Goiânia tem o único bar dedicado a comédia do Centro-Oeste

10 novembro 2019 às 00h00

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Com grandes comediantes dividindo espaço com iniciantes regionais na programação, o Guardians Comedy Club se tornou um centro da cena de humor no Centro-Oeste

“Não tem réveillon no Brasil melhor do que o de Fortaleza. Na praia de Iracema, de graça, um monte de banda boa, é só chegar que a festa já está rolando. Para quem tem aquela mentalidade de ‘ano novo, vida nova’ é o melhor lugar para ir. É tudo novo, celular novo, carteira nova, tênis novo. Você começa o ano do zero. Às vezes até vida nova, nunca se sabe o que pode acontecer por lá”. Moisés Loureiro.
Como mostram o professor de psicologia Peter McGraw e o jornalista Joel Warner no livro “The Humor Code” (Simon & Schuster, 2014), a maioria das pessoas pensa que é engraçada, mas na verdade não é. A dupla usou investigação científica em uma road-trip por comedy clubs na tentativa de encontrar o cerne do que causa a risada. O mecanismo encontrado pelos autores aparece nos melhores programas de TV, filmes e livros de comédia, e pode ser bem percebido quando se assiste a um comediante “nu” em frente ao público, armado apenas de seu texto e microfone, sem truques ou onde se esconder.
As melhores piadas, McGraw e Warner afirmam, estão na tênue linha entre a expectativa e surpresa, a ofensa e segurança. Gostamos de ser instigados a pensar por novos ângulos e de ser confortados pela reafirmação de que não somos os únicos a passar por uma situação patética. Por isso, a característica que faz uma pessoa ser engraçada tem a ver com resistência ao desconforto, um talento raro, que corresponde à capacidade de investigação de temas desagradáveis ou dolorosos – ou, como afirma Louis CK, “comediantes são os filósofos de hoje em dia”. Também é por isso que o último trecho da apresentação de Moisés Loureiro no Guardians Comedy Club, em Goiânia, funcionou tão bem.
Moisés Loureiro finalizou seu solo no dia 7 de novembro com um texto sobre colonoscopia. Em dez minutos o comediante compartilhou a experiência que lhe tirou noites de sono por preocupação. Em um monólogo que dá a ilusão de conversa de bar, Moisés Loureiro vai da humilhação frente à enfermeira bonita para a insegurança masculina, passando por tabus da sociedade e pelo sofrimento enfrentado por minorias, tudo a partir de uma situação cotidiana. Mas o que mais impressiona é perceber a ansiedade da sala cheia para ouvir uma história sobre colonoscopia, e escutar desconhecidos rindo juntos de temas sérios, controversos e embaraçosos.

“Faço comédia stand-up há dez anos”, disse Moisés Loureiro em entrevista antes do show. “Tenho a sorte de ter nascido no Ceará, a terra do humor. Quem quer fazer comédia e nasce no Ceará já tem meio caminho andado: Renato Aragão, Chico Anysio, Tom Cavalcante, Tiririca, Ciro Gomes. Como Fortaleza é uma cidade muito turística, visitantes chegam querendo ir a um forró, a uma praia, a um show de humor. Isso criou uma demanda de mercado. O primeiro comedy club do Brasil fica em Fortaleza, o Teatro do Humor Cearense, que existe há quase 20 anos”, afirmou ele.
O restante do Brasil não tem tanta sorte. O único comedy club do Centro Oeste é o Guardians Comedy Club, aberto há três meses, em Goiânia. Existem pubs que eventualmente recebem humoristas ou que realizam acontecimentos de comédia, mas, segundo Moisés Loureiro, nada substitui a importância de um espaço exclusivamente dedicado ao stand-up, onde o público pode se familiarizar com o gênero e comediantes podem testar piadas novas.
“Fortaleza mudou muito quando abriram as casas de stand-up”, afirmou o comediante. “Até hoje, em lugares como o Teatro do Humor Cearense, que é uma casa que tradicionalmente recebe humoristas que fazem personagens, ainda tenho de explicar o que é o stand up. Não tenho dúvida que a abertura do Guardians vai mexer com a cena goiana de comédia. É um primeiro passo para quem gosta de consumir humor e para quem pensa em trabalhar com isso.”

Ramiro Braga de Castro, que com o sócio Marx Willian é proprietário da casa, afirma que a casa começou como um empreendimento mais tradicional, já tendo sido um pub de música. “Foi meu sócio, o Marx, quem teve a ideia de fazer uma noite de stand-up, só para testar. Começamos a fazer de 15 em 15 dias. Logo eu tinha certeza de que iríamos virar uma casa só de comédia.” Além da aceitação do público, Ramiro Braga de Castro afirmou que o retorno dos comediantes goianos também o impressionou. Atualmente, são cerca de 16 em atividade que se apresentam em diversos sub gêneros do stand-up, desde especiais solo até noites exclusivas para testes de piadas.
Luiz Titoin é um dos goianienses que se apresentam no club com frequência e que se interessou pela arte ao assistir a um stand-up ao vivo. Ele afirma que há três anos estudava para passar em medicina e que estava muito estressado, quando decidiu assistir ao show de comédia para se distrair: “Lembro até hoje do set. Era o Rodrigo Marques, Patrick Maia e Luca Mendes. No final do show, o Eduardo Castilho disse que abriria o microfone para nossos comediantes que quisessem tentar e eu falei, quero fazer isso aí.”
Então, por conselho de humoristas profissionais, Luiz Titoin começou a se apresentar “na coragem”, como afirmou. “Logo entendi que, como tudo na vida, você tem de estudar. No início coloquei a cara e tentei fazer, o que foi a melhor coisa para mim, mas no decorrer da carreira fui estudando, lendo, fazendo cursos e workshops”. Logo, Titoin começou a abrir shows de outros humoristas em diversas cidades. Segundo Ramiro Braga de Castro, esta é a importância de um local cativo para a comédia. “Toda noite com um grande comediante é um workshop”, disse ele. “É sempre um aprendizado que vem à Goiânia toda semana”.
Moisés Loureiro complementou afirmando que, ao longo dos quinze anos de história do stand-up brasileiro, os comedy clubs desenvolveram o gosto do público pelo gênero e permitiram o aprimoramento das próprias piadas dos comediantes. Durante oito de seus dez anos de carreira, Moisés Loureiro manteve o mesmo texto, mas recentemente tem sondado novas piadas graças ao espaço que encontrou nas noites de teste. Lentamente, essa forma mais singela de filosofia vem crescendo no Brasil.