Muitos ainda veem quadros e esculturas como peças de decoração financeiramente inacessíveis. Não é bem assim

Carolina Isaac: "Decidimos abrir um escritório, não uma galeria. Representamos os artistas” / Arquivo pessoal
Carolina Isaac: “Decidimos abrir um escritório, não uma galeria. Representamos os artistas” / Arquivo pessoal

Yago Rodrigues Alvim

Após pinceladas, horas debruçadas em esculpir e colorir vazios com a ciência do que se sente, fica ali a obra fresca. O cheiro espraia; sai pelas janelas e algumas vezes se esvai de volta ao nada. Muitas obras se guardam em molduras e giram, angariando valores no tempo. “O tempo não apaga o brilho das obras de arte” já dizia Dona Magda Bruno. A senhora trabalha em uma loja de artes, um reduto, quase uma redoma. Mas ela não apenas protege, pois as galerias querem esse expandir, querem pôr pinceladas, esculturas em casas espalhadas pelas diversas ruas da cidade.

Imergir em um universo tão amplo tem lá seus diversos modos e jeitos, ainda que todos envolvam já o fim: a própria arte. Foi assim que PX Silveira mergulhou nesta história. Em Brasília, estou Jornalismo e Biologia. Quis caminhar por expressões mais livres: tocou flauta, violão. Ele escreveu poesias. Depois de perambular por Paris, trouxe para Goiânia as composições da banda que tinha, Aveloz. Era década de 1980, quando a poesia ganhou páginas de livro, barrado em seu próprio lançamento. Quis seu próprio bar, “Ao arroz de neon vídeo bar” –– batizou. Ali, muitos artistas se tornaram clientela. E ali também nasceu a parceria com Betúlia Machado e a vontade de trabalhar com arte: nasceu a “Multiarte Galeria”.

Ele foi rompendo padrões no modo de expor: não era só artista consagrado que se mostrava. No abraço às artes visuais, se dispôs a um trabalho fino de divulgação. Reper­cutiu. E, disso, cresceu “forte e exuberante” –– como ele mesmo adjetiva –– a galeria que reunia cada vez mais artistas de fora. Expandiu, foi para Brasília com exposições e, por lá, inaugurou uma filial –– com um sucesso chamado Bruno Giorgi, do espelho d’água do Palácio Ita­ma­raty. Durou pouco, a filial, pois foi ad­quirida pela “Galeria Performance”.

Sua relação com as artes fugia, mas o “marchand de tableaux” não castrou sua relação com amigos artistas e com a condução da arte como produto. PX expandiu seus trabalhos: em Goiás, ligou a capital a Trindade com as praças e painéis de Omar Souto; em São Paulo, como diretor da Fundação Nacional de Arte (Funarte), ligou sete bairros da capital e dispôs a mais de 4 milhões de pessoas, que perambulavam pelo Viaduto Costa e Silva (o conhecido Minhocão), arte pública. Seus trabalhos continuaram em diversos locais do universo da arte. Uma importante lembrança: ressalta-se como criador da “Bienal do Estado de Goiás”, onde Juliano Moraes e Marcelo Solá surgiram. Hoje, debruça-se no projeto “Vi-a Arte” de instalação de esculturas em rodovias goianas.

PX Silveira: “Público é diverso, muito bem informado e isso é o que lhe dá graça e força” / Arquivo pessoal
PX Silveira: “Público é diverso, muito bem informado e isso é o que lhe dá graça e força” / Arquivo pessoal

De sua vivência, PX assegura que quem “consome” arte é eclético: “É diverso, muito bem informado e é isso que lhe dá forma, graça e força”. Ele explica um pouco tal realidade que envolve dúvidas como: “Comprar obra de arte é só para quem tem um poder aquisitivo alto?”. Não é inibidor e tampouco fomentador, argumenta ele. “Não é a grana, mas o gosto e a vontade de ter a obra de arte em seu entorno. Sempre se dá um jeito”, conclui.

Hoje, no shopping Buena Vista com a loja “A Menor Galeria do Mundo”, ele comenta que são preços diversos de R$ 120 a R$ 350. Outro dia, narra, um garoto comprou um quadro para dar de presente para seu irmão, ao invés de comprar uma camisa. “Eis aí uma esperança, não?”.
A Dona Magda Bruno está há mais de 30 anos no mercado. Trabalha na “Época Galeria”. A gerente conta a história de outra Dona, a Edna Martins de Oliveira. “Ela é quase uma pioneira em Goiânia. Ela fundou uma galeria na Rua 90, no Setor Sul.” Da então loja de decorações, surgiu a galeria, que hoje habita o Setor Marista. Ali, artistas como Siron Franco, Poteiro e Cláudio Caixeta tornam únicas as paredes.

Quanto ao valor da arte e sua acessibilidade, Magda comenta o parcelamento das obras como algo que já conquistou público. Além disso, muitos bons pintores dispõem peças com preços acessíveis. Assim, o “consumo” de obras de arte tem se tornado mais palatável, o que se desdobra em outras questões. Não obstante a uma realidade nacional, ainda que fale de Goi­ânia, Magda comenta que as pessoas de um modo geral tem desenvolvido, cada vez mais, uma sensibilidade que tira a obra de arte do lugar de decoração.

Acrílica sobre tela do artista goiano Diogo Miranda, que é representado pela galerista Carolina Isaac / Divulgação
Acrílica sobre tela do artista goiano Diogo Miranda, que é representado pela galerista Carolina Isaac / Divulgação

“O mais interessante é quando as pessoas vêm à galeria e vão se encantando e apreciando a arte. É como se a cultura fosse ‘aprimorando’, devido a bons programas educacionais, a própria divulgação midiática. As pessoas têm mais acesso às obras de arte e, assim, a compreendem mais. Elas sempre voltam, vêm visitar e relaxar, até, e se propõem a conhecer as telas, esculturas e artistas.”

A interação e o encanto frente às obras são alguns modos de imergir. E isso é comum a quem é galerista. O profissional não é regulamentado, mas visto como um vendedor –– “aquele que vende obras de arte”. Nesse sentido, toda a experiência e troca são valorizadas; e o tempo, o contato, o estudo contínuo em diversos locais (seja no Brasil ou no exterior) vai compondo esse profissional, que lida com uma das coisas mais subjetivas e valorosas do mundo.
Dona Magda foi lapidando isso: “Você vai se apurando, aprendendo. Você vai se apaixonando, querendo entender a obra de arte. É natural”.

Naturalidade que acometeu Ca­rolina Isaac. Criada em berço artístico, ela viveu em uma galeria de arte contemporânea fundada pela mãe, Stella Isaac. Depois, conheceu a ciência das Artes Plásticas na Fundação Ar­mando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo. Voltou a Goiânia e reabriu a então galeria Tabriz em novos moldes. “Decidimos abrir um escritório e não uma galeria”, cuja diferença está no trabalho que realiza.

Uma das palavras que explica bem seu vocabulário cotidiano é “representar”. “Nós agenciamos artistas, o representamos, e isso envolve diversas ações que vão desde a desenvolver um conceito, escrever textos, a inseri-lo em circuitos, festivais, em agenciá-lo”, detalha. Carolina trabalha com 15 artistas, aproximadamente; desde franceses a paulistas, mato-grossenses e goianos. Muitos são jovens artistas, que estão sempre antenados a editais, afinal, a participação em circuitos valoriza a obra de quem quer que seja (e até vice-versa).

Longe de seus próprios pinceis, a moça se dedica ao que destaca como substancial a um galerista: “acreditar e fazer o necessário para desenvolver os trabalhos dos artistas”. Uma forma de realizar isso é desmitificando a ideia da acessibilidade às obras: “Muitas pessoas não vão a museus, galerias e o próprio fato de estarmos dentro de uma loja [a Tabriz] é para aproximá-los com a arte”. Ela destaca que as pessoas, aos poucos, vão se interessando e procurando, por elas mesmas, mais arte, até porque “elas sempre voltam”.

Ainda assim, ela põe em marca-texto amarelo que é moroso todos esses processos de valorização da arte e da própria profissão de galerista. “Só tem uma coisa que pode ajudar e se chama educação. Nós não fomos educados visualmente. O olhar também é treinado, é aprendido. Nós temos que trazer isso, de fato, para as escolas; temos que começar com as crianças”. Assim, ela termina dizendo sobre um novo projeto que busca justamente expandir, libertar: uma escola, chamada “Nuvem”, que propõe uma integração das artes, valorizando a vivência, a experiência –– o que é tão conhecido ao próprio caráter do que é arte: a própria vida.