Lançada recentemente, a antologia “Literatura Goyaz” reúne renomados escritores da literatura goiana, como Edival Lourenço, e inéditos, como Thiago Lucarini e Simião Mendes

Adalberto II
Organizador Adalberto de Queiroz: “O mundo do século 21 é o mundo da colaboração. Provamos, com a antologia [propiciada pela economia criativa [crowdfunding], que é possível realizar algo”

“Escrever é ato solitário mas publicar pode (e deve) ser solidário”
Adalberto de Queiroz

Yago Rodrigues Alvim

“És Sonhos”, primeira poesia da An­tologia 2015 “Literatura Goyaz”, organizada por Adalberto de Queiroz, assim dá vida às primeiras linhas “Em igual condição sonha todo Ser./No picadeiro, o ilusionista e o equilibrista —/o poeta e a debutante, a costureirinha e a atriz:/—tal qual adolescente só, em busca do prazer:/Sonham, sonham…”.

De autoria do organizador da obra, os versos abrem o livro que conta com poemas, sonetos e contos de mais 45 autores da literatura goiana. São textos de escritores renomados e outros mais recentes. Fruto de um grupo de trocas literárias na rede social Facebook, o projeto virou livro, lançado recentemente pela editora goiana Livres Pensadores. O leitor confere abaixo a entrevista com Adal­berto, que crê na poesia como saída para o caos atual do mundo.

Como foi organizar uma antologia com tantos nomes da literatura goiana e, como bem diz o sr. logo na apresentação, autores consagrados e outros da nova cena literária?

Este mix de experientes e jovens, éditos e inéditos, é algo bem positivo da antologia. Isso mostra a generosidade de escritores como Lêda Selma Alencar, Luiz de Aquino, Aidenor Aires, Brasigóis Felício, Maria Helena Chein e Edival Lourenço de estarem em uma antologia, feita de forma colaborativa, junto a inéditos.

Ao lançar o livro, comentamos sobre este aspecto; a Lêda disse que se lembrava de ir à casa de Yêda Schmaltz pedir aval para suas publicações e que ia tremendo, como um jovem tímido por estar próximo de alguém que admira. E ela testemunhou que já ficou com as pernas trêmulas, quando estreante. Portanto, pediu a eles, os estreantes, como o Thiago Lucarini, que ficassem à vontade, pois é uma alegria estar entre eles e participar de um momento como o da Antologia.

Eu, como organizador, fiquei muitíssimo satisfeito com este intercâmbio, que veio de um processo. Começamos com um grupo na rede social Facebook, o também intitulado “Literatura Goyaz”; que tinha como intuito ser uma antologia falada, tendo como liga, que uniu os participantes, o amor à literatura. De­pois, transpassou para escrita e chegou a um momento, enfim, que o grupo ficou secreto. Era um lugar de troca de gostos literários. Isso propiciou uma química boa para a colaboração dos membros do grupo.

Foi uma amizade virtual e, após o lançamento, uma amizade real, de encontros; esta translocação do virtual para o real é um fator interessante. Recentemente, o professor de filosofia Peterson Pessoa me corrigiu, disse que a antítese de real não é virtual, mas sim atual. No lançamento, ele representou o maestro Eliseu Ferreira, do Instituto Tecnológico em Artes (Itego) Basileu França [onde foi realizado o lançamento do livro, em meados de abril]. Assim, do mundo virtual, houve esta troca, que é muito bacana em arte. Foi muito gostoso fazer tudo isso e provar que, mesmo sem recursos públicos, uma antologia é possível — este é o fator primeiro da obra.

Em alguns meses, formamos um grupo e criamos um crowdfunding, uma nova forma da economia criativa e colaborativa, o que possibilitou o livro. As pessoas estão, generosamente, se doando a fazer coisas juntas. E o que é o crowfunding? É dizermos que o Estado não precisa intervir na relação de um grupo, pois nós, do Literatura Goyaz por exemplo, demos/damos conta de, cooperativa e colaborativamente, construir coisas boas.

A segunda questão é que a poesia tem vida própria e tem leitores. Nós os descobrimos sem a necessidade da tutela do Estado. Isso não tem preço. Há uma tese que diz que a poesia não tem lugar nos meios eletrônicos e eu não creio nisso. Se você acessar o site Poetry (www.poetry.org), verá que as pessoas estão lá, compartilhando diariamente.

LivroMais recentemente, temos no Opção Cultural a “Terça Poé­tica”, que é um projeto incrível; e temos ainda páginas e páginas de poesias, a exemplo as de membros do nosso grupo, que são filhotes; “Alma de Poeta”, “Literatura Brasileira”, “Literatu­ra Alemã”. Portanto, a poesia tem sim o seu lugar.

Existe uma pequena multidão dentro de uma muito maior — relembrando a expressão “uns dois em mil” da poeta polonesa Wislawa Szymborska, traduzida no Brasil por Regina Przybycien. Wislawa Szymborska foi ganhadora do Prêmio Nobel de 1996* — que faz os projetos poéticos crescerem, em um mundo que é extremamente rude e grosso, de vícios terríveis. A poesia é uma tábua de salvação. A obra, então, me alegra muito; provar que é possível fazer com intensa humanidade, com colaboração.

E quanto ao crowdfunding?

As empresas o utilizam para eventos de startup e a arte aprendeu a usa-lo. O nosso projeto é pequeno, mas existem outros enormes e maravilhosos desta inciativa que é a economia colaborativa. Recentemente, vi sobre uma nova forma de ajudar empresas; elas não precisam ir ao banco, mas sim de pessoas que acreditem em suas ideias. Por exemplo, uma pequena cia de teatro ou dança que faz um crowdfunding, pois tem boas propostas/ações, mas a qual governo nunca prestaria atenção, nunca a financiaria. Portanto, é uma forma de investir. No próprio Basileu, vi tantos jovens das artes que verão, mais a frente, esta perspectiva de que, com a economia colaborativa, é possível realizar ações/sonhos.

O mundo do século 21 é o mundo da colaboração. A inteligência coletiva passa pela colaboração. Não é por acaso que o Bill Gates, por exemplo, abandonou tudo e tem, hoje, diversos projetos pelo mundo; é um dos homens mais ricos do nosso século. O que ele está fazendo? Está fazendo com que a sua riqueza volte, cresça para o lado da bondade, da formação. No Brasil, Jorge Paulo Lemann é um exemplo disso. Por detrás, o mundo caminha para que, no meio da rudeza de guerras e violência, tenhamos poesia e um fator preponderante é se abrir para o outro. Provamos, com a antologia, que é possível realizar algo.

Como foi a organização do livro? Existe uma temática poética, as poesias seguem uma ordem de aparição?

Sim, elas foram organizadas por ordem alfabética do nome do autor. Nesta primeira antologia, eu não queria lançar um tema. Mas, em 2016, faremos isto. No primeiro volume, a adesão era plena; por isso, no livro há altos e baixos, valores sintáticos e literários diversos, de sonetos a minicontos. É uma miscelânea. Por isso, o Aquino e o Mário Zeidler Filho me mostraram que a saída era o critério alfabético. Na próxima edição, essa de 2016 que sairá em 2017, faremos um concurso, com uma banca e seus critérios, contando com a assimilação deste primeiro material, para uma nova publicação. Provavelmente, serão dois volumes; um de prosa e outro de poesia.

Da ficha técnica, ressalto o Aquino, revisor do livro, e o Zeidler, editor-assistente — meu braço direito, por mais que a edição seja da Livres Pensadores. A Clara Dawn também muito nos auxiliou. É dificílimo reunir um material de 46 pessoas, dar ordem a isso, corrigir isso, obter a licença dos direitos autorais e tudo mais; ainda assim, uma alegria para poesia.

Leia a seguir um trecho de “Remé­dios”, de Edival Lourenço.

Confesso:
sou mesmo um ateu medicamentoso!

Creio mais
é nas apalpadelas do doutor
nos chazinhos de minha mãe
nas massagens de minha mulher
no princípio ativo do carinho.

É pela poesia
e pela ternura
que consubstancia
o processo de cura.

Sou propenso a crer
é no poder curativo dos placebos
no raminho das benzedeiras
no poder universal das panaceias
nas correntes de oração
das comadres solícitas
despertando a cura
do centro vital do sofredor!

O que cura é o amor;
da fratura ao tumor!
O resto, meu amigo,
o resto é supertição química
— conversa de mercador!

 

* “Alguns Gostam de Poesia”, de Wislawa Szymborska, presente no livro “Poemas”, com tradução de Regina Przybycien.

Alguns —
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.

Gostam —
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.

De poesia —
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.