Enveredações sutis de um menino e seu furacão
17 março 2024 às 00h01
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Wesley Peres
É possível investigar as complexidades do que nos torna uma pessoa, por meio da história de uma criança? Podemos dizer que sim, e mais: sendo uma criança o nome do humano quando chega ao mundo (parece que os adultos se esquecem disso), nada parece mais adequado para investigar como a gente se torna gente e como a gente se torna a gente.
E o que tudo isso tem a ver com furacão, e mais, o que tudo isso tem a ver com um furacão sutil?
Entremos, pois, no livro de Renata Wirthmann e vejamos como isso tudo começa e em que direção vai:
“Então nasci no ar? Sou eu que estou dentro do ar ou o ar que está dentro de mim? O ar dentro de mim é o mesmo ar que está fora de mim? (…) Mas a verdade é que eu também nunca tinha reparado o ar. Afinal, por que eu iria perceber alguma coisa que sempre esteve ali, em todo lugar? Dentro e fora de mim”.
Toda essa complexa história-investigação, sobre o que a gente é, começará no ar. Tem filósofo grego que disse que tudo, mesmo antes da gente, começou com água e que tudo é água — mas essa não é uma história de peixe. Não? Não pode ser que a gente seja uma espécie de peixe do ar, desajeitado: peixe andarilho? Se somos peixes do ar, o filósofo da água está errado e, além disso, essa história é da criança Lucas, e é dele a pergunta primordial: o que é o ar?
A partir dessa nada simples pergunta, Lucas percorre uma investigação que será a sua ilha criadora de si, pois ilhado no corpo está, todo envolto de ar, ar por fora, ar por dentro, ar cheio de palavras, palavras cheias de ar, palavras gritantes, perguntas gritantes de pessoas gritantes… pai, mãe, escola, colegas, amigos, irmão…
Como um Anaxímenes de si mesmo (só olhar no Google, né?), Lucas investiga, obsessivamente, as formacões do ar… Andarilho, ele vai do sopro ao furacão, descobre que o ar só existe para a gente quando incomoda, quando perturba… E não é que um tal psicanalista francês disse que nada perturba mais do que o outro e, ao mesmo tempo, que nada perturba mais do que a ausência do outro.
Pois é nesse intervalo entre o outro que perturba com sua presença maciça (furacão) e o outro que perturba com a sutileza do sopro (redemoinho), que Lucas percorrerá veredas de uma história custosa (pois custará muito a ele, como o leitor verá!). No meio das travessias, por meio do outro (e só por meio do outro), irá construir um mundo-linguagem onde finalmente poderá se sentir bem na própria pele.
Paro por aqui. Só e somente contei algo do que é discutido nos interstícios e sutilezas do enredo, pois não posso tirar de nenhum leitor a experiência de “por si só cidadão” perambular pelas vias e vielas de uma história e por ela ser completamente enveredado.
Wesley Peres é escritor.
Minibiografia de Renata Wirthmann
A autora de “Um Furacão Sutil”, de Renata Wirthmann, é psicanalista e professora associada do curso de Psicologia da Universidade Federal de Catalão (Ufcat).
Renata Wirthmann escreve livros infantojuvenis e foi contemplada com a bolsa Funarte de criação literária em 2009 e uma menção honrosa no I Concurso Nacional de Literatura Infantil e Juvenil promovido pela Companhia Editora de Pernambuco em 2010.
Suas principais linhas de pesquisa são os estudos psicanalíticos da psicose, autismo, feminilidade e arte. Possui pós-doutorado em Teoria Psicanalítica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutorado em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília (UnB) e mestrado em Psicologia pela UnB.
A escritora é psicanalista é colaboradora do Jornal Opção.