*Abilio Wolney Aires Neto

A literatura brasileira possui dois grandes intérpretes do sertão: Euclides da Cunha e Guimarães Rosa. Esses autores exploraram o sertão com abordagens distintas, mas profundamente complementares. De uma forma poética e interessante, podemos dizer que Euclides “pegou o sertão e o colocou dentro do mundo”, enquanto Rosa “pegou o mundo e o colocou dentro do sertão”.

Para Euclides da Cunha, o sertão nordestino era uma região de luta, resistência e adaptação extrema, onde as forças naturais e sociais se encontravam em uma batalha constante. Em Os Sertões, publicado em 1902, Euclides utiliza sua formação como engenheiro e seu olhar jornalístico para traçar uma análise quase científica do sertão, descrevendo o ambiente e a vida dos sertanejos com rigor. Ele interpreta a realidade de Canudos como um microcosmo dos conflitos sociais e políticos do Brasil, onde os sertanejos — a face mais invisível e esquecida do país — vivem em uma luta incessante contra o ambiente hostil e o abandono do Estado. Para Euclides, o sertão é o espelho do país, e os eventos que ali se desenrolam revelam verdades profundas sobre a condição humana. Ele insere o sertão dentro do mundo, mostrando como esse cenário “bruto e árido” representa a resistência, a brutalidade e a complexidade da existência. Assim, a obra de Euclides projeta o sertão para além de seus limites geográficos, conferindo-lhe um sentido universal, que transcende as fronteiras do Brasil e nos faz refletir sobre as condições sociais e econômicas em qualquer parte do globo.

Por outro lado, Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas (1956), transforma o sertão em um cenário metafísico, onde o local se expande para abarcar o mundo. Rosa mergulha em uma visão profundamente introspectiva e universal, usando o sertão como palco para dilemas eternos da humanidade — amor, morte, traição, coragem e fé. A jornada do protagonista Riobaldo pelos sertões de Minas Gerais é, ao mesmo tempo, uma travessia interna, uma busca filosófica e espiritual por respostas sobre a condição humana e o sentido da existência. Guimarães Rosa consegue transformar o sertão em um espaço simbólico, onde se cruzam questões atemporais e universais, como as lutas entre bem e mal e a busca por redenção. Ele coloca o mundo dentro do sertão ao retratar a paisagem sertaneja como um espelho da condição humana, com seus conflitos, alegrias e medos. O sertão se torna, então, um cenário universal, onde a humanidade se revela em sua essência.

Essa diferença de perspectiva valoriza como ambos os autores usaram o sertão para expressar, cada um à sua maneira, as complexidades do Brasil e da humanidade. Euclides constrói uma visão externa e social do sertão, aproximando-se de uma análise geopolítica e científica, e coloca o sertanejo no centro de um mundo violento e desafiador. Ele observa o sertão de fora para dentro, e o insere no mundo, como quem ilumina suas dificuldades e virtudes para o olhar global. Já Rosa, com sua abordagem intimista e metafísica, observa o sertão de dentro para fora, lançando uma luz universal sobre ele. Ao inserir o mundo dentro do sertão, Rosa constrói uma narrativa onde o espaço sertanejo se torna um palco para os dilemas humanos atemporais, e o sertão transcende suas fronteiras para se tornar uma alegoria da condição humana.

Euclides e Rosa, embora com abordagens distintas, revelam o sertão como um espaço de profundidade e complexidade. Para Euclides, o sertão é o coração do Brasil, um lugar que expõe as feridas e contradições do país. Para Rosa, o sertão é um cosmos, um lugar onde o universal e o particular se entrelaçam e onde o humano se descobre em sua essência. Juntos, ambos os autores não apenas definem o sertão, mas também o elevam a um patamar simbólico que ressoa profundamente na literatura e na identidade brasileira.

*Abilio Wolney Aires Neto

Abílio Wolney Aires Neto | Foto: Acervo Pessoal
  • Juiz de Direito titular da 9ª Vara Civel de Goiania.
  • Delegado Adjunto da ABRAME-GO
  • Expositor espírita, ex- Presidente do Núcleo Espirita Casa de Jesus em Anápolis-GO, onde é co-mantenedor com Delnil Batista, o presidente.
  • Co-fundador/mantenedor do Lar de Maria em Dianópolis-TO.
  • Titular da Cadeira 9 da Academia Goiana de Letras, Cadeira 23 do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás -IHGG, Membro da União Brasileira de Escritores-GO e de outras Instituições literárias.
  • Graduando em Jornalismo.
  • Acadêmico de Filosofia e de História.
  • Autor de 15 livros de história regional, poemas, crônicas, 3 de Direito. Em ebook inédito: Cristianismo Espírita.