar-se do bem-estar europeu (ou o que dele restou) ou conspirar para converter a Europa ao islã e impor a lei da charia”.
Bauman discorre sobre questões candentes da sociedade contemporânea numa linguagem bastante acessível, que dialoga não só com os pesquisadores e especialistas, mas também com o leitor comum. Segundo Bauman, a sociologia é um relato de uma experiência humana.
Uma característica da linguagem de Bauman é a de citar, ao lado da mais alta e refinada teoria, textos de jornais, das mídias sociais etc. Segundo Donskis, o sociólogo “não apenas usa ativamente a linguagem da alta teoria. Ele salta com habilidade dessa linguagem para a da publicidade, dos comerciais, mensagens de texto, mantras dos oradores motivacionais e dos gurus do mundo empresarial, clichês e comentários no Facebook; e depois retorna à linguagem (e aos temas) da teoria social, da literatura moderna e dos clássicos filosóficos”. Em “Estranhos à nossa porta”, ao lado de citações de Kant, Bakhtin e Foucault, encontram-se citações de jornais, do Facebook etc. Nessa miscelânea de linguagens, Bauman não se perde e de forma contundente põe os estrangeiros à nossa porta.
Dirce Waltrick do Amarante é escritora e tradutora. Autora, entre outros, de “Ascensão: contos dramáticos” (Armazém).

Estranhos à nossa porta
Autor: Zygmunt Bauman
Tradução: Carlos Alberto Medeiros
Páginas: 120
Editora: Zahar