*Marina Teixeira da Silva Canedo

Uma volta à Inglaterra da Era Vitoriana nos revela um romance forte, marcante e bem estruturado, escrito pela inglesa Charlotte Brontë.  Trata-se de” Jane Eyre” (editora Martin Claret, 2019, 688 págs.), publicado em 1847 e que é, de seus quatro romances, o mais conhecido. Charlotte teve uma vida breve, nasceu em 1816 e faleceu em 1855, com menos de quarenta anos.

Foi a mais velha de três irmãs, todas escritoras – Emily Brontë (1818-1848) e Anne Brontë (1820-1849). Emily escreveu um único romance, “O Morro dos Ventos Uivantes”, considerado pela crítica como um clássico da literatura mundial, conhecido em todo o mundo. O enorme talento de Emily sucumbiu com ela, quando tinha apenas trinta anos. Anne, a mais nova, escreveu dois romances, “Agnes Grey” e “A Inquilina de Wildfell Hall”. As três escreveram, conjuntamente, um livro de poemas, o primeiro a ser publicado. Essas irmãs, talentosíssimas, morreram muito jovens, devido à saúde frágil e ao ambiente insalubre das instituições educacionais que frequentaram. Sua capacidade criativa não pôde ser expandida e frutificada em novas obras, o que impediu a existência de um acervo brilhante muito maior. Com certeza sua produção literária seria ampliada, caso tivessem vivido mais.

O principal romance de Charlotte Brontë, “Jane Eyre”, representou uma ousadia em uma sociedade conservadora, onde a estratificação social e a rigidez dos papéis desempenhados por mulheres e homens significava um modelo a ser seguido.

Ela rompeu, até certo ponto, com os valores da época e mostrou uma heroína forte, resiliente e obcecada pela consecução de seus valores e objetivos.

O machismo da Era Vitoriana, anos em que a rainha Vitória governou a Inglaterra (1837 a 1901), fez com que a autora se utilizasse de pseudônimo masculino, bem como suas irmãs, para conseguir publicar seus livros, caso contrário as portas das editoras lhes seriam terminantemente fechadas. Os pseudônimos das três irmãs foram Currer, Ellis e Acton Bell. Charlotte só passou a usar seu nome verdadeiro quando o sucesso de seus livros foi tão grande que lhe deu o respaldo necessário e mais do que justo para utilizar seu próprio nome. Ela já era “uma candeia que não se acende para colocar debaixo do alqueire, mas no velador” (Mateus 5:15).

Outra grande escritora britânica, George Eliot (1818-1880), cujo nome verdadeiro era Mary Ann Evans, manteve seu pseudônimo masculino até o fim.

George Sand (1804-1876), pseudônimo de Amandine Aurore Lucile Dupin, considerada a maior escritora francesa, foi outra vítima da misoginia reinante no século XIX e que, todavia, existe em outros âmbitos da sociedade. Dentre seus inúmeros casos de amor estava Fredéric François Chopin, o famoso compositor romântico polonês. George Sand vestia-se com indumentária masculina, desafiando ainda mais a sociedade francesa.

Em “Jane Eyre”, romance de Charlotte Brontë, tanto a autora como a personagem-título são mulheres fortes e à frente de seu tempo e que, de maneira significativa e importante, ajudaram a escrever a história da superação feminina através do tempo e da história dos povos.

O romance é narrado na primeira pessoa pela protagonista, que apresenta sua vida de sofrimentos desde a infância até a idade adulta. Acresce-se a isso que ela não foi agraciada pelo dom da beleza

A personagem Jane Eyre, uma moça sofrida e de personalidade forte e combativa, vai trabalhar como preceptora de uma criança em uma grande propriedade, Thornfield Hall, cujo proprietário é o rico e misterioso Senhor Rochester. Ser preceptora, professora e governanta, eram as únicas atividades dignas para uma moça de boa família e com bom grau de cultura, mas que não pertencia à aristocracia. Nesse cenário desenrola-se o enredo e o romance entre Jane Eyre e seu patrão, algo difícil de acontecer na fechada sociedade de então, pela rigidez das normas da sociedade inglesa da época.

 “Jane Eyre” é um romance com todos os ingredientes típicos da Era Romântica da literatura, mas em transição para o Realismo, e passado em uma sociedade marcada por códigos rígidos de conduta. Porém, seu diferencial é conferido pelo comportamento inusual da heroína, que difere das demais protagonistas água com açúcar, comportamento padrão do Romantismo, geralmente mulheres submissas à autoridade masculina. A personagem Jane Eyre não deixa de ser o alter ego de Charlotte Brontë, que rompeu com as regras ditadas para a condição feminina, tanto na literatura quanto na vida real.

Charlotte Brontë foi, e continua sendo, um exemplo de força, coragem, resiliência e de excelência literária pois, como poucos, soube criar uma heroína tão forte quanto ela, e que soube ultrapassar limites. Jane Eyre viveu em palacetes, mas que para ela eram como o inferno, devido à subalternidade e humilhação com que era tratada. Conheceu também o infortúnio de viver em orfanatos, onde faltava até o alimento necessário para se manter viva. Todos esses fatos eram normatizados e aceitos pela sociedade e pela igreja, fosse ela católica ou protestante.

Contudo essas condutas, frutos das regras sociais de uma era, foram paulatinamente sendo superadas no decorrer da História, seja pelo pujante desenvolvimento industrial iniciado naquela época, seja pelos novos valores e conceitos advindos da própria dialética histórica, seja pelo papel da literatura como instrumento das cabeças pensantes, da qual Charlotte Brontë foi figura importante e corajosa. Loas a ela.

*Marina Teixeira da Silva Canedo é poeta, cronista e crítica literária. É colaboradora do Jornal Opção.