Grupos goianos de vertentes diferentes do rock independente lançaram discos que merecem a sua atenção. O primeiro deles saiu em outubro. O segundo há nove dias

Segundo disco da Caffeine Lullabies traz maturidade da banda, que aposta em novas escolhas, sem deixar raiz no hardcore melódico de lado | Foto: Gabriel Mendes

Depois da boa impressão deixada na estreia com o disco “The Closest Thing to Death” (2015), a banda Caffeine Lullabies passou por algumas mudanças na formação. O guitarrista Ian Alves passou a tocar na Brvnks e foi morar em São Paulo.

Três anos depois veio o EP “Blueprints for a New Ocean” (2018), com uma pegada bem mais indie. Era a primeira gravação de estúdio com o novo guitarrista, Gabriel Santana (Components, Høstil), e o último registro do baterista Heitor Lima no grupo.

O hardcore melódico e o emo do início dos anos 1990 deram espaço para uma veia mais indie rock. A maturidade do som da Caffeine Lullabies tenha ficado mais evidente, com todo o processo de trocas e reencontros, no segundo disco “We Want You to Be Happy” (2019), lançado em outubro. O baterista Pedro Hernández (Solicitude), que já tinha tocado com o vocalista Felipe Cavalcanti na banda Critical Strike, deu liga a uma formação que parecia não se entender tão bem no EP.

Com o baixista Rodrigo Modesto (Funbox, Atomic Winter) e o guitarrista Bruno Roque (Solicitude, Ara Macao), Felipe completa o trio da formação original. Do som do primeiro disco, sobraram referências que aparecem principalmente em três das quatro primeiras faixas do disco.

A animada “Disappoint Is a Tricky Animal” segue a lógica das referências do hardcore das primeiras gravações da Caffeine. E casa bem com “We Want You to Be Happy”, que também lembra alguma coisa do “The Closest Thing to Death”, de 2015.

“Headlights” faz parte da primeira metade mais agitada do disco, mas dá outra pegada para o disco. É a primeira deixa no álbum para as músicas mais lentas que chegam na segunda parte. O peso do disco, que volta na penúltima faixa com a rápida “Sublimation”, ganha corpo com “Violent Superego”, a única faixa com vocal gritado no final. Apesar de completamente diferente de tudo que aparece no “We Want You to Be Happy”, a canção é extremamente necessária pela virada de melodia e sintonia que traz para a sequência do registro.

Depois da porrada de “Violent Superego” entra a calma “Loved Ones”, onde a Caffeine Lullabies aponta para uma direção bem mais indie do que o hardcore das faixas anteriores. “Watch You 6” aprofunda ainda mais a cadência do disco para um momento de contemplação da melodia. Depois de “Sublimation”, o álbum acaba na delicadeza de “5:30 (Morbid Dreams)”.

Já a Ousel é uma das bandas mais novas e ao mesmo tempo mais interessantes do que tem surgido em Goiânia na música independente. A mistura de post-rock e shoegaze com melodias impactantes se une de forma mais do que perfeita com a voz doce que, em alguns momentos, lembra Dolores O’Riordan, do Cranberries. É claro que essas comparações não levam a lugar algum.

Com vocal de Roberta Moro, João Paulo Guimarães na guitarra, Renato Fernandes na guitarra e Túlio Queiroz no baixo, a banda encontrou uma solução para a ausência de baterista na hora de gravar seu primeiro disco. Luan Rampazzo (Branda) gravou as baterias de “Ousel“, lançado no dia 17 de janeiro. As pitadas de pop misturadas ao post-rock e a precisão suave do vocal entram em sincronia com os solos de guitarra na dose certa em “Maya” e “Silent Mess”, singles que saíram ainda em 2019.

Toda o clima gerado na abertura do disco, com a faixa de introdução “Lighthouse”, abre caminho para a mais rápida “Choices”, que talvez seja a melhor música da gravação. O álbum cresce junto com a evolução da banda, que se apresentou – se não me engano – pela primeira vez no extinto Complexo Estúdio e Pub, no Centro, com uma vocalista bastante tímida e um instrumental que ainda faltava alguns ajustes, mas já mostrava que tinha muito de interessante.

Só senti falta de mais pressão da bateria nas partes em que “Choices” cresce, o que não prejudica qualidade da música. Quando assunto é melodia precisa, o minuto instrumental de “Mistaken” é um bom cartão de visitas da Ousel. A faixa continua a crescer com a entrava do vocal, o que cria uma variação de angústia e desespero que prendem quem ouve.

“Borderland” é a canção mais pop de todo o disco em sua primeira parte. O que nada tem a ver com menos trabalhada ou falta de qualidade. As contradições da letra também são simples e interessantes retratos das divagações de uma vida em contestação: “Did you ever fall in love?/Did you ever feel alone?/Had this troubles in your head“. É como se a canção fosse dividida em duas. Quanto mais aumentam os questionamentos da pessoa com relação à tentativa de ver sentido naquela vida, mais lenta e arrastada “Borderland” fica.

É curioso que “Autumn Days” venha na sequência de “Borderland”. E faz todo o sentido. É como seu uma calmaria de outono pairasse depois da tempestade do limite que beira o desespero. “Fade Out” é o fim de um disco que dá vontade de escutar de novo e de novo e de novo. Ao contrário da letra final, o sentimento não é de desaparecer nem de afundar, mas de querer mais.

Se você não conhece a Caffeine Lullabies e a Ousel, chegou a hora de dar atenção aos discos das duas bandas de Goiânia. Em breve tem show por aí e você pode conferir o som ao vivo.