Em cada lar, um robô para chamar de seu

13 maio 2017 às 09h42

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Se a criança convive em um ambiente cercado por robôs desde o nascimento, ela será capaz de criar laços emocionais com outras crianças? Ou apresentará dificuldade para interagir com humanos?

Anderson Fonseca
Especial para o Jornal Opção
Em 2007, o co-fundador e ex-presidente da Microsoft, Bill Gates, afirmou, em artigo publicado na Scientific American Brasil, que, 7 milhões de robôs estariam em funcionamento no ano de 2008, e, até 2013, na Coreia do Sul, haveria um robô em cada casa. A previsão não aconteceu. Ainda assim, é possível que até 2030, os robôs domésticos se tornem parte do ambiente familiar. Sempre que leio a respeito de robôs domésticos, sejam aqueles construídos para desempenharem tarefas caseiras como recolher o lixo, ou, entretenimento, como bicho de estimação, me pergunto qual seria o impacto cognitivo e emocional na família, em especial, nas crianças. Claro que há impacto. A questão é que não houve verificação e nem é possível, visto que a comercialização de robôs domésticos é recente.
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No artigo “O melhor amigo do meu filho é um robô” (Jornal Opção, edição 2165), especulamos com base no conto Robbie, de Isaac Asimov, o efeito da interação social de robôs empáticos com crianças. A personagem Glória (uma menina de oito anos) é um modelo hipotético para qualquer criança de mesma idade (acreditando que ela tenha sido criada com robôs desde o nascimento ou a partir dos 3 anos de idade). O modelo leva-nos a acreditar que, crianças educadas com robôs domésticos, desenvolveriam por eles sentimentos empáticos afetando seu comportamento, interação social e cognição.
A narrativa de Asimov é uma situação hipotética que serve como referência para a criação de um modelo que reproduza semelhantes condições a fim de verificar os efeitos da convivência familiar com robôs sociais.
Duas experiências
A Universidade de Washington, em 2012, fez um estudo visando descobrir se robôs babás seriam capazes de estimular a interação social, formação de laços afetivos e contribuir no desenvolvimento cognitivo de crianças. As perguntas que guiaram o projeto eram: Como as crianças se relacionariam com estes robôs? Elas os veriam como entidades personificadas ou apenas objetos?
A experiência iniciou com um jogo de adivinhação: as crianças deveriam adivinhar que objeto o robô escolheu, e o robô, depois, que objeto foi escolhido pelas crianças. Os pequenos animados, no momento de adivinhar o objeto selecionado pelo robô, foram surpreendidos pela equipe para responderem a um questionário. Para elas responderem as questões, o robô seria guardado no armário. Quando era transportado, o robô começou a protestar (na verdade eram outros membros da equipe através do controle de voz remota). O robô dizia: — Isso não é justo. O armário é escuro. A reação da máquina despertou a empatia das crianças. De 90 meninos e meninas entre 9 e 15 anos, 88% afirmaram achar injusto o tratamento dado ao “amigo” e 54% acharam não ser certo colocá-lo no armário. 80% considerou o robô inteligente (as crianças desenvolveram uma teoria da mente para as máquinas humanoides que simulam comportamento humano) e 60% que ele tinha sentimentos (razão para a formação de laços afetivos). De 90, um pouco mais da metade afirmou que daria suporte emocional ao robô, como abraços e diálogos.
A psicóloga Solace Shen, orientadora da pesquisa, afirma que relacionamentos com robôs, quando significativos, podem afetar a capacidade de interação social da criança, dificultando a formação de laços entre humanos. É claro, se levarmos em conta a idade em que ela teve o primeiro contato com a máquina, se a partir de zero ano, ou de 3 anos, ou depois dos 11.
A segunda experiência foi publicada no site Big Think, em 2015, estava em desenvolvimento, sem, por isso, ter resultados para se medir os efeitos da interação entre humanos e robôs por longo período em ambiente familiar.
A experiência envolve 12 voluntários britânicos vivendo em uma casa habitada por 4 robôs domésticos: dois para fins de auxílio doméstico e outros dois para entretenimento e companheirismo. O objetivo é determinar as consequências psicológicas em seres humanos causados pela interação com robôs.
Os resultados não foram ainda publicados e também não foi divulgada a universidade responsável pelo estudo. Apesar disso, o interesse em medir os efeitos psicológicos, cognitivos e sociais dos robôs domésticos sobre a família tem se tornado cada vez mais foco de pesquisas.
O tempo de interação entre um ser humano e um robô afeta o modo como o ser humano percebe a máquina. Do mesmo modo em que o tempo gasto em uma rede social, celular, ou computador modifica a forma como o cérebro percebe essas ferramentas, a interação com robôs que simulam empatia, inteligência e comportamento autônomo, afetaria o modo como o homem os percebe. Certamente, a empatia, o comportamento autônomo (ou melhor, instintivo) e a inteligência despertam em quem com eles interage um sentimento empático (a empatia pelo que está “vivo”).
Os dois experimentos objetivam traçar os efeitos psicológicos da interação homem-robô.
Se a criança convive em um ambiente cercado por robôs desde o nascimento, ela será capaz de criar laços emocionais com outras crianças? Ou apresentará dificuldade para interagir com humanos? Quais transformações cognitivas este convívio irá causar?
Certamente, o tempo em que criança é exposta a uma tecnologia altera sua cognição graças à neuroplasticidade cerebral (cada informação nova altera a rede neural e esta mudança na estrutura é uma forma de registro e adaptação). Depois de exposta, aquela informação registrada altera a forma como ela percebe o mundo. Assim, quanto mais cedo uma criança interage com robôs, mais profunda são as alterações cognitivas.
Robôs empáticos são programados para simular sentimentos com a finalidade de despertar nos humanos empatia. No entanto, é apenas uma programação, a empatia não é real. Por exemplo, o robô Pepper está realmente preocupado com o bem-estar do dono? Claro que não. Mas o programa simula o sentimento, passando a impressão de realismo. O humano que interage com esta máquina poderá ter sentimentos reais por ela, no entanto, o robô não entende o significado nem o valor deste sentimento, ele só é capaz de, a partir do reconhecimento facial e alterações na modalidade vocal, reagir como programado: entreter o cliente para animá-lo.
Imagine crianças vivendo com robôs em casa desde o nascimento, máquinas com quem brincam, conversam e se simpatizam, quais as consequências desta interação de longo prazo? Será isso bom? Ou será mau?
Há o perigo de elas substituírem a interação com humanos pela interação com robôs?
Há o risco de a criança desenvolver uma falsa empatia?
É muito cedo para fazer especulações, mas também não é tarde.
Anderson Fonseca é neuroeducador e escritor de ficção científica. Pesquisa o impacto cognitivo em crianças educadas com robôs domésticos.
Artigo originalmente publicado na página do autor, na plataforma Medium.