João Carlos Taveira

Especial para o Jornal Opção

Acaba de chegar às minhas mãos um dos melhores livros de poesia de que se tem notícia nos últimos anos. Sem nenhum exagero. Trata-se de “Homenagem à Música”, do poeta português Vasconcellos Sobral, uma coletânea que celebra, com poemas em versos livres e medidos, os grandes autores musicais dos períodos barroco, clássico e romântico, e também presta homenagem a alguns amigos seus, poetas, músicos e compositores.

O livro editado pela Junta de Freguesia de Monte Abraão, de Queluz, tem posfácio de Bruno Ribeiro Tavares, fiel discípulo musical do poeta, que lhe traça alguns dados biográficos e enaltece, com justíssima agudeza, seus dotes poéticos e musicais, pois Vasconcellos Sobral é antes de tudo um melômano dedicado e exigente. E, digo eu, um mestre na arte de fazer amigos, pelos quatro cantos da Terra.

Em cada poema escrito, uma sutileza, uma nuança, uma filigrana. As peças musicais em que são inspiradas as criações literárias são únicas porque fazem parte do gosto pessoal do autor, e universais porque nos tocam sempre de maneira diferente e nos induz a reavaliar imediatamente — em novas audições — o sentido da obra conhecida e talvez pouco ouvida ou mal-ouvida. A lição do poeta é assaz extraordinária!

Um só exemplo, será o bastante!

Monteverdi (1567-1643)

“Magnificat — Gloria

Quando se despe a noite de si própria

e outonos líquidos me soltam da prisão

é que eu sei por que és

esplêndido e justo sobre o Tempo

as armas

e a sua crueldade

Quando falece a noite e a Música alvorece

lanças de luz rompem o horizonte

Quem és tu que me apagas?

Quem de versos me eleva?

Ó turbilhão da Paz

Ó límpida Glória

E seremos relâmpagos.

E que fique a Memória”.

Vasconcellos Sobral publica desde 1963 e já tem considerável obra editada no campo da poesia. Mas sua popularidade cresceu muito depois de ter escrito um poema para o andamento final da “Quarta Sinfonia” de Joly Braga Santos, por ocasião do 22.º Congresso Mundial das Juventudes Musicais, que foi apresentada em 18 de abril de 1968 pela Orquestra Sinfônica do Porto. Em seguida, essa sinfonia foi gravada em CD, com interpretação do Coro da Filarmônica George Enesco e da Orquestra Sinfônica da Rádio e Televisão Romena, sob a regência do Maestro Silva Pereira.

No Brasil, o autor sempre gozou da intimidade de vários amigos, como Branca Bakaj, José Santiago Naud e o autor destas linhas, e também por aqui já granjeou uma pequena legião de admiradores, pois figura, com destaque, na página do poeta Antonio Miranda (antoniomiranda.com.br), na seção Poetas de A a Z. Ali é comentada sua vida e sua obra, com a publicação de inúmeros poemas de sua lavra.

Nascido em Mértola, em 1930, o poeta de Queluz (Artur José Fernandes de Vasconcelos Sobral) faleceu no dia 6 de abril de 2016. Foi um poeta e contista português. Com o nome Vasconcellos Sobral, publicou nos anos 1960 quatro livros e um conto incluído na já citada “Antologia do Conto Fantástico Português”.

Foi condecorado em 2008 com a “Medalha de Ouro do Concelho de Sintra”. Faleceu poucos dias depois de editar a sua última obra.

Agora é torcer e esperar pela edição da obra poética de Vasconcellos Sobral em terras brasileiras, para que um número maior de leitores possa privar com uns poucos escolhidos a graça e a beleza de uma poesia preciosa e necessária. Que as musas do parnaso me ouçam neste apelo, de aquém e de além-mar.

Obras publicadas

Poesia

— “O Quotidiano Gritado” (1963)

— “Tapume” (1966)

— “Heteroácido” (1966)

— “O Tempo e a Dor” (1969)

— “Na Memória dos Astros” (1998)

— “Homenagem à Música” (2010)

— “Fulgor nas Trevas – Os intérpretes” (2016)

Ficção

— “O Odionauta” – conto incluído na “Antologia do Conto Fantástico Português”, editado por Fernando Ribeiro de Mello, em 1967.

João Carlos Taveira, melômano, é poeta, crítico literário e colaborador do Jornal Opção.