HQ Cidade de Sangue traz clima noir para Goiânia

21 abril 2019 às 00h00

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Quadrinho acompanha o repórter de editoria policial que se torna suspeito do crime que cobria
É comum que busquemos referências fora de nosso meio. Olhamos no horizonte à procura de baluartes nas mais diversas mídias. Nosso complexo de vira-latas não é falso. Gostamos de filmes de Hollywood, rock inglês e quadrinhos estadunidenses e europeus. Mas quando se fala em nona arte (as HQs), o Brasil não perde em nada para outros locais.
E sabe o que é mais legal? Temos coisa muito boa de nossa própria terrinha, Goiás. O sócio-fundador da Monstro Discos e Escola Goiana de Desenho Animado, o agitador cultural Márcio Jr., é também o roteirista da HQ noir “Cidade de Sangu”e, ambientada em Goiânia, que conta com a arte do mestre dos quadrinhos nacional Julio Shimamoto — o Shima, como o próprio Márcio diz.
Trama
A história em quadrinho inspirada no argumento de Márcia Deretti, companheira de Márcio Jr., acompanha o repórter de um caderno policial de um grande jornal da Capital, Carlão, que, em crise no seu casamento, se envolve com uma fotógrafa novata, mas com um passado obscuro e uma mórbida preferência sexual.
Enquanto o relacionamento dos jornalistas emplaca, o casamento de Carlão afunda. E pior: ele acaba por se tornar o principal suspeito de um crime que cobria e quem poderia lhe ajudar a provar sua inocência talvez não possa mais…
Detalhes
O título, que custa R$ 40, foi a estreia da produtora MMarte, de Márcio Jr. e Márcia Deretti, no mercado de quadrinhos. O material conta com 152 páginas (sendo algumas de extras) em preto e branco e muito vermelho, que dá um belo contraste e impacto.
Sexo e violência são os carros-chefes desse quadrinho que traz um Shimamoto ainda inventivo após cinco décadas de atuação na nona arte. As páginas da HQ foram criadas com ferro de solda sobre papel de fax.

Experimentação
Inclusive, nos extras da graphic novel tem o passo a passo: “Com um gabarito e um mini-maçarico, Shimamoto define as margens no papel térmico (papel de fax); em uma mesa de luz, Shima sobrepõe o papel térmico ao rápido esboço finalizado em papel manteiga. Começa então o desenho propriamente dito, utilizando ferro de solda com luva protetora de madeira, adaptada pelo artista para evitar queimadura nas mãos; o letramento é feito em papel avulso, para então ser escaneado e transformado em negativo no Photoshop. Depois de impresso, é colado diretamente sobre a página”.
E tem mais: “Uma vez que o papel térmico possui baixíssima durabilidade, Shimamoto produz uma fotocópia em xerox da página original. É esta fotocópia que será escaneada, dando origem aos arquivos a partir dos quais o livro será impresso. Os sombreamentos mais densos são feitos com o auxílio de um maçarico portátil; para variações de traço, Shima desenvolveu artesanalmente um conjunto de ferramentas. Com um maçarico fixo adaptado, Shimamoto aquece suas diferentes ferramentas para trabalhar sobre o papel térmico; a partir do roteiro plotado de Márcio Jr., Julio esboça a página em papel-manteiga, fazendo as alterações (de enquadramento e disposição dos quadros) consideradas necessárias à dramaticidade da HQ”.
O resultado é uma arte visceral, pesada, suja, mas, ao mesmo tempo, muito condizente com a história policial de uma Goiânia violenta e sem heróis. Ponto, também, para o recrutamento do quadrinista goiano Tiago Holsi, que, com Márcio Jr., foi responsável pela cor (vermelha) e o projeto gráfico da obra.

Mestre Shima
A história de Márcio Jr. é muito boa, mas não é ofensa sugerir que Shimamoto é o grande nome do material. Com 80 anos, o veterano dos quadrinhos brasileiros é muito conhecido por seus trabalhos em obras de terror. Apesar disso, sua estreia ocorreu em 1959, com herói Capitão 7 (surgido na TV).
Ele também publicou nas revistas “Spektro”, “Pesadelo”, “Sobrenatural, Calafrio, Metal Pesado (nossa versão da clássica Heavy Metal) e muito mais. Mais recentemente, no ano passado, a Atomic Books e Quadrante Sul Comics lançaram conjuntamente uma série de obras restauradas de Shima, na HQ Contos de Horror – Julio Shimamoto (formato 15,5 x 23 cm, 64 páginas, R$ 25).
Mas é preciso dizer que essa não é a primeira vez que Márcio Jr. trabalha com Julio. Em 2011, o agitador cultural e Márcia Deretti lançaram uma adaptação da HQ “O Ogro”, de Shimamoto, como curta-metragem animado — história que não deve em nada a Frank Miller no quesito contraste em P&B. Como este não é o tema da coluna, deixarei o link para que você confira e tire suas próprias conclusões (https://www.youtube.com/watch?v=ZFvQA3NQGME).
https://youtu.be/ZFvQA3NQGME