Festival, que teve recorde de filmes brasileiros participantes, terminou sem nenhum prêmio para o Brasil, que novamente usou festivais internacionais para protestos

“Sobre Corpo e Alma”, da cineasta Ildikó Enyedi, venceu o Urso de Ouro de melhor filme

Rui Martins
Especial para o Jornal Opção, de Berlim

O estranho filme húngaro “Sobre Corpo e Alma”, da cineasta Ildikó Enyedi, no qual um homem e uma mulher têm o mesmo sonho, embora não se conheçam e só trabalhem no mesmo lugar, ganhou o Urso de Ouro de melhor filme no Festival Internacional de Cinema de Berlim.

Os sonhos ocorrem numa floresta. Maria, controladora da qualidade da carne bovina e da presença de gordura num matadouro moderno, sonha ser um alce fêmea; Endre, o patrão do matadouro sonha ser o alce macho.

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Essa coincidência de relações entre eles e o casal de alces intriga uma psicóloga, que descobre que ambos sonham a mesma coisa — uma atração entre os animais, que se aproximam, mas não copulam. Informados pela psicóloga, ambos passam a se perguntar sobre os sonhos da noite anterior, se aproximam e chegam a dormir no mesmo quarto, a pretexto de conferir os sonhos.

Maria tem tudo de uma mulher fria, solitária, que, mesmo na cantina, procura ficar só para comer. Tem tudo de uma frígida, que vê pornografia por curiosidade e não para se excitar. Endre procura entrar nesse mundo frio e reservado.

Esse mesmo tema de mulher frígida ou com problemas de relacionamento sexual surgiu no filme romeno “Ana Meu Amor”, revelando ser provavelmente uma consequência do isolamento das pessoas na sociedade moderna.

O Urso de Prata do Grande Prêmio do Júri foi para o filme do cineasta franco-senegalês Alain Gomis, “Félicité”, nome de uma mulher congolesa em Kinshasa, que canta num bar e cujo filho motoqueiro sofre um acidente e perde uma perna. Entre cantos e músicas, perda de emprego, falta de dinheiro para tratar do filho, Félicité, cujo nome quer dizer felicidade, se mantém forte, decidida, lutadora, social e exuberante, nada tendo a ver com a Maria apagada e fria do filme Urso de Ouro.

O terceiro prêmio pela ordem de importância, é o Urso de Prata Prêmio Alfred Bauer para filmes que trazem alguma inovação. No caso, o filme da polonesa “Agnieszka Holland”, cujo título “A Pista” consiste numa trama entre policial e naturalista, envolvendo uma engenheira aposentada, Duszejko, vivendo numa região montanhosa perto da fronteira com a República Checa.

Vidrada em astrologia, ela garante poder dizer a data de sua morte, com base na data do seu nascimento e signo astral. Bem na moda, ela é vegetariana e não suporta temporadas de caçadores, carnívoros em geral e muito menos quem mata cachorro para medir a pontaria. Por isso, fotos de caçadores com seus troféus podem se transformar num guia para assassinatos em série, cometidos discretamente e de maneira orgânica e biológica.

O Urso de Prata de melhor direção foi para o filme o “Outro lado da Esperança”, dirigido pelo finlandês Aki Kaurismaki, no qual o papel principal é de um sírio clandestino acolhido por um dono de restaurante, enquanto a Finlândia se alinha entre os países sem solidariedade.

O Urso de Prata de melhor interpretação feminina foi para a coreana Kim Min-hee, no filme “Sozinha de Noite na Praia”, de Hong Sangsoo.

O Urso de Prata de melhor interpretação masculina foi para Georg Friedrich, no papel de um pai numa viagem pelas montanhas desertas norueguesas, junto com o filho que o detesta por ter se separado da mãe. Filme “Noites Claras”, de Thomas Arslan.

O Urso de Prata do melhor roteiro foi para Sebastian Lelio e Gonzalo Maza, pelo filme transgênero “Uma Mulher Fantástica”, de Sebastian Lelio, com a transsexual Daniela Vega.

O Urso de Ouro para o melhor curta-metragem foi para o cineasta português Diogo Costa Amarante com o filme “Cidade Pequena”. O filme “Pendular”, de Julia Murat, ganhou o prêmio da crítica internacional FIPRESCI. Como previmos, os filmes brasileiros não ganharam nenhum prêmio, nem os oficiais dos júris independentes.

Depois das manifestações político-partidárias em Cannes, Locarno e agora em Berlim, fica nossa sugestão para os cineastas e atores brasileiros suspenderem essas iniciativas que vão se tornando ridículas e, se continuarem, acabarão virando piada. Deixem o manifesto, as faixas e os slogans para quando o filme ganhar algum prêmio, não antes. Não utilizem pretextos políticos para chamar atenção sobre seus filmes.

Rui Martins esteve em Berlim, convidado pelo Festival Internacional de Cinema