Filha de Alice Munro denuncia que sofreu abuso sexual do padrasto. A escritora não a apoiou

10 julho 2024 às 19h04

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Um escândalo do Canadá se tornou um escândalo mundial com as revelações de Andrea Robin Skinner, filha da Nobel de Literatura Alice Munro.
De acordo com Andrea Skinner, num artigo publicado no jornal “The Toronto Star” (domingo, 7), seu padrasto, Gerald Fremlin — marido de Alice Munro — abusou sexualmente dela quando tinha 9 anos de idade, em 1976. Ele tinha mais de 50 anos. No Brasil, a denúncia saiu na BBC News Brasil.
Quando Alice Munro não estava em casa, Gerald Fremlin abusou da criança. O geógrafo “subiu na minha cama e abusou sexualmente de mim”, afirma Andrea Skinner.
Anos depois, avisada por Andrea Skinner, Alice Munro chegou a sair de casa. Mas depois voltou e viveu com o abusador até ele morrer, em 2013, alegando que o amava. A contista, conhecida como Tchékhov da América, morreu este ano, aos 92 anos. Ela escreveu sobre o mundo das mulheres e meninas com delicadeza e sutileza.
“Nunca quis voltar a ver outra entrevista, biografia ou evento que não tratasse da realidade do que aconteceu comigo, e do fato de que minha mãe, ao se deparar com a verdade do que aconteceu, decidiu ficar com meu abusador e protegê-lo”, sublinha Andrea Skinner.

Logo depois de ser abusada pela primeira vez, Andrea Skinner alertou sua madrasta, Carole Munro. Esta contou ao pai de menina, Jim Munro. Este decidiu, na época, não confrontar Alice Munro. Andrea Skinner tinha receio de reação de sua mãe. “Ela havia mencionado que Fremlin gostava mais de mim do que dela própria, então pensei que ela me culparia se descobrisse.”
Em 1977, mesmo avisada por Carole Munro de que não precisava ir, Andrea Skinner decidiu voltar à casa da mãe. Então, os abusos continuaram.
Gerald Fremlin tinha o hábito de se masturbar, dentro do automóvel, na frente de Andrea Skinner. Chegava a falar que gostava de outras meninas.
Quando Andrea Skinner se tornou adolescente, o pedófilo se desinteressou dela.
Em 1992, com problemas de saúde física e mental, Andrea Skinner escreveu uma carta para Alice Munro na qual revelou toda a história dos abusos. A escritora reagiu “como se tivesse descoberto uma infidelidade”, assinala a filha.
Numa carta à família, Gerald Fremlin admitiu que havia abusado da criança, mas “culpou” a vítima, quer dizer, Andrea Skinner. “Andrea invadiu meu quarto em busca de aventuras sexuais”, anotou o pedófilo. Note-se que se está falando de uma criança de 9 anos. “Na pior das hipóteses, vou tornar isso público. Enviarei para publicação uma série de fotografias, especialmente aquelas tiradas na minha cabana perto de Ottawa, que são extremamente eloquentes… uma de Andrea usando minha cueca”, escreveu o marido de Alice Munro. É o velho de culpar a vítima para tentar se tornar vítima.
De acordo com a reportagem da BBC Brasil, Andrea Skinner “escreveu que a mãe disse ‘que a culpa seria da nossa cultura misógina se eu esperasse que ela rejeitasse suas próprias necessidades, se sacrificasse por seus filhos e reparasse os defeitos dos homens”. Por causa do comportamento da mãe, Andréa Skinner “se afastou da família em 2002, e não permitiu que Munro se aproximasse dos netos”.
Quando leu num jornal sua mãe elogiar o casamento com Gerald Fremlin, Andrea Skinner avaliou que era chegada a hora de revelar o segredo familiar. Exibindo as cartas de Gerald Fremlin, Andrea Skinner denunciou à polícia de Ontário os abusos praticados pelo padrasto, em 2005. A polícia indiciou o marido de Alice Munro. Ele se assumiu como culpado. Porém, dado prestígio global de Alice Munro, “o silêncio continuou”.
Joyce Carol Oates e Joyce Maynard
A escritora americana Joyce Carol Oates escreveu no X: “Se você leu a ficção de Munro ao longo dos anos, verá quantas vezes os homens são valorizados, perdoados e adulados: parece haver um sentimento de resignação”.
A jornalista e romancista americana Joyce Maynard disse no Facebook “que as palavras de Skinner tinham ‘o timbre da verdade, mas que ela não vai ‘deixar de admirar e estudar a obra de Alice Munro’”.