Encruzylhadas, de Geraldo Rocha, mostra escritor maduro que denuncia as desigualdades sociais do Brasil
17 novembro 2024 às 00h00
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Mariza Santana
O Brasil é um país de grandes desigualdades sociais. Em 1974, há cinquenta anos, o país inclusive foi descrito pelo economista Edmar Bacha como “Belíndia”, uma mistura da rica Bélgica e da então pobre Índia (hoje um país em desenvolvimento). Ainda hoje, a concentração de renda é enorme. Temos as classes privilegiadas, com grandes fortunas ou salários, enquanto boa parte da população precisa sobreviver com um parco salário-mínimo, além de enfrentar a falta de oportunidades nas áreas de educação e emprego. O passado escravagista contribuiu bastante para esta triste situação.
“Encruzylhadas”, novo romance do escritor goiano Geraldo Rocha lançado no dia 30 de outubro último, relata a história da família de Josias, ou simplesmente Jô, de origem nordestina, que enfrenta grandes dificuldades para sobreviver em Brasília, justamente a capital federal, que tem um dos maiores Produto Interno Bruto (PIB) per capita do País. O avô do protagonista migrou com a esposa na época da construção de Brasília sob a gestão do presidente bossa-nova Juscelino Kubitschek. Mas morreu vítima de um acidente de trabalho no canteiro de obras. Anos depois sua filha foi abandonada pelo marido e teve quatro filhos. O primogênito é Jô, o narrador da saga familiar e pessoal. (Uma curiosidade: o nome do motorista que dirigia o ônibus que teria “fechado” o automóvel em que viajava Juscelino Kubitschek, em 1976, tinha o nome de Josias Nunes de Oliveira. O Opala em que estava JK bateu numa carreta. O presidente morreu.)
No núcleo familiar de Jô duas mulheres fortes são responsáveis pelo sustento da família: a mãe e a avó. Ainda bem jovem ele busca contribuir com a renda mensal, em empregos que exigem pouca qualificação, pois não seguiu muito adiante na escola, a despeito do sonho de se tornar marinheiro. O bairro é pobre, cheio de marginais e de armadilhas para quem quer apenas ganhar a vida honestamente. O primeiro desvio ainda acontece quando Jô era menor, o que o levou a completar a maioridade em uma casa de menores infratores. Logo depois, casado e pai de um menino, se vê novamente vítima do destino, envolvido em um crime. E enfrenta duros anos em uma penitenciária.
Jô começa suas memórias dentro do sistema penal. Assim que o leitor descobre o motivo que o levou para trás das grades, somos apresentados a um local de horrores e a um destino sem esperança, na contagem dos dias que faltam para o cumprimento da pena até a soltura.
“Encruzyhadas” nos apresenta um escritor maduro, com o desejo de denunciar, por meio de sua prosa, as questões sociais do Brasil, Mas com o intuito também de passar uma mensagem de esperança e de redenção no final. Utilizando a sabedoria dos mais velhos, no epílogo Jô cita o ensinamento de sua avó já falecida: “Seja um instrumento de mudança. Tudo depende de acreditar que é possível. Não tenha medo de recomeçar. A vida é um presente de Deus!”
Geraldo Rocha nasceu na cidade goiana de Crixás, filho de um fazendeiro e uma professora. Foi o vencedor do Prêmio Hugo de Carvalho Ramos em 2022. Seus outros romances são: “O Mirante da Montanha”, “Chamas da Maldade”, “Perfume de Lavanda” e “Irmãos das Estrelas”, estes dois últimos com resenhas literárias publicadas pelo Jornal Opção.
Mariza Santana é crítica literária. Email: [email protected]
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