“Hotel Portofino”, de J. P. O’Connell: amor e intrigas em uma região paradisíaca da Itália

22 janeiro 2023 às 00h00

COMPARTILHAR
Mariza Santana
O cenário não podia ser mais belo. Um luxuoso hotel à beira-mar situado na Riviera Italiana, administrado por uma senhora inglesa e destinado a hóspedes britânicos e representantes da elite da Itália. A época é a década de 1920, quando a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) já tinha terminado e deixado como herança milhares de mortos, viúvas e órfãos, além de traumas naqueles que sobreviveram ao front. E, particularmente, na Itália, já começavam a surgir as nuvens escuras da ameaça do regime totalitário de extrema direita de Benito Mussolini e seus violentos camisas negras.
O romance “Hotel Portofino”, do escritor J. P. O’Connell, nos apresenta dramas, festas e intrigas dos proprietários do estabelecimento e dos hóspedes que chegaram para poder desfrutar das belezas do local, que estava se tornando um ponto turístico para viajantes europeus abastados. Mas o que interessa é o drama pessoal de cada um dos personagens, suas peculiaridades, medos e esperanças.
São apresentados a dona do Hotel Portofino, Bella Ainsworth, que realiza o sonho de ser proprietária de um negócio turístico na Itália, mas enfrenta dificuldades com um marido escroque; e os filhos do casal: o jovem Lucian, que traz nas costas e na alma as marcas das batalhas no conflito; e Alice, viúva da guerra. Entre os hóspedes, a Sra. Drummond-Ward, que viaja com a filha Rose, com o propósito de tratar de seu casamento com o filho dos Ainsworth. Outros hóspedes são o amigo hindu de Lucian, nobres italianos, uma celebridade do tênis e sua esposa, e um negociante de obras de arte acompanhado de uma dançarina norte-americana.

A jovem Constance, que vem trabalhar como babá e garçonete no hotel também tem participação no enredo, assim como o jovem Billie, filho da cozinheira, que se envolve na luta antifascista e sofre as consequências do seu ativismo. E como os tempos começavam a ficar tenebrosos, não poderia faltar Danioni, uma eminência parda instalada na Prefeitura de Portofino, exercendo seu poder político paroquial para chantagear a dona do hotel e criar um clima de pânico com seu comportamento de extrema direita.
Entremeado de diálogos, com ações rápidas e uma narrativa agradável, “Hotel Portofino” é daqueles livros que se lê com prazer. Mas não se engane, ao traçar um panorama da região e da época, o autor expõe os preconceitos sociais do período e o clima de violência política que se avizinha (lembrando que na década de 1930 eclodirá os mais terríveis dos conflitos na Europa: a Segunda Guerra Mundial, com seus horrores, perseguições e holocausto).
A mensagem está implícita na obra. Como uma fala do personagem Nish, o jovem hindu, sobre os seguidores de Mussolini: “Pensando que não vamos conseguir acabar com o fascismo a menos que tentemos entender de onde ele veio. E porque agrada a tanta gente”. Qualquer semelhança com o momento atual brasileiro, digamos que é mera coincidência.
Em outro trecho do livro, o personagem Gianluca, um ativista italiano antifascista e homossexual faz a seguinte declaração a respeito do preconceito que estava enfrentando: “Essa gente tenta explorar o que há de pior em nós… nossa ganância, nosso egoísmo. Nossa capacidade de odiar. Eles não ligam para o que faz de nós indivíduos, diferentes, cada um maravilhoso de seu próprio jeito, humanos. Eles só entendem o comportamento de manada.” Esse comentário também me parece muito adequado para nossos dias atuais.
“Hotel Portofino” é daqueles livros que parecem ser um romance histórico despretensioso, puro entretenimento, mas consegue passar mensagens importantes que não podem ser esquecidas, embora seja ambientado em praticamente um século atrás. Isso porque parece que os velhos fantasmas políticos costumam voltar a nos assombrar periodicamente, e nada mais adequado do que olhar para os erros do passado para tentar não cometê-los novamente.
J. P. O’Connell trabalhou como editor e repórter para vários jornais e revistas, incluindo “Time Out”, “The Guardian”, “The Times” e “Daily Telegraph”. Além de “Hotel Portofino”, ele é autor de vários livros, incluindo uma celebração à escrita de cartas, uma enciclopédia de temperos e uma análise dos livros preferidos do astro do rock inglês David Bowie e como eles influenciaram sua música. O escritor mora em Londres, na Inglaterra.
Mariza Santana é jornalista e crítica literária. Email: [email protected]