“Faz rs”, o picotável livro de intimidades compartilhadas na web
03 dezembro 2016 às 10h11
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Quarto e último livro de um ciclo, trabalho da também editora Larissa Mundim reflete as relações contemporâneas e suas escritas, fala sobre o desapego e acena despedida
“Vem ficar antissocial comigo”
Larissa Mundim
Yago Rodrigues Alvim
Na excitação de novos planos para um ano novinho em folha que se achega, a escritora Larissa Mundim dá fim a uma trajetória com a obra “Faz rs”. Lançado pela editora Nega Lilu, por ela encabeçada, na feira e-cêntrica de publicações independentes, que visa mapear a produção do centro-norte e nordeste brasileiro, de modo mais afinco para a ela dar visibilidade, o título enleia os trabalhos de Mundim (“Sem Palavras”, “Agora eu te amo” e “Operação Kamikaze”), que dizem do virtual. Sobre isso, a curadora Isabela Preto esmiúça: “O livro tornou-se uma espécie de extensão das relações baseadas no compartilhamento de conteúdos, (…) de intimidades desnudadas misteriosamente que não encerra seu poder de entendimento”.
Na abertura do livro, Preto fala sobre a narrativa curta e, conversando com Mundim, indago sobre um novo gênero literário que consiga explicar a escrita influenciada pelas novas mídias — que já há algum tempo nos cerceiam, afinal, Twitter, Facebook e apps, que modificaram os modos de estar no mundo, inferem na escrita. Há redes, por exemplo, e eu mesmo faço parte de uma, onde escritores de vários cantos lançam mão de frases curtas, ordinárias e que se apresentam de forma laborada. É um espaço social (ou pessoal) que se torna profissional. Mundim diz:
— Também percebo o que comenta e foi uma percepção natural, pois me dei conta quando eu já estava fazendo. Foi em 2013, num laboratório virtual muito produtivo chamado “Projeto Ordinário”, ajudando-me na produção de textos-celulares, curtinhos estes, e que fizeram parte da construção dos protagonistas de meu segundo romance de ficção, o “Agora eu te amo”. “Não me olha assim que eu gosto”, que é quase um bordão, serviu para que eu desenvolvesse o personagem Fred, um caso iniciante de crossdressing, na obra. Esses textos foram ideias-força e resolvi publicá-los, pois via qualidade naquilo. Foi assim que comecei uma recuperação do material que foi escrito em 2013 e 2014 (e um pouquinho em 2015) e cheguei a mais ou menos 1200 textos curtos publicados. Fiz uma pré-seleção e travei em 320, pois estava efetivamente relacionada com eles e não conseguia excluir mais nenhum.
Foi aí que entrou Preto na curadoria — ela que é arte-educadora e vem das Artes Cênicas, do interior de São Paulo. Conhecemo-nos pelo Facebook. Ela, com um trabalho autoral, desenhava e escrevia nalguns corpos, o que me chamou a atenção, até que ela me disse “meu trabalho é inspirado no seu”. Isso foi um encontro maravilhoso. Afinamo-nos, trocamos ideias e foi acertado o convite a ela como curadora. Ela se apropriou e chegou a um pouco mais de 100 textos. Juntas, já em Goiânia, elegemos 80 textos que compõem o livro, que é apoiado pelo Fundo Estadual de Cultura. Não cansamos o leitor (ainda que alguns se cansem).
A verdade é que a produção da web faz parte da trajetória da autora. Começa num calhamaço de mais de 300 páginas, que é “Sem Palavras” (com coautoria de Valentina Prado), e que já lida com a comunicação mediada, pois são e-mails e chats trocados pelas personagens. Tudo continua no segundo trabalho da autora, um romance já de concisão, quando faz uma prosa em um romance de ficção não-convencional, escrito no formato tradicional.
Já “Prepiscianas”, volume feito com Carol Schimid, novamente trabalha com comunicação mediada, oferecendo ao leitor uma situação descontextualizada. São 11 personagens, sem pistas do que acontece antes e depois, empoderando quem lê para que, com sua própria bagagem de signos e códigos, compreenda o que rola ali. Nessa vibe, o “Faz rs” já estava pronto, mas “Prepiscianas” foi lançado primeiro, uma vez que o outro demorava acontecer, ainda que pronto.
— A obra segue a linha da web, sem a comunicação mediada como acontece nos outros trabalhos, mas fala do compartilhamento de conteúdo. Os 80 textos escolhidos foram os mais compartilhados, os de maior potencial de compartilhamento e isso tem a ver com a nossa linha editorial. Com isso, trouxemos para o formato físico textos que originalmente foram do espaço virtual, mas que continuam sendo compartilhados pelas pessoas no formato físico. Por isso, o livro é cheio de picotes, pois queria que o leitor sentisse vontade de arrancar as páginas. “Vem ficar antissocial comigo”, isso é a cara de tal pessoa e quero dar a ela, por exemplo. E foi então que percebemos a cultura do apego, já que as pessoas tratam seus livros como coisas preciosas.
Criamos, assim, esse formato picotado. Se a obra cumpre seu ideal em 100%, com todos os picotes feitos, o leitor ainda fica com um livro para ele. A alguns, adeus ao texto até, já que não há duplicata. Já com outros, a ilustração vai embora e fica só com o vestígio, o que é muito simbólico. Às vezes, você entrega sua melhor parte e fica com nada e olha que o texto não chega a 140 caracteres. O que eu fiz, portanto, não é um livro de frases, mas um livro de curtíssimas narrativas, textos reflexivos integrais, pois não há nada antes e tampouco depois. O texto não foi extraído de um contexto maior. Ele começa e se encerra no espaço que tem.
Arejado por ilustrações de Sophia Pinheiro, o livro cria, ao juntar as linhas textuais às de desenhos, um universo narrativo misto
E existe algo curioso no livro de Mundim, pois são 80 textos completos em si, que podem ser lidos individualmente, mas, uma vez que a autora é também editora, existe também a possiblidade de que algumas histórias, estas curtas, mas que dizem de um pensamento editorial de organização, unam um texto ao outro, no virar da página. É o caso desses:
“Fez nem rs”
“É que as minhas hashtags não combinam com as suas”
Se perguntada se daria para resumir o livro, cruamente, Mundim acena:
— “Faz rs” é uma observação do outro a partir das coisas que compreendo, penso, sinto. É uma síntese que encontrei, o outro por mim. Pois é um exercício de olhar para o que é muito diferente ou muito parecido, e tentar compreendê-lo. É um exercício de empatia, de onde surgem as narrativas; a observação dos detalhes do detalhe. E é ainda um esgotamento com fôlego, pois o considero conectado com o meu primeiro trabalho, um subproduto que não o desqualifica ou ainda um derivado da escrita, do pensamento e desejo de pensar conteúdo ligado à forma.
Considero-as minhas últimas palavras para o momento, não tenho mais o que dizer ou perspectiva de publicação de novos livros meus, de modo muito tranquilo. Não quero recomeçar, quero chegar ao fim. É o fechamento de um ciclo que venho anunciando há um tempo com as obras antecedentes, mas que não foram suficientes. Se você tem os quatro livros juntos, eles formam um conjunto, que é o mapeamento de uma trajetória que final e felizmente se esgotou.