Maria Helena Chein

Miguel Jorge jamais poderia supor, antever, que sua vida abarcaria a volumosa e complexa obra literária e artística, oriunda das funduras de seu ser, da imaginação e da perplexidade com que descortina o mundo.

A década de 1960 foi o começo. Miguel fez parte ativamente do Grupo de Escritores Novos (GEN) e publicou “Antes do Túnel”, contos, seu primeiro livro. E não mais parou. Ocupa a cadeira nº 8 da Academia Goiana de Letras (AGL), deixada vaga pelo escritor Bernardo Élis.

O menino de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, veio para a cidade de Inhumas, com seus pais libaneses, e, depois, para Goiânia. Como se movimenta muito, desde sempre, de Inhumas foi para Belo Horizonte e formou-se em Farmácia e Bioquímica, pela Universidade Federal e foi professor na Faculdade de Farmácia, em Goiânia. Fez os Cursos de Direito e Letras Vernáculas na Universidade Católica de Goiás, hoje PUC, onde foi professor de Literatura Brasileira. Doou-se para a Cultura, intensamente. É contista, romancista, poeta, dramaturgo, autor de óperas e literatura infanto-juvenil. Quase 50 livros publicados e prefaciados por escritores, professores de Literatura e críticos de Arte do Brasil, Itália, Estados Unidos. Vários livros foram adotados para o vestibular, estudados para dissertação de mestrado, tese de doutorado, e traduzidos na Espanha, Itália e Estados Unidos.

História de Avarmas deu origem à opera | Foto: Jornal Opção

E os prêmios que o homenageado recebeu? Quatro romances foram premiados: Prêmio APCA para “Veias e Vinhos”, notável romance; três prêmios Machado de Assis, Rio de Janeiro, para “Pão Cozido Debaixo de Brasa”; “Minha Querida Beirute”, de 632 páginas; e “Nos Ombros do Cão”. Premiadas duas peças de teatro: “O Visitante”, pelo Teatro Opinião, Rio de Janeiro, e “Matilda”, pela Funarte, região Centro-Oeste. Venceu, por várias vezes, o Concurso Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, da União Brasileira de Escritores, secção de Goiás.

Perguntei ao Miguel, qual gênero literário chama-o mais fortemente, e veio a resposta. Sem dúvida, o chamamento maior e que mais me completa como escritor é o romance. Talvez pelas dificuldades apresentadas, pela variedade de personagens, tratamento psicológico e linguagem, considero o romance um monumento.

Testemunhar fatos, recriar a realidade, encontrar-se no profundo de si mesmo levam Miguel Jorge a produzir grandes e densos romances, e singulares contos. Sua ficção possui a marca do dramático, do surreal, da angústia, do absurdo, do erotismo, do humor cravado de incógnitas e da poesia. Pura riqueza criativa. A linguagem é quase sempre um mundo novo, que o autor experimenta. Ele tem todas as palavras dentro de si. É dono das palavras, milhares delas.  Estão ali a desafiá-lo, com a delicadeza do amor e a dureza das tragédias. Mas também as palavras podem faltar-lhe, porque o pensamento é mais rápido do que se pensa. 

Miguel Jorge: um dos mais importantes escritores brasileiros | Foto: Montagem do Jornal Opção

Miguel acolhe os personagens, os mais diversos, tal qual o pai aconchega o filho ou o castiga, ou mantém, com ele, o diálogo, prende-o ou o liberta. Quantos e quantos homens e mulheres, os mais variados, habitam suas histórias, os dramas e comédias: os sofridos, os maus, os amantes, os traídos, os amorosos. Lembro-me de Olga, Felipa, Yussef, Dalico e Euzebinho, entre muitos e muitos outros.   

Dedica-se, com criatividade, às variações das técnicas, como vai narrar a história, e isso é importante para o escritor que renova, reinventa, não quer a mesmice, quer o autêntico. Esse processo distingue seu estilo, que experimenta sempre com ousadia, e seu trabalho de invenção não conhece limites. Reinventa-se a si próprio.   

As histórias, personagens, linguagem e técnicas entrelaçam-se, e o resultado é uma obra coerente, por mais absurda que possa ser.   

O romance “Veias e Vinhos” teve tradução para o italiano, publicado com o título de “Vino e Sangue”. Capa e ilustrações do artista plástico Dek. Deu origem a um filme de João Batista de Andrade, com a famosa atriz Eva Wilma no elenco. “Veias e Vinhos” ganhou tese defendida na Itália. O livro deu grande notoriedade ao escritor, que viajou por várias cidades italianas, fazendo palestras e autografando a obra.  

Poesia: lirismo, amor e realismo

Na Poesia, o autor transita entre o lirismo, o amor e as abordagens realistas. A ensaísta e poetisa Darcy Denófrio disse, em linhas gerais, que os temas poéticos de Miguel Jorge são os mesmos de sua ficção: o massacre da humanidade no homem, a perda da liberdade, o vazio humano, o sentimento de culpa.        

Miguel Jorge fez incursões no Teatro, com grandes trabalhos, cerca de duas dezenas, e tem livros traduzidos                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              na Espanha e Estados Unidos. Suas peças, da linha do teatro revolucionário moderno, comportam temas atuais e diálogos ousados.

Marcos Fayad, diretor teatral, afirmou que suas peças o encantavam pelo rigor e cuidados com as palavras e a musicalidade delas.  

O escritor não para, continua na busca de seus personagens, ora ele os procura, ora os personagens chegam por conta própria. “Escrever, para Miguel Jorge, é uma obsessão”, segundo Carmelinda Guimarães, professora do Teatro Brasileiro da Universidade Federal de Goiás. Ele não para. Está sempre participando de eventos culturais, em todas as áreas, e sempre acha tempo. É como se fosse dono e senhor do seu tempo. Por que consegue tanto? Porque é “um escritor que tem café no bule”, isto é, poderoso, disse Deonísio da Silva, doutor em Literatura Brasileira.  

Ler, estudar e pesquisar a obra de Miguel Jorge é espantar-se, com admiração, pelo seu mundo incomum, brutal, irreverente, sofrido e apaixonante. Mas há um lado terno, o lado dos afetos, da inocência, quando escreve livros infanto-juvenis. São cerca de oito livros, entre novelas, poemas e fábulas.   

É autor do libreto da primeira ópera goiana: “A Décima Quarta Estação”, originada do conto do mesmo nome, música do maestro Estércio Marquez, apresentada no Teatro Goiânia.     

No cinema, vários curtas-metragens foram filmados: “Watáu”, “A Janela”, “Promessas”, “Urubus”. E há outros à espera. Foi idealizador do Fastcine Goiânia.   

Maria Helena Chein é escritora e crítica literária.