Gustavo Drummond retoma peso do Diesel em nova banda

01 fevereiro 2017 às 22h31

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Ex-vocalista e guitarrista da banda Udora fala sobre o Oceania, trio que começou a tocar junto em 2016 e acaba de lançar seu primeiro EP

“Someday I’ll dare to be myself again/And taste the way it’s meant to be (Um dia eu ousarei ser eu mesmo de novo/E sentir que é do jeito que deveria ser).” Esses dois versos de Someday, primeira música do EP de estreia da banda Oceania, de Belo Horizonte (MG), mostram um pouco do que parece ter sido o resgate de uma paixão pela música por parte do vocalista e guitarrista Gustavo Drummond. O registro antecede o lançamento do disco Beneath The Surface, previsto para ser lançado “assim que ficar pronto”, como informa Gustavo.
Ele era o instrumentista e compositor que liderava o grupo Diesel, iniciado em 1997, e que encerrou suas atividades pouco depois de lançar o disco Belle Époque (2011), já com o segundo nome do conjunto, que passou a se chamar Udora em 2002. Formada por Gustavo (voz e guitarra), Leonardo Marques (guitarra), Ian Dolabella (baixo) e Jean Dolabella (bateria), o Udora, ainda como Diesel, lançou um disco independente com o nome do grupo em 2000 que chamou a atenção no cenário alternativo da música brasileira.
O primeiro álbum da Diesel rendeu bons frutos. Vencedores do concurso Escalada do Rock, os mineiros ganharam direito a tocar no último dia do Rock in Rio 3, em 2001, na arena principal, o Palco Mundo. O quarteto, já com Thiago Correa, o TC, no baixo, tocou para 250 mil pessoas antes das bandas O Surto, Deftones, Capital Inicial, Silverchair e Red Hot Chili Peppers. Ali muita gente apostou que o grupo estouraria no cenário comercial do rock.
https://www.youtube.com/watch?v=JY4smnlcVzQ&t=146s
Aposta nos Estados Unidos
Com influência forte do grunge em seu som, a Diesel se mudou para os Estados Unidos depois de recusar ofertas de gravadoras nacionais para gravar um disco cantado em português. O nome teve de ser mudado por problemas com a marca italiana Diesel. Foi quando a banda passou a se chamar Udora. Esse não foi o único problema enfrentado pelos quatro mineiros. A regravação do disco independente, a pedido da J Records/BMG, acabou engavetada com alegações que não chamaria atenção do mercado da música.
O álbum Liberty Square (2005), com um lado que já flertava mais com o pop rock, mas mantinha um pouco do peso dos tempos do primeiro disco, foi lançado de forma independente nos Estados Unidos. Coincidência ou não, o nome em inglês do registro é o mesmo de um dos lugares mais conhecidos de Belo Horizonte, a Praça da Liberdade. O disco ganhou videoclipes para as faixas Fade Away e Pieces. A música, que na internet ganhou o título Nova, nunca chegou a ser lançada pelo grupo.
A canção The Beautiful Game, que abre o álbum, ganhou destaque em 2013, quando a ESPN internacional a escolheu como tema da Copa das Confederações em vinhetas da emissora.
https://www.youtube.com/watch?v=Cy1BidU4cIQ
Volta ao Brasil
Em 2006, depois de muitas dificuldades para emplacar nos Estados Unidos, a Udora volta a morar na capital mineira e lança uma pré-produção independente do disco Goodbye Alô (2007), que ganhou uma versão repaginada com algumas letras modificadas, que foi lançada no ano seguinte pela Som Livre.
A volta para o Brasil marcou a saída do baixista TC e do baterista Jean Dolabella. A mudança de integrantes na Udora nunca foi muito bem explicada e ficou cercada de boatos sobre o que motivou o desentendimento entre os dois músicos. No lugar deles entraram PH na bateria e Daniel Debarry no baixo. Jean tocou no Sepultura de 2006 a 2011 e hoje é baterista da Ego Kill Talent. TC é um dos vocalistas e músicos da também mineira Transmissor ao lado do guitarrista Leonardo Marques.
Parte dos fãs, que já havia questionado a opção por um som cada vez mais pop e letras em português, criticou o que chamaram de queda de qualidade musical. Uma das canções mais criticadas por quem ouvia a banda há mais tempo foi Goodbye Alô, que se tornou uma releitura em português de Redhead Saint (3 of a kind), do primeiro disco, ainda com o nome Diesel.
Ruim ou não, a Udora garantiu um contrato com um grande selo nacional e conseguiu emplacar duas canções em temporadas diferentes da novela adolescente Malhação, da Rede Globo. A primeira delas foi Quero Te Ver Bem, que não fazia parte da primeira versão do disco Goodbye Alô. A segunda música a ser executada na trilha sonora da programação do canal foi Pelo Menos Hoje. Por Que Não Tentar De Novo foi o primeiro videoclipe dessa nova fase da banda.
O guitarrista Leonardo Marques deixou a banda e foi substituído por Marcelo Mercedo. Com apenas Gustavo da formação clássica da banda, veio o disco Belle Époque, que teve pouca divulgação. Mais preocupado com a faculdade de Direito e em dar novos rumos na vida profissional, o vocalista preferiu deixar a banda um pouco de lado.
Volta à música
Em 2016, Gustavo começa a lançar vídeos das quatro músicas que entrariam no primeiro EP do novo projeto musical com o baixista Daniel Debarry e o baterista Tulio Braga, apresentado por Debarry ao vocalista e guitarrista.
As já divulgadas na internet Someday, que ganhou um ao vivo no estúdio em junho do ano passado, ainda com o baterista Tiago Eiras, The Enemy, com direito a videoclipe em setembro de 2016, Far Beyond Control, segundo clipe da banda, esse de novembro, e o lyric video de Say The Word viraram as músicas que integram o primeiro registro de estúdio da Oceania.
Já em Someday é possível notar um resgate do peso do primeiro disco da Diesel/Udora, lá de 2000. Tanto na letra de Someday quanto em The Enemy, tudo parece girar em torno de alguém que se reencontra depois de muito tempo. O refrão da segunda delas deixa isso bem claro: “Just take upon yourself/To see it for yourself/And realize I´m not the enemy/Just realize I´m not the enemy (Só se debruce sobre você/Para ver por conta própria/E perceba que eu não sou o inimigo/Apenas perceba que eu não sou o inimigo)“.
Na sequência do EP, Far Beyond Control também mostra um Gustavo que se redescobre musicalmente sem a pressão do sucesso de antes. A primeira estrofe descreve uma pessoa que desafia aqueles que desconfiaram e sempre ditaram o rumo das coisas na vida dele. “Upon the edge of the world I’ve waited/To kill the echoes of misbelief/Safe from the sound of a thousand voices/Swaying wherever the wind blows (Na beira do mundo eu esperei/Para matar os ecos da incredulidade/Salvo do som de um milhão de vozes/Balançando para onde o vento soprar).”
A explicação do próprio Gustavo sobre a música em sua vida atualmente vez na descrição do lyric video de Say The Word: “A letra fala dessa retomada da música visceral em minha vida, sem qualquer compromisso com nada de ordem pragmática, exceto a satisfação espiritual que a música me traz.”
Se você chegou até aqui e ainda tiver pique para ler mais, confira abaixo a entrevista que o 365 Shows fez com o vocalista e guitarrista Gustavo Drummond sobre sua carreira, vida pessoal e o Oceania.
Entrevista | Gustavo Drummond

O que aconteceu com o Udora depois do lançamento do disco Belle Époque?
O Udora encerrou suas atividades pouco após o lançamento do Belle Époque. Havia um sentimento de esgotamento de minha parte e não me dediquei tanto à divulgação desse álbum como nos outros.
Você chegou a anunciar que se dedicaria a uma nova carreira. O que aconteceu com você desde que o Udora parou as atividades?
Um dos motivos que me fez desacelerar as atividades do Udora foi a então iminente conclusão do curso de Direito. Eu estava nos últimos períodos, envolvido com estágio, trabalho, cursos paralelos e a elaboração do TCC. Obtive o grau de bacharel em junho de 2013 e o título de especialista em Direito Tributário pouco depois. Desde então venho trabalhando como advogado e atualmente sou procurador de uma empresa estatal do Estado de Minas Gerais, após aprovação em concurso. Apesar de a música ser minha grande paixão e vocação original, tenho muito apreço pela ciência jurídica e gosto genuinamente do meu trabalho no dia-a-dia. Nesse ínterim, também me casei e tive uma linda filha no ano de 2014.
O que te motivou a montar uma nova banda, inclusive com o Debarry, que participou da última formação do Udora?
A maior motivação foi ter finalmente alcançado uma certa estabilidade financeira, propiciada pela carreira jurídica. Uma vez que essa questão se consolidou, senti uma liberdade enorme para voltar a cultivar minha relação com a música, sob uma dinâmica mais pura, visceral e, sobretudo, sem pragmatizar minha música para que gerasse resultados práticos no mercado fonográfico. O Debarry é um baixista muito talentoso e também um amigo muito próximo, com quem tenho muita história, além de ser um grande conhecedor e incentivador do meu trabalho musical.
Como você chegou ao baterista Tulio Braga? Já o conhecia?
O Tulio foi uma indicação do próprio Debarry, que já o conhecia. Eu o conheci no primeiro ensaio e desde logo já tivemos uma ótima sinergia. Os arranjos que ele fez para o Beneath The Surface me agradaram muito.
O EP do Oceania, apesar de menos pesado do que o disco Diesel, tem um pé na primeira fase do Udora, antes mesmo da mudança do nome da banda. Esse é o som que você gosta de verdade ou a fase pop em português do Udora também te agradava?
Em todas as fases de minha trajetória musical eu sempre busquei um objetivo: escrever canções que me parecessem boas, nas esferas melódica, harmônica, lírica e rítmica. Independentemente da vertente estilística, leve ou pesada, é possível constatar que há uma linha mestra, uma assinatura que reflete essa intenção. Isso está presente em todos os álbuns que escrevi. O Oceania, no meu modo de ver, é a soma de todas as experiências que vivenciei no passado, aliado ao desejo de propor algo novo, diferente, com os olhos focados no futuro, sem perder a característica já tradicional de buscar acordes, afinações e melodias inusitadas. Eu tenho muita satisfação de escutar todos os álbuns que já produzi e a experiência de cantar em português foi muito gratificante. Como já disse, o Oceania é uma banda despretensiosa do ponto de vista mercadológico, o que gera uma boa dose de espontaneidade, pois não há expectativa alguma com relação à receptividade externa. Ou seja, o Oceania faz um som que reflete exatamente minha visão musical atual, com peso, melodia, boas letras e com uma certa dose de experimentalismo. Ao mesmo tempo, gosto de muitos estilos musicais diferentes e resta aguardar pra saber pra onde a criatividade vai apontar no futuro, seja em português ou inglês.
Como estão os contatos para fazer shows com a Oceania? Existe um interesse seu em viajar com a banda pelo Brasil?
Já fizemos alguns shows em Belo Horizonte e estamos dispostos a fazer viagens, turnês etc. Estamos trabalhando com uma grande produtora de BH chamada Quente e esperamos poder nos apresentar com uma boa frequência.
O primeiro disco da Oceania já teve o nome divulgado: Beneath the Surface. Tem previsão de quando pode ser lançado? Pretende lançar de forma independente ou já há algum selo disposto a divulgar o material?
Sim. Beneath the Surface será o nome do álbum. É um nome que reflete bem meu estado de espírito atual. Estou muito feliz por fazer parte de uma banda que está “debaixo da superfície”, criando canções que nos agradam e aos fãs que nos acompanham somente pelo conteúdo musical, longe dos holofotes. Esse descompromisso gera uma espontaneidade que muito nos agrada. Quanto às gravações, estamos na reta final. Assim que ficar pronto, lançaremos na internet. A ideia é fazer tudo de forma independente mesmo, com ajuda dos amigos e profissionais que compartilhem desses ideais de “slow life”, o que não impede de surgir uma situação interessante com algum selo. A ideia é que estejamos abertos às oportunidades que surgirem, serenamente.
O Beneath the Surface vai ter quantas músicas? Além das quatro que saíram no EP, quais são as outras que estão prontas? O que você pode adiantar desse trabalho?
Serão dez músicas ao todo, incluindo as quatro que já foram lançadas. É um álbum que me encanta. Sentimos que há uma aura especial sobre ele, oriunda desse momento leve que vivemos. É a proposta de fazer um rock honesto, minimalista, visceral, com letras que falam da vida em geral, filosofia, questionamentos e experiências. Tenho muito orgulho de todo o processo criativo que permeou esse disco.
Você disse que tem mais de 200 composições. Parte desse material será usado na Oceania? O que pode virar outro projeto e o que vai ficar guardado?
Composição musical é minha missão nessa vida. É um processo de imersão e expansão de limites que me ensina muito, molda meu caráter e minha visão de mundo até hoje. Realmente existem muitas canções, muitos estilos, muitas coisas que não foram lançadas. Algumas podem ser até usadas no Oceania. Veremos… Tenho um outro projeto de synth pop com o PH, ex-baterista do Udora, que é muito bacana também, tem também meu disco acústico que até hoje não lancei…
Quem era o Gustavo do Diesel, o que pensava o Gustavo do Udora e como você pensa a música na sua vida hoje? O que mudou na sua forma de tratar a música?
Apesar dessas mil andanças em quase 20 anos de carreira, minha busca pessoal continua exatamente a mesma até hoje: criar música que agrada meu espírito em primeiro lugar. Meu modus operandi na época do Diesel era similar ao atual, no sentido de não ter o menor compromisso com as sazonalidades da indústria fonográfica. Na época do Udora, isso mudou um pouco, pois comecei a buscar um equilíbrio entre o risco criativo e a necessidade de que isso gerasse frutos, até mesmo para viabilizar uma carreira sustentável e longeva. Era o objetivo da época, compartilhado por todos. Hoje, como já explicado, o Direito resolve meu problema de custeio da sobrevivência minha e de minha família. Com isso, me tornei absolutamente livre novamente na esfera musical e, consequentemente, sinto que houve uma “purificação” do meu processo criativo e meu compromisso se tornou única e exclusivamente voltado à satisfação de meus impulsos como artista.
Da história de banda vencedora do Escalada do Rock e o show no Rock in Rio de 2001 ficou alguma frustração do que aconteceu com a Diesel/Udora depois daquela apresentação? Você esperava que a banda tivesse ficado conhecida?
Todos nós tínhamos grandes expectativas na época. Algumas foram concretizadas, outras não. Éramos jovens, cheios de sonhos e sem nada a perder. Fomos para Los Angeles e assinamos com uma grande gravadora (J Records/BMG), tendo como preceptor uma lenda da música americana (Clive Davis), que via muito talento em mim enquanto compositor e conceitualista. Infelizmente não foi possível concretizar todas essas expectativas, mas eu prefiro enxergar que o sucesso, pelo menos pra mim, veio de outras formas, em âmbito pessoal e humano, não necessariamente na acepção tradicional, na adoração de milhões de fãs etc. A vida acontece e a gente precisa se recriar a cada dia. Hoje sou marido, pai, arrimo de família etc. A perspectiva do mundo é outra…
Nunca ficou muito bem explicada a saída do Jean Dolabella e do TC do Udora. O que de fato aconteceu?
Certas coisas não precisam de explicação fora do âmbito de quem vivenciou o momento. Fato é que houve um desentendimento de ordem pessoal entre eles e não cabe a mim discorrer a respeito publicamente. Já ficou no passado e penso que é melhor falar mais de música e menos de vidas pessoais…
Como está sua relação com o Jean, Leo e o TC? Chegou a ouvir os discos da Transmissor (Leo e TC) e o material já lançado da Ego Kill Talent (Jean)?
Voltei a me relacionar com o Jean há dois anos mais ou menos, coincidentemente ao período em que minha filha nasceu. Houve uma reaproximação saudável e até ensaiamos juntos algumas vezes em BH, inclusive com o Ian Dolabella (baixista original do Diesel), mas não foi possível levar nada adiante pelo fato de morarmos em cidades diferentes (BH e SP). Tenho o Jean como um grande parceiro. Nossa afinidade musical é imensa até hoje… O Léo é um grande amigo também. Guardo muitas lembranças bonitas da nossa convivência. Apesar de ambos morarmos em BH, temos encontrado muito pouco (infelizmente), pela dinâmica da vida mesmo. O TC foi com quem menos convivi desde que voltamos dos EUA em 2006, mas também tenho grande estima por ele. É uma figuraça, com um grande coração. Quanto às bandas, ouvi o Transmissor na época do lançamento do primeiro disco e o Ego Kill Talent fui conhecer há pouco tempo no Youtube. São trabalhos muito competentes, que certamente refletem em boa medida as personalidades e intenções dos compositores.
Com o Oceania o que você pretende fazer diferente do que aconteceu com o Diesel/Udora?
Não pragmatizar, não planejar, não matematizar absolutamente nada e não permitir que esse “mundo externo” contamine essa visão romântica da música.