Com direção da compositora Tainá Pompêo, o múltiplo show “Flores de Goyá” pretende encantar pela mistura-integração qualitativa das artes

Tainá Pompêo, diretora do múltiplo show "Flores de Goyá"
Tainá Pompêo, diretora do múltiplo show “Flores de Goyá”

Yago Rodrigues Alvim

E vem
Paisagem minha,
Me traz
O meu Goyá…
Na areia,
Um mar de cores,
Na voz de suas Flores

Barra Branco, Eugênia Sá. Oliveira, Vieira Guerino. Tavares, Serrano Moura: Pompêo, à Goyá. Delicadamente, vem. Vem em canto-cor, a luz que clareia paisagem ancestral. O mar de cores se deita na areia. Chega ela, com celular silente. Rápida, elétrica: é Tainá. Afinal, dia de produção. Co­mo cata-vento, indicou-me a direção que deu à tão finda arte, Flores de Goyá.

Veio no corpo, genética, um “q”. Foi o que disse. Logo o avô, tão próximo, nomeia o teatro de terras próximas, Pirenópolis. Enquanto aqui, terra goiana, sentamo-nos à mesa do jornal. Foi ali que surgiu a paixão pela arte, com as raízes do avô. Dos parentes músicos, compositores de ritmos, de uma orquestra. Depois, em casa ao escutar “música e educação física não são profissões; tem de ser administradora, engenheira”, o desejo, guardado, quis aflorar.

Tainá Pompêo é formada em engenharia civil. Assim, “consigo me bancar de modo que eu mande no meu tempo e vou dividi-lo para realizar um sonho”. Sonho que veio se formando em “Flores”. O pai, René Pompêo, é engenheiro eletricista. Daí talvez, também ancestral, a paixão por exatas. Não foi tempo perdido. A jovem guinou-se à economia, mais ao mercado financeiro e à construção. Hoje, trabalha em dois lados, caminha na dualidade humana, e se realiza muito.

É ela mesma quem pôs música nas letras que escreveu. E não só, pois, “quando crio, já penso no todo. Música, imagem das cantoras, encarte do CD, como isso será nos palcos; cada música já me remete a uma cor, a um efeito, então, parece que já vem pronto, desenho completo. É como um filhinho meu e você conhece o que o seu filho quer, o jeito dele. Aí, eu comecei a ousar”.

E foi assim que começou “Flores de Goyá”: ousada e criativamente. Tainá quis cadenciar o sonho, pô-lo no tempo e, destarte, se fazer bem, pessoalmente. “Eu pretendo fazer um projeto como compositora. Eu quero deixar um marco na cultura, aqui, para os meus filhos.” Nada de pretérito imperfeito, conjuga hoje seus quereres num pretérito concreto, perfeito. Gravaram o primeiro disco. Ao lado de quem?

Das Flores

Eram sete flores, e mais uma a quem dedicou a gravação: “mamãe Sandra”. O canto era de Maira Eugênia, Débora di Sá, Vanessa Oliveira, Taís Guerino, Bia Tavares, Karine Serrano e Bel Maia. O léxico musicado por Tainá. Logo, a vontade de uma apresentação de lançamento. “Um showzinho, pequeno, para família. ‘Ah!, mãe, vai lá ver, para não ficar vazio’.” Faltaram cadeiras. Cadeiras para duas vezes a capacidade do teatro. Pessoas assistiram transmissão simultânea, outras tiveram de ir embora.

Na manhã seguinte, aquele envolvimento, “aquela coisa tão mágica”, fora o assunto na capital. Perceptível fora a reação, a conversa, ao carinho, ao zelo, “a cara diferente que o ‘Flores’ tinha”. Pompêo, a filha, pôs em ponto “eu prezo muito pela qualidade”. Na arte, se incomoda com a crítica despreocupada: “Não tem arte, não tem incentivo, isso, aquilo”. Quando não nos conhecemos, não nos prestigiamos.

A compositora estava no Rio, na época em que as raízes trouxeram-na para casa, para pequeno o show no qual, após as luzes apagarem, foi um custo para que o celular ficasse como estava na mesa: silente (por mais que, por dentro, chamadas e mensagens estatelassem por entre os cabos até se depararem com a tela que não brilhava, com o ruído que não soava).

“Flores II” já era burburinho no pensamento. Não deu para produzir os pedidos que surgiam. Foi um ano de muito trabalho e, sem se dar conta, a letrista foi ampliando os laços artísticos-profissionais. “Goiâ­nia, vamos nos reunir, pois temos bons artistas? Vamos fazer isso acontecer?”

Na mistura de poesia e instrumentos afináveis, vozes femininas afáveis, misturou aquarela com areia: literatura, música e canto, artes plásticas e, no agora, a dança. As moçoilas de nossa terra foram dando cor às letras. O livreto, que é o carinho/encarte do CD, revela a direção que o vento tomou.

“Te amo — há mais de um segundo/A sós….” São as últimas palavras que canta Nila Branco. A canção é íntima, subjetiva “que teve intuito de deixar dúvida e abre caminho para tantas interpretações”. Por isso Tainá a escolheu para abrir o álbum: “uma música que te deixa instigado. ‘E aí, acabou?’”, explica ou não, pois prefere “deixar aberto para suas [caro leitor e ouvinte] interpretações”.

O mar segue nas outras páginas e se estatela no ardor do sorriso d’outro, a quem tentamos, em choro, fazer feliz. É Eugenia, a flor Maria. A primeira. Daí, conta a compositora, as composições têm uma característica curiosa, fugidia aos diários que se transformam em arte ou produto, atualmente. “Não são biografias. São temas que me inspiram. Raramente uma música minha é, de fato, algo que vivi. O que mais me inspira é o que eu vejo o outro vivendo. É uma história que um amigo contou, uma história que eu ouvi em algum lugar, algo que imaginei.”

Vem Oliveira, com Cara ou Coroa e lança o primeiro vídeo, outro produto do projeto Flores. Saltemos, por enquanto, Bailarina. A próxima canção Nila, depois, Oliveira. Sobre “Me Parece”, disse a criadora, “super acredito”. Super acredita no querer se apaixonar. “Às vezes têm umas paixões que são mais incríveis por já terem uma amizade ali. Ou mais complicadas.”

O baile alecrim

É mexicana, e chegou. Veio nas “boas-vindas”, na voz de Débora di Sá, escrita por Tainá. Por agora tê-las no “Flores”, compôs uma música para elas: “Bailarina”. Da cultura de outro país, experiência. Em conversa, se acordou a ideia: uniu-se dança contemporânea ao projeto.

“Foi bem legal, eu ensaio de manhã com a Lunna Gomes”, disse Martha Cano, a mexicana. Tudo está pronto. Coreografia, figurino. “Ah, pra que tanta beleza?” para os olhares apaixonados por onde dançam Lunna e Martha. “Meu corpo já sabe por onde ir.”

A rotina é rígida. São longos ensaios. As moças se dedicam à Quasar Cia. de Dança, na qual Tainá é, também, produtora. Já faz dez anos que o corpo de Martha dança, coreografa. Lunna voltou para cá, terra goiana, este ano. Fora convidada para fazer música em Sampa. O salto, “Bailarina”, cai aqui, no “bonito” de Martha por poder dançar “Flores”, se sentir em casa, desamarrando o literal clássico, o contemporâneo, sem fugir do baile.

As principais vozes femininas da música em Goiás estarão no múltiplo show "Flores de Goyá", no sábado, 12 de abril
As principais vozes femininas da música em Goiás estarão no múltiplo show “Flores de Goyá”, no sábado, 12 de abril

Bandeira

Ergue-se, dúbia, “uma elegante revolta”. Além da voz de Maria Eu­gênia, “não quero, não quero! Não calo, eu falo”, “Flores” é feminino. No primeiro álbum, Taís Guerino embalou marchinha, “bem mais direta”, constata Tainá. A revolta é contra a corrupção. “Eu tenho, dentro de mim, uma revolta tão grande em ver pessoas passando fome e outras roubando milhões. Se nós temos a oportunidade, por menor que seja, de sermos ouvidos, temos que aproveitar para deixar algo de bom para sociedade” e foi por intermédio da música que Tainá gritou: “Não vendo, não voto, não quero ilar”.

Esse é o intuito em “Flores”, um grito “para dizer ‘vamos lembrar do próximo?’”. O projeto é bandeira. “Sou super feminista. As mulheres têm uma delicadeza, uma sensibilidade artística e um conjunto de mulheres consegue atingir um nível de sensibilidade altíssimo [ou ainda “altississíssimo”, para dar conta da exaltação]. Tainá brinca ainda com a querença de uma banda composta só por mulheres, ainda que só tenha, hoje, homens. “Um dia eu ainda vou montar uma banda e fazer um palco assim, só de meninas e os cravos darão um pulinho ali apenas para dar o ar da graça”, diz, entre risos.

Em terra de sertanejos, pergunta: “Brasil, você conhece os homens goianos, agora vamos conhecer as mulheres?”. Tainá constata o machismo espalhado pelos continentes. Aqui, “parece que sempre se lançaram homem, sempre o masculino” e, talvez, por apenas por isso, as cantoras já saem prejudicadas. “Não estamos no sertanejo, ainda assim fazemos música do mesmo jeito” explica o sentido de dizer: “Nós também temos mulheres, aqui. Artistas”.

Os Cravos (as homenagens)

Por mais que seja feminino, há cravos no projeto. Eles dão o ar da graça. Além de TomChris, o primeiro cravo a cantar no projeto, vale destacar alguns ou dois, mais especificamente: o “vovô” do “Flores”, Amaury Menezes, e o convidado de areia, Auriovane D’Ávila. A querença de Tainá e todos que se entrelaçaram ao projeto era a estabilidade como “algo delicado, feminino, leve e a pintura em aquarela traz uma leveza, uma paz e o Amaury é um dos maiores aquarelistas”. Foi assim a escolha em 2012, na primeira apresentação. No II, no intuito de ousar trouxe: areias aquareladas.

A artista preocupa-se em não seguir a “fórmula do I”. “Deu certo, ‘ah!, vamos seguir a fórmula, vamos girar a máquina’, aí perde a graça, foge ao coração. O II é diferente, vai ousar, tem músicas mais introspectivas e tem axé e pisa em caminhos diferentes”, conta Tainá, afinal, “estamos aqui por amor à arte, porque ainda acreditamos”. Com esse querer, vê-se no encarte um quadro de aquarela e um quadro de areia para cada música.

Flores de Goyá. “Temos que lembrar que estamos aqui. Já homenageamos lugares, paisagens. Tem a canção Pirenópolis, em que falo muito do cerrado, das cachoeiras, do nosso Goiás, cerrado goiano. Agora, vamos homenagear pessoas” — e assim teceu Tainá, in memoriam, “E agora, Goiandira?”. Artista plástica incrível, única, admiradíssima, como adjetiva a compositora, Goiandira inovou com a técnica de pintura em areia.

Por ela, Auriovane se apaixonou e fez seu caminho, sua procura por estilo próprio. Antes, arriscou no Surrealismo, Impressionismo, preto e branco, carvão, xilogravura até encontrar areias. Foi no ateliê de Goiandira que, em visita, se encantou. “É uma técnica desafiadora, diferente, difícil de realizar, o que me deu uma faísca.” E, por isso, deu continuidade aos passos da artista homenageada e daí que surgiu o convite para ser Cravo.

Ao lado de Amaury, junta-se as duas técnicas: “Areias Aqua­re­la­das”. A ousadia também se fez pre­sente no processo criativo de Auriovane, que após o ensino formal na capital, se desprendeu e brincou com a poesia e suas interpretações. Ainda sem a música, sem o ritmo, se envolveu e se viu feliz quando as escutou, por conversar com as canções. “Eu consegui mesmo sem saber o ritmo, consegui colocar dentro das cores, por exemplo, em ‘Areia-Xé’ [interpretada por Larissa Moura]. É uma música mais quente e traz o ritmo do axé e eu utilizei cores bem vivas”, assinala.

O artista vive na Cidade de Goiás. “Não dei conta do movimento excessivo da capital”, conta. Aqui, mostra seus trabalhos e voa longe, já expôs obras até em Lisboa e assim vai solidificando sua trajetória. Vai misturando os tons sutis, das difíceis areias encontradas, com o preto, o “pó de terra”, dando vida ao seco, ao frio, que se banha n’água de Amaury.

Por discordar da ideia de se homenagear as pessoas só depois que morrem, Tainá começou a homenageá-las em vida. Em faixa oculta, “Poema para Amaury Menezes”, fez surpresa ao aquarelista. “Eu, que não sou recitadora, nada disso, ousei criar, timidamente, um poema para demonstrar o que saía de mim e ele sentiu isso, esse carinho que eu, que o Flores tem por ele.”

Com os poemas de José Mendonça Teles, escritor e pesquisador goiano, Tainá mostra carinho a Goiandira e Amaury e a ele mesmo, o escritor — “graças a Deus, vivo!”. Do avô, nome de teatro em Pirenópolis, Tainá homenagearia até no III. “E agora, poeta?” é poema de Jerônimo Geraldo de Queiroz, o avô da compositora. A décima flor, Honorina Barra, recita a homenagem. E, assim, se ouve falar sobre pessoas que de longe conhecemos, escutamos algo, algo sobre essas “pessoas queridas”.

O nascimento

Sem formação musical profissional, Tainá desenvolveu seu lado artístico, o outro flanco de sua dualidade. “Fui mais pelo instinto. Não sei explicar o que te inspira, o que te motiva.” A diretora artística se avalia como muito organizada. “Hoje, minha agenda é produção. Eu falo rápido, sou elétrica. Outro dia, eu ponho o telefone [completamente] no silencioso. É criação. Eu me concentro pr’aquilo. Estou fora do mundo.” E assim caminha entre o desgaste, problemáticas desmotivadoras da produção e a inspiração para criar coisas lindas. Razão e sensibilidade.

Pelo caminho, aprendeu, com a produção de shows das cantoras, a desenhar a luz. Não é iluminadora, admite. No espetáculo, faz questão de dirigir o vídeo e a luz. Assim, concretiza as ideias que formula lá no início, quando arte ainda é um fiapinho. Por fim, um espetáculo com um todo: “O esquema de artes visuais que vamos montar, aquilo tudo vai se unir e vocês [público] verão um palco mágico em que areia e aquarelas se tornam uma coisa só, um mundo areia aquarelado”.

A expectativa está a mil. Está legal. Está aquela correria desesperadamente boa. Apenas no domingo, 13 depois do espetáculo, é que Tainá poderá explicitar os próximos passos. Do DVD, explorar o material que será produzido. A dificuldade em compactar “Flores” é uma realidade. Há propostas para viajar com shows menores. Só que a jovem prefere “fazer um super show!, se reunir” e diz que, “a partir do momento que começar a fragmentar e fragmentar demais, ‘Flores’ deixa de ser um projeto de artes integradas e passa a ser mais um show”. Tainá quer unir nichos, pensa até no teatro, pois já há poesia, música, artes plásticas, visuais e dança. Por fim, diz: “Eu tento trabalhar com ‘Flores’ completo”.

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Nos sábados de outono, “aquelas mulheres, aquela equipe, aquela bagunça, com uma energia ótima, viram uma família”. Família de flores. São Barra, Branco, Eugênia, Sá, Oliveira, Vieira, Guerino, Tavares, Serrano, Moura, Pompêo, Tom, Teles, Couto, Queiroz, D’Ávila, Menezes, Goianos. Uma primavera ancestral, no mês de abril, para tocar não só olhos, pois se está vendo, não só com os ouvidos, pois se está ouvindo, e sim tocar com o coração. “Eu te dou minha palavra.”