Lives se tornaram o refúgio daqueles que estão há quase quatro meses sem sair de casa se não for extremamente necessário
07 junho 2020 às 00h00

COMPARTILHAR
Consumo de conteúdo on-line ao vivo se transformou na busca por preenchimento de vazio da ausência das pessoas queridas por perto e dos momentos de descanso e lazer durante a pandemia

Se você tinha uma rotina que o obrigava a ficar mais da metade do seu tempo fora de casa e não está próximo de enlouquecer durante o isolamento social em casa na pandemia da Covid-19, isso é motivo para lhe dar direito a um prêmio. A saúde mental das pessoas têm ido para o ralo durante os dias de distância dos parentes, amigos e da necessidade de evitar a rua caso não seja uma extrema necessidade, como comprar comida ou remédio.
Caso você seja um dos privilegiados que foi beneficiado com o trabalho em casa enquanto milhões de brasileiros precisam sair de seus lares para ter dinheiro para as compras da semana ou do mês, já percebeu que não adianta desesperar – por mais que seja impossível. O melhor a fazer é escolher uma das diversas apresentações ao vivo diárias de artistas brasileiros e de tudo quanto é lugar do mundo.
A qualquer hora do dia, um artista, produtor ou alguém envolvido com a cadeia da música está ao vivo em alguma conta de Instagram, Facebook, Youtube ou qualquer outra plataforma on-line. E o conteúdo vai de entrevistas, shows a discussões sobre o futuro da arte pós-pandemia, da música ao vivo com plateia ao processo de composição trancado em casa.
Toda hora não
Mas uma hora tudo isso cansa. É hora de se jogar em um filme, livro, revista ou série. Fora o consumo diário mais do que excessivo de conteúdo noticioso. Tem hora que você vê sua banda favorita ao vivo depois de dezenas de outros shows na internet e pensa “hoje não, de novo não”. Só que meia hora depois você se pega lavando louça e assistindo à apresentação, da superprodução patrocinada por grandes marcas ao intimista voz e violão com som ruim de celular em alguma rede social.
Tem dia também que não dá para ver tanto telejornal depois de ler todas as colunas dos principais jornais locais e nacionais, ouvir os podcasts de notícia do eixo Rio-São Paulo e que fazem cobertura exaustiva da revolta da população preta americana contra o racismo estrutural da polícia nos Estados Unidos ou contra as manifestações antidemocráticas de um grupo neonazista bolsonarista que se deveria na verdade se chamar “20” e não “300”.
Enquanto políticos passam vergonha ao beber leite em vídeos publicados nas redes sociais para tentar disfarçar um gesto dos supremacistas brancos – “entendedores entenderão”, como disse aos risos o apoiador do presidente que recebe verba pública para bancar as mentiras publicadas por seu site -, a gente torce para que o fim do dia chegue e a Teresa Cristina esteja lá na conta do Instagram ao vivo para nos encantar.
Das emoções às preocupações
Ou seria para nos confortar e chorar junto com ela enquanto a dor da distância e a morte de mais de 35 mil nos machuca diariamente ao ver que o governo federal prefere esconder dados e revisar a realidade ao invés de assumir os erros e agir. Até porque atacar jornalistas e veículos de comunicação é muito mais fácil do que sentar na cadeira do cargo para o qual foi eleito e governar. A intenção é sempre pensar qual será a tática nova na tentativa de dar um golpe.
Para tentar fugir dos xingamentos e absurdos ditos pelo inquilino do Palácio da Alvorada dia sim, no outro também, temos o privilégio de ter Lô Borges um dia, Laura Marling no outro, Emicida por mais de oito horas no YouTube e festivais que buscam formas de se manter ativos trazendo artistas de diversos cantos do Brasil para quem está em casa.
Às vezes sobra alguma grana, nem que sejam míseros R$ 20 na conta, para doar a uma ação de solidariedade que arrecada dinheiro em plataformas de doação virtual para alimentar moradores em situação de rua ou famílias que foram afetadas pela pandemia e não têm o que comer. Ou estudantes que são apadrinhados por aqueles que podem pagar os R$ 85 da inscrição do vestibular de alunos de lares em dificuldade financeira.
Cloroquina e a ciência
Mas o governo federal acha que é a hora certa de retirar dinheiro do Bolsa Família que seria destinado a beneficiários do Nordeste para usar em verba publicitária na Secretaria de Comunicação. Enquanto alguns acreditam na nova pílula do câncer do Bolsonaro, a cloroquina, outros preferem ouvir horas e horas do Átila Iamarino e ler os dados das projeções da Universidade Federal de Goiás (UFG), que têm batido com o pior cenário possível para o Estado no avanço das doenças.
Dos conhecidos e vizinhos que resolveram fazer festas, churrascos e reuniões com convidados desde o início da pandemia, as apresentações de grandes artistas viraram motivo para propagar o novo coronavírus de forma irresponsável. Na pressão dos que querem ver o comércio reaberto totalmente, os dados mostram que a evolução de pacientes e mortos se acelera em Goiás. Se já chegamos a registrar mais de um óbito por minuto por Covid-19 no Brasil, para o Ministério da Saúde são dados “fantasiosos”.
É o que nos resta
É quando só nos resta afundar nas lives, que nos primeiros meses de isolamento eu evitava. Depois de um tempo, a gente acaba se acostumando, infelizmente, a ver shows em casa. Nada nem de longe parecido com a emoção de uma plateia que acompanha o artista no palco.
Mas é um conforto para que muitos superem a pandemia com saúde, sanidade e salvos pela arte na TV, celular ou computador. Sabe-se lá quando poderemos frequentar multidões com segurança novamente. Mas já sabemos que sem música não vamos ficar.
https://www.youtube.com/watch?v=_AMwc89EF24