Diante de Gilberto Mendonça Teles, diante da poesia
25 julho 2021 às 00h01
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Sua poesia tem a precisão de uma questão matemática, quando é rima e ritmo, a leveza de nuvem, quando é sonho que se sonha acordado
Maria Helena Chein
Especial para o Jornal Opção
Gilberto Mendonça Teles é o poeta que capta o instante, a emoção, a beleza da mulher, a fragilidade das coisas, o amor perene por Goiás e o humor instigante que perpassa inúmeros versos.
Hoje eu sei que sou um homem serial/ e, como todo apaixonado, inoportuno./ Um homem talvez uno, talvez absoluto./ Uma forma qualquer de anacoluto.
Estou com centenas de poemas de Gilberto Mendonça Teles nas mãos, nos olhos e na emoção. Quero lê-los, relê-los devagar e submeter-me aos versos que me envolvem tal uma concha sedutora que não me permite sair. Demorar em cada palavra, com sua riqueza de significâncias, é o meu desejo, mas o tempo não me espera, e sigo adiante, no intento de dizer ao poeta que vou, com prazer, ao mundo mágico de sua poesia, esse reinvento de nossas emoções, sentimentos, desejos, busca do invisível e do palpável, trabalho incessante nos desafios da linguagem e na observação do que existe fora ou do que mora dentro.
Gilberto Mendonça Teles é um apaixonado pela palavra e, em seus versos, ela está sempre vestida de flores que ele busca em qualquer jardim e as transforma em noivas gentis e belas, ou em dores rendilhadas de esperanças, ou em jogos de sutis humores. Sua poesia tem a precisão de uma questão matemática, quando é rima e ritmo, a leveza de nuvem, quando é sonho que se sonha acordado e, ainda, a água dos rios de sua terra, Goiás. É um desafio singular entre a lírica sem limites e os remendos do cotidiano. Pródigo na construção de cada poema, não se deixa levar pela corrida dos dias e das noites, antes, impõe-lhe rédeas para que não se perca no “cerrado cheio de lobisomens e caiporas”, nas “encruzilhadas e feitiços” ou na “quintessência final de coisa alguma”. Grande fôlego, premente vontade para amealhar uma riqueza, que o mais astuto ladrão jamais conseguirá levar.
No poema “Curriculum”, do livro “Plural de Nuvens”, ele compõe a trajetória de sua vida, com humor “… tanto os rumos na encruzilhada,/ tantas matérias sem conteúdo,/ que eu acabei não sabendo nada,/ embora mestre de quase tudo.”
Na temática onde o amor circula, ora confessa o fogo que não se extingue e corre queimando veias e vísceras, ora brinca com as musas de todos os tons, de todos os cheiros e incandescências, onde expõe o discurso carregado de beleza, sem lacunas e fragmentos. A mulher é divinizada, amada, com a liberdade de poeta que se sabe ternura, fogo, senhor e escravo, no silêncio ou na confissão. Mostra sentimentos e emoções com sua rima interior, com o ritmo que dança, e com a linguagem buscada para todos os ais, descobertas e encantamentos, circunscritos na memória do fazer poético, como em Intertexto, livro Cone de Sombras.
“Quisera ser romântico e pedir-te/ o globo de teu peito entre queixumes./ Depois dormir, sonhar e no porvir/ te pedir paz e te fazer ciúmes.”
Magia, erudição, singeleza e perspicácia
Gilberto tem a magia, a erudição, a singeleza e a perspicácia para escrever seus textos poéticos. Deparo-me com a criatividade de um poema, exemplo de sua busca incessante, para que causas e efeitos tenham o real significado. Não faz por fazer, faz para dar um recado. No livro “Saciologia Goiana”, cantou a terra natal. Cantou os rios, as lendas, histórias, índios musas e o Saci-diabinho despudorado, brincalhão e astuto. Cantou, com amor e cuidado, nosso Goiás-terra e gente. Nesse livro, encontro o surpreendente “2. Analítico”, e me detenho, pela ousadia do tema. Gilberto vai sempre às últimas consequências para fundamentar sua criação, para que não se perca num mero levantamento de ideias ou em uma ilusão sem serventia.
Para o meu novo livro de poemas
preciso urgentemente consultar
2.1 A CRÍTICA
2.1.1. dos jornais
2.1.2. especializada
2.1.3. universitária
2.1.4. acadêmica
2.1.5. dos bares e café
2.1.6. dos anônimos
2.1.7. dos lobisomens
O poema continua, inserindo o Leitor, as Livrarias e Bibliotecas, a Inspiração e a Reflexão. E termina assim:
“Depois é só deixar que outros problemas
ocupem normalmente o seu lugar”.
Inventivo, o poeta tempera a escrita com alusões irônicas e divertidas, fruto da procura do tema, detendo-se em cada situação, para não ser apenas uma sequência de palavras aleatórias. Tem consciência do que faz, do que deseja passar ao leitor surpreso ou reticente. Lembro-me da irreverência dos versos de “Inspiração” (poema musicado por Ney Matogrosso, em 2004), no livro “Plural de Nuvens”.
Pega a palavra, pega e come./ Não interessa se algum nome/ possa te dar indigestão.
Se Gilberto, em sua obra, tem os traços dos vários movimentos literários, acredito que o romantismo vai bem com sua natureza notadamente amorosa. Para ele, o amor é mais platônico que real, e, das musas mais cantadas, jamais ganhou um beijo, mas diz que beijou, afirmação do poeta. Sua alma é toda de amores, de encantamentos e ternura, ou de tristeza, lembranças, alma que pode se sentir presa a um nome “Teu nome é um favo, tão flavo, tão doce”, ou à saudade “E estas saudades dolorosas, levo-as/ dentro de mim…” Sabe que um dia, o coração há de se cansar de tanto amar, de tanto ser luz e cinza, de tanto doar-se, plena e constantemente, e mesmo cansado, continuará a vida de quem faz versos e os distribui por onde passa, seja aqui ou longe.
Verdadeiro alquimista da palavra, a linguagem alcança voos e pousos, onde brinca, experimenta, canta, angustia-se, deixando as marcas de sua identidade e jeito de ser: ousado e seriamente comprometido com seu ofício. Com a palavra buscada, analisada e vivida, constrói seu universo exigente de poeta, que conhece os matizes e feitios das escolas literárias, por onde passaram grandes versejadores. É admirável o volume extenso de sua obra, consequência de uma vontade imensa de escrever e de “não ter preguiça”. E surpreende-me a organização de seu trabalho, minimamente catalogado: poemas, antologias suas e outras das quais faz parte, prefácios, premiações, dissertações sobre sua obra, fortuna crítica, discografia.
Noventa anos de idade divididos em mais de sessenta anos de produção literária, mais de sessenta livros publicados e quase sessenta anos de vida acadêmica. Dois livros importantes, “O Terra a Terra da Linguagem” e “Aprendizagem”, oferecem-nos uma oportunidade para conhecermos parte de sua grande produção. No primeiro, estão condensados seis livros, além da seleção de “Improvisuais” (poesia concreta), prefácios, estudos de críticos e anexos importantes. O título “O Terra a Terra da Linguagem” tem explicação do poeta. “O Terra” seria o fio da terra, que suprime os excessos de suas criações; “a Terra” mostra o amor pelo torrão natal e ambos se configuram na Linguagem minuciosamente idealizada e trabalhada.
Conheci Gilberto Mendonça Teles na época do Grupo de Escritores Novos (GEN), ele bem jovem, e já comprometido com sua caminhada na escrita e na fala, raízes de suas invenções e da bem conduzida disciplina cultural. Cantou a terra natal no livro “Saciologia Goiana”, com poemas escritos entre 1970 e 1981. Levou, para diversas universidades brasileiras e europeias, a poesia que conta a história do nosso Estado, esse Goiás que finca suas raízes em nossa alma agreste e de uma gentileza jamais vista. Gilberto continua, em seu empenho lírico, com traços da racionalidade, a oferecer-nos sua multifacetada poesia.
Maria Helena Chein é poetisa e contista.