Salatiel Soares Correia

Especial para o Jornal Opção

A mais instigante biografia do mar de livros que circulam mundo afora sobre o estadista britânico Winston Churchill foi escrita pelo ex-reitor da Universidade de Oxford Roy Jenkins. Trata-se de “Churchill” (Nova Fronteira, 900 páginas, tradução de Heitor Aquino Ferreira), um cartapácio que resultou de muita pesquisa. O historiador reproduziu a vida do maior líder político da Inglaterra, com acento cativo ao lado de outras figuras proeminentes como Franklin Delano Roosevelt e Abraham Lincoln. (Recomendo também a mais atualizada biografia do primeiro-ministro que derrotou Hitler, pois o autor teve acesso aos arquivos da família real: “Churchill — Caminhando com o Destino”, de Andrew Roberts, Editora Companhia das Letras, 1200 páginas, tradução de Denise Bottmann e Pedro Maia Soares).

Li a excelente obra do ex-reitor de Oxford e, durante a leitura, deparei-me com uma passagem que desconhecia da vida desse grande estadista. Surpreendi-me ao tomar conhecimento da derrota política de Churchill nas eleições, ocorridas logo após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Naquele momento, o conterrâneo de Shakespeare, reconhecido mundialmente e repleto de glórias, era um nome considerado eleitoralmente imbatível. Nada disso aconteceu, todavia, pois o povo inglês preferiu o Partido Trabalhista em detrimento do Partido Conservador, que tinha em Churchill o seu líder inconteste.

Ciente disso, uma indagação me trouxe certa inquietude, qual seja: como pôde a sociedade daquele país europeu negar uma simples cadeira de representante de um condado a um líder de estatura infinita, reconhecido internacionalmente como era, é e sempre será sir Windsor Churchill?

Henry Kissinger ajudou a construir as relações sino-americanas | Foto: Penguin Press

Creio que encontrei a resposta quando concluí a leitura da biografia. A ingratidão dos súditos do rei Charles para com seu maior líder, na verdade, não existiu. O povo inglês, majoritariamente constituído por cidadãos, sempre foi consciente de que o dia a dia da vida política se resolveria por si só. Churchill jamais foi um simples operador político. Sua estatura na história do mundo ocidental não poderia ser reduzida a de um reles anão político. Windsor Churchill se encontra no lugar onde história o colocou: um líder estratégico de uma nação sempre convocava quando se sentia ameaçada por eventos trágicos como foi o caso da Segunda Guerra Mundial. Quem estava no comando do processo quando Londres foi parcialmente incendiada? Resposta: o líder inconteste do povo inglês: Windsor Churchill. Passados quase oito décadas, nenhum político inglês jamais teve o reconhecimento dentro e fora do país como tem e sempre terá o imortal Windsor Churchill.

Contei essa história para apresentar o livro de autoria de um dos mais respeitados diplomatas do mundo. Um intelectual com larga experiência internacional. A obra: “Liderança — Seis Estudos Sobre Estratégia” (Objetiva, 544 páginas, tradução de Cassio de Arantes Leite), requer que mergulhemos nas mais de 500 páginas de seu rico conteúdo. É isso que nos propomos a fazer a seguir.

O nome do autor, por si só, expressa o brilho desse professor da Universidade Harvard bastante presente na resolução dos principais conflitos políticos ocorridos no planeta. Da Guerra do Vietnã, dos conflitos do Oriente Médio até a construção política da globalização ele estava lá: negociando, com inúmeros países do planeta, em nome dos Estados Unidos da América. Eu vos apresento o nome de quem dispensa apresentações: Henry Kissinger.

Percebi, logo na introdução, a importância dessa obra seminal no momento que Henry Kissinger lançou seu olhar sob os grandes líderes que com ele conviveram na sua longa e brilhante carreira diplomática. 

Konrad Adenauer: o organizador da Alemanha pós-Hitler | Foto: Reprodução

 Para os mais novos que não tiveram a oportunidade de acompanhar a atuação desse influente personagem no complexo tabuleiro da política internacional, é esclarecedor apontar que essa globalização que hoje vivemos, em que a China se destaca como segunda potência do planeta, muito se deve ao assessor do governo do então do presidente Richard Nixon, chamado Henry Kissinger. O livro que passo a comentar é mais que um livro técnico, é, em verdade, o legado de um sábio que viveu para contar a história de seis dos maiores chefes de Estado com os quais ele conviveu com bastante proximidade.  A todos eles Henrique Kissinger conheceu fora dos protocolos. Penso que não existiria outra pessoa mais habilitada para escrever um livro com este que ultrapassa os limites da técnica para se ombrear com livros que requer se viver para contar. O viver para contar se chama sabedoria.

Esclarecimentos aos leitores

Sempre que me defronto com a elaboração de resenhas de grandes calhamaços, como este de mais de 500 páginas, procuro estabelecer a melhor estratégia a seguir. Essa precaução se faz necessário ante as inúmeras informações existentes que devem servir como fonte para que o resenhista construa seu próprio texto.

Por essa razão, temos de filtrar as informações essenciais, aproveitando o essencial e desconsiderando o secundário. Esse filtro quem nos fornece é o próprio autor quando define as qualidades que deve ter o verdadeiro líder.

No entender do Henry Kissinger, o verdadeiro líder deve ser a ponte entre o passado e o futuro. Para isso, ele deve possuir dois atributos fundamentais: a coragem e o caráter. A coragem é fundamental no momento que líder apontar, dentre as várias opções existentes, o sentido do sistema político. O caráter é o ingrediente fundamental para manter a fidelidade dos valores ao longo do tempo.

Posto isso, julgo que facilito a vida dos leitores analisando sucintamente esses seis estudos de caso focalizados nas qualidades que o autor considera necessárias para o exercício da política na sua a mais sublime face: a da autotransformação.  E lógico: é sempre oportuno lembrar que se a resenha despertar seu interesse por algo a mais, o caminho é um só: compre o livro (ou peça emprestado) e leia-o por completo.

Joseph Goebbels e Adolf Hitler: os dois “riram” primeiro e perderam a guerra | Foto: Reprodução

O líder na reconstrução da Alemanha

Ninguém poderia imaginar que aquele rapaz de origem humilde chegaria aonde chegou.

Tal rapaz era filho de um modesto servidor público da cidade alemã de Colônia e de uma mal remunerada funcionária de banco que fazia bordados como forma de obter uma renda extra para melhorar o orçamento da família. Decididamente, os pais do personagem dessa história almejavam um futuro diferente ao filho. Resultado: a participação ativa dos pais, aliada à dedicação do rapaz, foi decisiva para o brilhante desempenho acadêmico que teve em uma das mais conceituadas universidade da Alemanha — a de Bonn.

  Concluído o curso de Direito, o jovem advogado entrou para a política e essa sedimentou o caminho para que esse jovem de origem humilde chagasse ao patamar jamais imaginado: eleger-se prefeito da cidade alemã de Colônia. A sua excelente administração, reconhecida pela sociedade, possibilitou-lhe, pela via democrática, sucessivas reeleições para o posto que deu visibilidade nacional a ele. O político a que me refiro, reconhecido internacionalmente, é o grande estadista alemão Konrad Adenauer.

No âmbito interno da política alemã, Adenauer mostrou ser um homem de coragem ao enfrentar, enquanto prefeito de Colônia, o poderoso chanceler chamado Adolf Hitler.

Como enfatiza o autor, um dos atributos da liderança é a coragem. Creio que o embate entre Adenauer e Hitler deu ao último uma vitória no curto prazo, mas, no longo prazo, a vitória caberia aquele primeiro. Posto isso, deixamos que o autor nos relate, com exatidão, o momento que o então prefeito de Colônia se contrapõe ao poderoso chanceler da Alemanha, o nazista Adolf Hitler:

“A primeira conduta nacional conspícua de Adenauer ocorreu devido à nomeação de Hitler como chanceler a 30 de janeiro de 1933. Querendo fortalecer sua posição, Hitler convocou uma eleição geral e apresentou ao parlamento alemão a assim chamada Lei de Concessão, suspendendo o Estado de direito e a independência das instituições civis. No mês subsequente à indicação de Hitler.

“Adenauer empreendeu três manifestações públicas de oposição. Na Câmara Alta Prussiana, à qual pertencia por direito enquanto prefeito-mor de Colônia, ele votou contra a Lei de Concessão. Adenauer recusou um convite para dar boas-vindas a Hitler no aeroporto de Colônia durante a campanha de eleição. E, na semana anterior à eleição, ordenou a remoção das bandeiras nazistas de pontes e outros espaços públicos de oposição.”

O episódio acima ajuda a entender a importância de que, na trajetória dos grandes líderes, a coragem é qualidade absolutamente necessária. Adenauer estava consciente do preço que pagaria caso Hitler assumisse algo que, de fato, veio a concretizar-se. O nazista austríaco chegou ao comando máximo do país. Uma semana depois, Adenauer foi afastado da função e duramente perseguido, ao ponto de não poder permanecer no mesmo lugar 24 horas. Nesse sentido, relata o autor que “o perigo nunca mudou sua rejeição a Hitler por tripudiar sobre o Estado de direito, que Adenauer considerava condição sine qua non para o Estado moderno.”

Por essa razão, volto a enfatizar o que disse antes. É inegável que, no embate Hitler versus Adenauer, este, no curto prazo, foi vencido por aquele primeiro. Por sua vez, no longo prazo, Adenauer seria, de fato, o vencedor. Os atos de coragem não passam despercebidos a uma sociedade tão crítica como sempre foi a desenvolvida Alemanha. (Fim da primeira parte)

Salatiel Soares Correia é engenheiro, administrador de empresas, mestre em Energia pela Unicamp. É autor de oito livros relacionados aos temas Energia, Política, Economia e Desenvolvimento Regional. É colaborador do Jornal Opção.