João Carlos da Silva

Especial para o Jornal Opção

O filme “John Wick” é melhor do que o filme “O Poderoso Chefão”, de Francis Coppola. Não para a crítica especializada, claro, que, em regra, se repete o tempo todo. Leia a seguir alguns pontos para abrir — e não fechar — um debate a respeito.

1

“John Wick” não é pretensioso. É um filme comum, cujo objetivo é meramente entreter — não fazer cabeças e gestar fãs empedernidos. Empolga e entretém. “O Poderoso Chefão”, com suas histórias e imagens estilizadas, é chato, enrolado, palavroso e professoral.

John Wick (Keanu Reaves): o grande ator-grande personagem do filme | Foto: Reprodução

2

Em nenhuma de suas falas e imagens, “John Wick” tem veleidades intelectuais. O sucesso do filme tem a ver com o fato de ser “cru”. Pode ser até que haja citações de outros filmes, porém deglutidas, como “O Encourado Potemkin” (descubra por si, leitor), do russo Eisenstein. O filme tende a se tornar cult, mas não é o objetivo dos diretores e produtores — que, com razão, só querem ganhar um rico dinheirinho. Afinal, ninguém é santo…

3

Se “O Poderoso Chefão” endeusa, idolatra e glamouriza criminosos, como Vito e Michael Corleone, “João Wick”, pelo contrário, trata bandido como bandido. Nenhuma das personagens que circulam no (e fora do) Hotel Continental é admirável. Porque não são criminosos glamourizados. O filme não endeusa meliantes.

Coppola inventou o mafioso que, sábio, se tornou não apenas respeitado, e sim, sobretudo admirado. Pessoas de bem passaram a admirar um assassino serial — Michael Corleone —, o que é a coisa mais espantosa e vergonhosa do mundo.

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“O Poderoso Chefão” e “John Wick” são muito bem-feitos. Mas o segundo leva vantagem de não ser demasiado longo, enrolado e estilizado. Os cortes são bem-feitos — a montagem é excepcional. O filme de Coppola enrola muito e entrega pouco, exceto mensagens manipuladoras.

Michael (Al Pacino) e Vito Corleone (Marlon Brando): mafiosos de opereta | Foto: Reprodução

5

Michael Corleone é tão indestrutível quanto John Wick? É. Só que John Wick corre risco, apanha e leva tiro. Michael Corleone sempre aparece como se tivesse acabado de tomar banho. Nenhum mafioso real é assim — estiloso, professoral e doutrinário.

Ademais, Michael Corleone é um criminoso brutal, mas Coppola manipula para que pareça simpático e os demais são apresentados como idiotas ou seres selvagens.

Coppola criou um mafioso admirável, o que ele, na prática, não é, como nenhum mafioso sanguinário é. John Wick, pelo contrário, é um bárbaro, um homem violento. E não faz discursos sobre o mundo novo que chegará. Vale lembrar que Michael Corleone matou o próprio irmão.

6

Falta o mínimo de objetividade nos diálogos de “O Poderoso Chefão”. Seus diálogos são teatrais. O filme é teatro filmado. Um dos motivos é que é baseado em falas e frases clichês — feitas para criar uma geração de citadores… do banditismo dos mais selvagens.

John Wick tem poucos diálogos, pois privilegia a ação. Suas frases soam verdadeiras, e não retóricas. As falas de “O Poderoso Chefão” são discursos empolados, com sua filosofia de segunda categoria e sub-maquiavélica.

7

Em “John Wick” há outro trunfo: o Hotel Continental é praticamente uma personagem, mais do que uma mera referência. Dashiell Hammett e Raymond Chandler aprovaria, sem dúvida.

8

Keanu Reeves é um ator notável e, mesmo assim, é subestimado pelos 666 mil críticos de cinema que militam na imprensa brasileira. Ele faz John Wick com grande habilidade, e é convincente. Al Pacino parece que está sempre fazendo o mesmo papel. Reeves é uma espécie de homem-borracha: é sempre diferente e moldável às personagens.

9

Com o tempo, “O Poderoso Chefão” vai ser esquecido. “John Wick” vai se tornar objeto de culto, como é, hoje, o filme de Coppola.

10

Sabe aquele filme que a pessoa adora, mas tem receio de a patrulha cinéfilo-ideológica dizer que se é imbecil. Pois agora você pode adorar “John Wick” com tranquilidade. Porque o filme é muito bom. Até Isabela Boscov, a decana da crítica, aprecia. Por que você não pode ficar siderado?

João Carlos da Silva é cinéfilo nas horas vagas, poeta bissexto nas horas escassas e não é adepto da TFP.