Jales Guedes Mendonça

Na biografia de Getúlio Vargas, o jornalista e pesquisador Lira Neto dividiu sua densa investigação em três livros distintos. Antecipando-se à quase instantânea dedução do leitor acerca da existência de um tríplice Getúlio, ou seja, um “revolucionário”, outro “ditador” e um terceiro “democrata”, o autor explica: “Ao contrário do que alguns especulam, Getúlio foi um só, embora ambivalente e contraditório” (“Getúlio — Dos Anos de Formação à Conquista do Poder: 1882-1930”, Companhia das Letras, 2012, 529 páginas).

Em Goiás, Vargas preservou como seu aliado preponderante Pedro Ludovico Teixeira (1891-1979), sobretudo durante o seu primeiro consulado (1930-1945), a ponto de o goiano ter sido o único interventor/governador a permanecer ininterruptamente no poder em todo o citado período, superando até Punaro Bley, do Espírito Santo. Na verdade, Pedro Ludovico entrou antes de Getúlio e saiu depois dele.

No entanto, a despeito de alguns livros já publicados e de sua própria autobiografia, Pedro Ludovico ainda não mereceu uma biografia completa e bem pesquisada, consoante o padrão utilizado por Lira Neto.  

No campo político, Pedro Ludovico iniciou sua participação em 1909, ao comparecer à convenção, na antiga capital estadual, do recém-fundado Partido Democrata, agremiação que congregou também os próceres Leopoldo de Bulhões e Antônio Ramos Caiado, oligarcas que precederam o domínio, igualmente oligárquico, de Pedro Ludovico.

Este findou sua presença no cenário político apenas no momento de seu falecimento, em 1979, quando ainda desempenhava papel saliente, embora informal, na oposição goiana, tanto que, em entrevista concedida à imprensa à época, lançara Iris Rezende candidato a governador e seu filho Mauro Borges a senador nas eleições já cogitadas e que ocorreriam pouco mais tarde (1982). Tais candidaturas acabaram confirmadas na sequência, registre-se.

O cassador que acabou cassado em 1969

Entre esses dois polos temporais (1909-1979), medeia uma trajetória política impressionante de 70 anos que atravessa uma série de eventos, a saber: duas disputas para deputado federal em 1921 e 1930; duas nomeações para interventor federal em 1930 e 1937; eleição indireta para governador em 1935 pela Assembleia Constituinte Estadual; queda em 1945; eleição direta para governador em 1950 e, afinal, cassação do cargo de senador e perda dos direitos políticos em 1969.

É nessa última posição de “cassado” que se firmou a imagem de Pedro Ludovico para as gerações contemporâneas e sucessoras ao ato de força de 1969. Em outras palavras, prevaleceu a imagem de “vítima” associada sempre à do idealizador de Goiânia.

Ocorre, porém, que nas décadas de 1930 e 1940 Pedro Ludovico experimentou o outro lado da moeda, isto é, vestiu o figurino de “cassador” e “ditador”, nos moldes de seu preceptor Getúlio Vargas, perseguindo implacavelmente seus adversários políticos e dissidentes, especialmente após a vitória revolucionária de outubro de 1930 e o triunfo do golpe de Estado de novembro de 1937.     

Malgrado ainda inexistir um estudo robusto, é verossímil supor que, proporcionalmente, Goiás fora um dos Estados a mais utilizar o famigerado artigo 177 da autoritária Constituição Federal de 1937, a chamada “Polaca”. Essa previsão legal autorizava os interventores a aposentarem compulsoriamente qualquer servidor público, mesmo os integrantes do Poder Judiciário. Nessa leva, até o presidente e o vice do Tribunal de Justiça de Goiás foram aposentados em 1938, sem prejuízo de outros magistrados de primeira instância e diversos funcionários estaduais.  

Porém, tanto esse papel de “algoz” quanto o de “carrasco-mor” da Cidade de Goiás, no dizer do jornalista Egerinêo Teixeira, acabaram soterrados e praticamente desconhecidos da opinião pública, não apenas pelos acontecimentos posteriores supra descritos da década de 1960, mas sobretudo por Ludovico cuidar zelosamente de suas lembranças e memórias. A propósito, atesta essa constante preocupação com a disputa de narrativa a publicação — com o devido patrocínio estatal — do compêndio “Como Nasceu Goiânia”, de Ofélia Sócrates, logo no início da ditadura do Estado Novo (1937-1938). 

A rigor, outros capítulos da vida ludoviquista ainda precisam de maiores esclarecimentos, inclusive na seara privada. Como dito, a longeva existência quase nonagenária de Pedro Ludovico ressente-se de uma biografia detalhada, capaz de desnudar a dupla face de “cassado” e “cassador”, além de zonas de sombra existentes.

O Velho Cacique, de Luiz Alberto Queiroz

Nessa perspectiva, todavia, uma fonte incontornável para o preenchimento dessa lacuna encontra-se no presente livro “O Velho Cacique”, do escritor Luiz Alberto Queiroz, ora em sua 10ª edição, o que, por si só, já recomenda a publicação. Poucas obras em Goiás conseguiram alcançar tal marca, restando, portanto, patenteada, desde a largada, seus evidentes méritos.

O trabalho apresenta uma série de depoimentos sobre Pedro Ludovico, a exemplo do interessante texto de Bernardo Élis, em que o imortal da Academia Brasileira de Letras retrata uma passagem pouco conhecida envolvendo a detenção de seu irmão em 1932.

Ademais, testemunhos de diversos outros personagens são de valor inquestionável, como o prestado pelo historiador Sérgio Paulo Moreira, que conta, com cores vivas, as entranhas da convenção do PSD de 1965, conduzida pelo “velho cacique”.  

Além dos depoimentos valiosos, Luiz Alberto de Queiroz fornece ao leitor várias imagens interessantes e alguns documentos preciosos, difíceis de serem encontrados nos arquivos e acervos, o que enriquece sobremaneira a produção. 

Formado em Direito e grande pesquisador da História de Goiás, Luiz Alberto de Queiroz já escreveu diversos livros, a começar pelo intitulado “Esperança do Reconhecimento”, lançado em 1981. Agora entrega à sociedade a décima e “última edição”, como ele faz questão de assinalar, do já clássico “O Velho Cacique”.

Acometido ultimamente por problemas de saúde, nossa última mensagem ao escritor Luiz Alberto de Queiroz só poderia ser de gratidão e reconhecimento ao seu hercúleo esforço físico e intelectual.    

Jales Guedes Coelho Mendonça é promotor de Justiça, doutor em História/UFG, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG) e autor do livro “A Invenção de Goiânia — O Outro Lado da Mudança” (Editora da UFG). É colaborador do Jornal Opção. O texto de Jales Guedes Mendonça é o prefácio do livro “O Velho Cacique”.