Nilson Gomes-Carneiro

Especial para o Jornal Opção

Uruaçu, no Norte de Goiás, sai no noticiário praticamente todo dia devido aos acidentes na BR 153, a rodovia que todo presidente da República promete duplicar e, até agora, nada, apenas praças de pedágio. No entanto, hoje, a novidade é boa. A cidade, a 300km de Goiânia, terá o lançamento do livro “As tranças de Ana”, organizado pelo escritor Itaney F. Campos. O evento, a partir das 19h (no Auditório Jorge Gabriel Moisés da Faculdade Serra da Mesa, a FaSeM), vai também empossar a nova diretoria da Academia de Letras de Uruaçu, a Aula, com Edson Arantes Junior na presidência e Jota Marcelo de vice.

Recomendação: passe o domingo lendo a obra, porque há bastantes versos aproveitáveis (leia os melhores trechos após o fim desta resenha). As orelhas na tiragem de papel são do contista e romancista Miguel Jorge, que viu no livro “uma sensação harmoniosa de devaneios, de sonhos, da beleza do poder da criação que somente o artista, em sua loucura produtiva, pode atestar e reconhecer”.

Itaney reuniu mais 21 autores, quase todos de Uruaçu, que é sua cidade natal, filho do grande conhecedor de literatura na região, Cristovam Francisco de Ávila, que faleceu no dia 8 do mês passado, aos 103 anos. Foi prefeito de Uruaçu, promotor e procurador de justiça. “Era o maior nome da cultura local”, define o jornalista Jota Marcelo, seu confrade na Aula e um dos componentes de “As tranças de Ana”. Colega de um no Ministério Público e do outro na advocacia (que Itaney exerceu no início da carreira), o ex-senador Demóstenes Torres diz que a obra impressa do pai é importante, mas está em Itaney e seus irmãos “o grande legado do dr. Cristovam”. “Se um homem realizado é o que plantou uma árvore, teve um filho e escreveu um livro”, replica Demóstenes, “imagine o dr. Cristovam, que espalhou sementes de sua inteligência, teve sete filhos que só davam orgulho para ele e para o Estado de Goiás e livros que perpetuam a memória de sua terra natal”. Cristovam foi reverenciado por outras autoridades, como o prefeito de Uruaçu, Valmir Pedro, e o presidente da Associação Goiana do Ministério Público, Benedito Torres Neto.

Além de lembrar o escritor Cristovam Ávila, a cerimônia vai celebrar aqueles que com ele conviveram na Aula: Edson Arantes Junior, Geraldo Rocha, Ítalo e Itaney Campos, José Carlos Camapum Barroso, Jota Marcelo, Josiane Adorno, Luiz Arapiraca, Maom, Meire Carvalho, Rafael Bueno da Silva e Sinvaline Pinheiro. Eles estão na antologia juntamente com Al-Chaer, Chico Perna, Edival Lourenço, Gabriel Nascente, Giovani Ribeiro Alves, Hércule Ribeiro Martins, Juracema Camapum Barroso, Lêda Selma, Marco Aurélio Silva Esteves e Ubirajara Galli.

Na apresentação, Itaney F. Campos, que é desembargador no Tribunal de Justiça de Goiás e presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), esclarece que se equivoca quem pensa no livro a ser lançado hoje como “apenas mais uma coletânea de poemas”. O que a diferencia das demais:

“Várias particularidades, inclusive porque a maioria dos participantes não é de poetas conhecidos. Pelo contrário, alguns nunca publicaram e, por isso mesmo, inovam com sua voz e particular visão de mundo”.

Explica o objetivo de investir seu tempo, concorrido entre tantos afazeres, a procurar autores e seus escritos:

“O objetivo é repercutir o estro poético, a sensibilidade desses escritores anônimos, cujo lirismo murcha nas gavetas, seca na escuridão do anonimato, inobstante o vigor de sua verve criativa”.

Ressalta ainda mais a participação da anterior (Lêda) e do atual (Galli) presidentes da Academia Goiana de Letras (AGL, que Itaney integra), “escritores festejados no cenário estadual”.

Membros da AGL, Edival (cuja “festejada verve” é ressaltada por Itaney) e Gabriel (“de surpreendente eu lírico”) também são reconhecidos e premiados nacionalmente. Gabriel acaba de concorrer mais uma vez a vaga na Academia Brasileira de Letras. Perdeu de novo, agora para o índio Ailton Krenak. Não tem cara de quem vai desistir.

A poesia começa no título da obra

A respeito do título, Itaney demonstra sua verve poética ao explicar as tranças e conhecimento histórico ao falar da Ana.

“Sobre as Tranças”. Em resumo, Itaney verseja em prosa na apresentação do livro:

1)     “Conotação de feminilidade ou delicadeza própria da poesia, filha do sensível, e ao mesmo tempo de tramas, de tessitura, de enredo e vivências e experiências sensíveis de poetas da terra, uruaçuense e goiana”;

2)     “Representa também um tramado, um feixe de poetas e poemas de diferentes plumagens, origens e vertentes, vinculados de alguma forma ou com traços de identificação a Goiás e a Uruaçu”;

3)     “A cidade congrega, une e reúne os poetas, enlaçando-os com suas tranças, suas danças, suas andanças”;

4)     “O homem e a mulher com suas tramas, seus trançados, suas costuras e urdiduras, na linha do tempo e do espaço líquido em que circunavegam”;

5)     “Há uma teia de discursos poéticos que respondem a evocações anteriores e provocam novos discursos, numa polifonia lírica, entrelaçando vozes de múltiplos emissores e naturezas, qual uma trança que evoca o passado e, ao mesmo tempo, instiga o contemporâneo”;

6)     “Tranças é um termo polissêmico, polinizador, muito próprio para a urdidura que é o fazer poético, obra da razão e da emoção, tecido que se fia com os fusos da palavra em sua multiplicidade fonética e semântica, e os seus insondáveis mistérios e raízes”.

Sobre a Ana. Itaney explica que os poemas são, na maioria, de autores de “Uruaçu, Uruaçu, antiga Vila de Santana, derivada da fazenda Santana do Bom Sucesso, cuja padroeira, Senhora Santana ou Santa Ana, é a mesma do Estado de Goiás. Seu nome designou igualmente a primeira capital do Estado, depois Vila Boa (de Bueno) hoje cidade de Goiás”.

O melhor da poesia de Uruaçu

Al-Chaer (Alberto Vilela Chaer), mestre em Engenharia Civil, de que dá aulas na PUC-GO:  “com sua boca/ amanteigada/ faz-se poesia na chapa/ quente/ de cada dia” ou “te amar tanto (…)/ um tanto que sobre/ para ser/ guardado e protegido/ abastecido/ em despensa// para te amar/ depois/ quando não/ houver mais/ hoje”.

Chico Perna (Francisco Perna Filho), mestre e doutor em Letras e Linguística, professor universitário em Goiás e Tocantins. Seus poemas escolhidos por Itaney F. Campos (o Francisco que num é nome, noutro é sobrenome; e a perna que num é sobrenome, noutro passou a perna nos textos ruins e deixou apenas o filé). Por exemplo: “Já escapei da morte/ algumas vezes,/ mas desta vida,/ compreenda,/ desta contenda,/ deste embaraço,/ não tive saída”.

Edival Lourenço, ex-secretário estadual de Cultura, excelente cronista e romancista: “Daqui do escritório/ escutei quando ele/ arrastou os pés/ para retirar o barro/ das sandálias./ Raspou a garganta/ e puxou uma tosse/ de aproximação.// A porta rangeu./ Escutei seus passos/ claudicantes/ pela sala.// Continuei no escritório/ ultimando uma frase/ para não perder o fio/ da ideia e sair correndo/ para abraçá-lo.// Não sei se a frase era longa/ além da conta/ ou sua visita,/ muito fugaz.// Quando cheguei à sala/ não havia mais ninguém./ Senti apenas uma alucinação/ olfativa com o cheiro antigo/ de seu cigarro de palha/ e fumo de corda.// Só então percebi/ o meu equívoco/ em não ter saído correndo/ imediatamente/ para abraçar meu pai.// Afinal/ faz cinquenta e sete anos/ que ele saiu/ para umas andanças etéreas/ e só agora dava sinais/ de que estaria/ de volta.”

Edson Arantes Junior,o Pelé das Letras do Norte Goiano. Destaque para este trecho do poema “Seu Joaquim”: “Seu Joaquim benzia/ Segunda, quarta e sexta-feira;/ Nunca aos sábados// À sua porta/ Madrugavam/ Moça por casar,/ Doentes desenganados/ pelo homem de branco,/ gente simples que não arrumava trabalho./ Quebranto, vento-virado, espinhela caída, cobreiro,/ O manual clínico do sertão.// (…) Foi de tantos santos/ Das três virgens Marias/ Guiado por Pai João/ Num adeus fraterno, abençoava os seus, que eram muitos.”

Gabriel Nascente está muito bem representado em “As tranças de Ana”. Como sua qualidade é celebrada no país e a maior utilidade do livro é apresentar novos autores, apenas uma degustação do manjar servido pelo grande poeta amigo de Carlos Nejar e Menotti del Picchia: “Um rio que navega sem/ psius de pescador,/ é fiasco geográfico,/ corrupio de espumas,/ solidão”. Procure o livro e leia Gabriel Nascente com urgência. Você merece literatura de alto nível, o nível que ali encontra.

Geraldo Rocha é romancista e dedica-se à fazenda, uma espécie de Raduan Nassar do Cerrado. Da lida como produtor rural, tira versos como os do poema “Contradições”, que fala em “Arrancar as tramelas”, “Derramar lágrimas sobre fotos amareladas”, até se descobrir finito: “O que eu quis fazer, mas deixei pra depois,/ Achava que o tempo não passava nunca,/ Não sabia que a pilha da vida, chamada juventude/ Descarrega com o tempo e não volta jamais.”

Giovani Ribeiro Alves, pastor da Assembleia de Deus, fez filosofia na PUC-GO. De tanto conviver com os anjos, dá asas às palavras: “Onde o vento/  faz a curva/me assento.// Sou asas,/ além do/ tempo.// Sou agora,/ sou outrora,/ me reivento.”

Hércule Ribeiro Martins, um singular do filho de Zeus com seus 12 trabalhos, rodou o mundo como ambientalista e pousou em Uruaçu para definir o mais belo dos sentimentos, a amizade: “É o que segura quando tudo cai/ sem dar de ombro ou avaliar o escombro/ racha o cobertor, divide o ouro, concede o amor”. E avisa para quando voltar a voar: porta aberta é um fosse de irremediável ilusão, porque é daqueles que olham para trás, daqueles que voltam.

Ítalo Campos nasceu em Uruaçu (é irmão de Itaney), mas fez carreira como cientista e intelectual no Espírito Santo. Parece definir o pai no ótimo poema “A barba” (é o último texto desta resenha) e dedica aos herdeiros outra linda criação: “(…) Posto que meus filhos não são ratos e/ porque meu amor lhes deu asas,/ agora partem./ E aqui ficamos nós com nossas asas recolhidas/ a admirar os pássaros na construção/ de suas novas vidas.”

Itaney F. Campos pede a Carlos Drummond de Andrade para livrá-lo “do chorume da tarde,/ do lamento amargo,/ do desencontro previsível/ e ainda assim dilacerante”. Escreve que o rio de sua infância em Uruaçu, o Maxambombo (com x ou ch), “parece às vezes/ derramar-se,/ em gotas,/ dos meus olhos mais antigos./ E correr por entre os dias, não pro rio Maranhão,/ mas para as vias venosas/ que fazem deslizar disparado/ o arroio do meu coração”.

José Carlos Camapum Barroso, jornalista em Brasília, rimou sua admiração por Cristovam Ávila (leia ao final da página).

Josiane das Graças Adorno, psicanalista e professora em Goiânia e Uruaçu, escreve muito bem. Por exemplo, quando pede ao tempo, “Deixa-me apenas colocar o meu cansaço no teu colo/ Esparramar pelos teus ombros as minhas ausências…/ Escorregar pela tua boca as minhas esperanças/ Respirar fundo a tua pele/ Mimetizar os nossos cheiros e aos poucos,/ Reconstruir os nossos sonhos…”. Josiane é mestre em História com um personagem improvável, o artista plástico e arquiteto francês Louis Bernard Tranquilin, que veio parar no Norte goiano. São dele as esculturas que recepciona os visitantes de Uruaçu.

Jota Marcelo (José Marcelo Lopes dos Reis) tem ampla formação acadêmica e optou por editar o “Jornal Cidade”. De seus textos, escolhi o ABC do poema “Quarto”, com as “palavras juntadas no quarto hospitalar da mãe Benedita Lopes dos Reis (que tem acompanhamento obrigatório 24 horas por dia – vítima de AVC em 22/02/2020)”. Foi no Crer, em Goiânia, na madrugada de 15/3/2020. Veja o A a Z: “Aparelho/ Benedita/ Corpo/ Deus/ Esperança/ Feridas/ Gastrostomia/ Hospital/ Internação/ Jó (Paciência de)/ Kit/ Leito/ Mãe (avó, bisavó)/ Noite (E dia)/ Oração/ Pulmonar/ Quarto (Antes, UTI, Semi e UPA)/ Reflexão/ Saúde/ Traqueostomia/Uruaçu (e Goiânia)/ Vida/ WC (foi AVC)/ X (Raio)/ Yes!/ Zelo”.

Juracema Camapum Barroso, de Uruaçu, tem missão quase santa: é voluntária para alfabetizar adultos. Quando aprendem, pode usufruir de seus versos que aparecem e som, ficam guardados e, com a chegada do outono, surgem no céu como estrelas. Palavras voam por sua mente como lâminas.

Lêda Selma, magistral cronista, foi merecidamente homenageada tendo 2022 como Ano Cultural que levou seu nome. Diante disso, ficam diminutos mesmo os os grandes prêmios, os milhões de views na parceria musical com Ivan Lins, os estudos acadêmicos feitos em sua obra por mestrandos. Comparece à antologia com versos os desta reflexão: “Sentar-se sob o silêncio/ de um mundo gradeado/ e olhar a vida de longe, de soslaio, de passagem,/ é não ver, postas, as mãos,/ nem de joelhos, o mundo/ à beira de covas rasas,/ de escombros já sem almas/ e assomos de miasmas.// É ignorar a tragédia,/ nos cortejos de extintos,/ os tremores quase insanos/ sob temores insones/ da humanidade em vigília!/ O dia a dia, sem prumo,/ tropeça na noite a noite,/ e o claro vira escuro,/ e o escuro arma a foice!”

Luiz Arapiraca (Luiz Ricardo Oliveira da Silva) adotou o nome da cidade de Alagoas em que nasceu. Poeta e professor em Uruaçu. Expressa, nas septilhas de cordel, a simplicidade dos sábios. Confira em 5 segundos o que os coaches levam 5 palestras para dizer: “”A vida não são só títulos,/ Status, dinheiro, poder./ A vida é ter significados;/ A vida nasce no amanhecer!/ Viver é uma caminhada,/ É rumo de longa jornada…/ A vida é a arte de viver”.

Maom (Maria Aparecida de Oliveira Moreira), da pequena Hidrolina, mora em Uruaçu, escreve sonetos e ainda crê que “o mais nobre sentimento” é o amor, não a agiotagem. Pois “quem ama é altruísta” e não é presunçoso, egoísta, ciumento, arrogante ou invejoso. Precisamos ir mais a Hidrolina. O problema é que na “Declaração de amor”, Maom recomenda: “Não dê seu sorriso a outros seres”, declara querer “algo sério, não só momentos”. É, vamos ficar por aqui mesmo.

Marco Aurélio Silva Esteves, mestre em Psicologia, é professor na Faculdade Serra da Mesa, onde será lançado o livro. Típico dos grandes poetas, vive a “dualidade da melancolia” numa “introspecção sem fim”: “Para tentar resumir/ Não preciso mais de mim”. Mais: “Cansei de me conhecer/ No poço, eu cheguei ao fundo/ Para tentar me entender/ Precisei me sentir imundo”.

Meire Carvalho, uruaçuense professora e pesquisadora da UFG, exerce bom papel na antologia. Observe trechos dos “Diálogos com varais”: “Pendura tua vida no varal,/ deixe à mostra os rasgados,/ os cerzidos, os tecidos a engomar”. Só esses versos aqui valem o livro: “Pega a língua cumprida e faladeira/ põe no tanque pra bater,/ Limpa as mentiras escondidas”.

Rafael Bueno da Silva, filósofo, professor e mestre em Educação, sintetizou a resistência à crueldade de ser-no-mundo: “Ajuntou os pedaços de seu corpo,/ dilacerado pelo caos,/ e encontrou na fantasia,/ amontoando os seus cacos, uma forma de existir”.

Sinvaline Pinheiro é uma pérola em meio às ostras do serviço público. A então prefeita Marisa Araújo, que morreu em 2011 vítima de acidente na BR 153 (conforme lembrado no início desta resenha), nomeou Sinvaline para cuidar do museu e do teatro que fez às margens do lindíssimo e piscoso lago de Serra da Mesa. Marisa, emérita formadora de equipe, havia acertado novamente: Sinvaline saiu-se muito bem. Ao contrário dos demais acadêmicos, é autodidata. Conta como se apaixonou pela literatura: “Certa vez um amigo de meu pai vendedor de livros descarregou a kombi cheia em nossa casa, enquanto ia pescar [com o pai de Sinvaline]. Aproveitei a oportunidade única. Depois que mamãe ia dormir, eu fazia profundas e longas viagens, em segredo, à luz da lamparina. Desde, os livros são parte da minha rotina, por isso nada aqui tem rotina”. Veja como descreve a atual época: “É quase Natal…/ Ano findando, pessoas correm no zigue-zague do tempo…/ Lojas enfeitadas, carrões, luzes e fumaça…/ A ilusão sobe na calçada e nas roupas…”.

Ubirajara Galli forma, com Gabriel Nascente, a dupla de maior número de livros publicados em Goiás. Em conjunto, passam de 120. No caso de Galli, a maioria de pequenas e caprichadas biografias, que chama de “Historiografia goiana”, cujo volume 3 foi lançado nesta semana. Esquenta a já quentíssima Uruaçu com sua “Íntima ambiguidade”: “Minha carne, cerca viva/ de músculos que incham/ e se contraem,/ afaga neste pulsar/ a cria de uma paixão.// Suas salivas ainda lambem minha alma”.

1

A barba

Ítalo Campos

Ele se delicia ao fazer a barba

Peito nu, com as mangas da camisa soltas,

Ela se prende ainda por dentro das calças.

Sua única nudez pública permitida em sua longa vida.

Sente o prazer das pequenas coisas: O deslizar do pincel com espuma

No rosto ainda firme.

Afiada lâmina, a navalha corre em todas direções perigosamente.

Seus pelos se deixam ferir, ele fecha os olhos confiante na mão da filha.

Acreditou em Deus, nos homens e na ciência. Não brigou.

Entregou-se à alegria e às dores em mesma moeda de dupla face.

Cada valor era somado, sem balanço ou cálculo premeditado como a

Abelha que retorna à sua colméia.

O espelho são os olhos da filha refletindo sua curiosa e feliz infância

Campeando o gado, compensando a orfandade com carinho de tias.

Derrama uma lágrima de um dos seus olhos. Caolha vida sertaneja,

Cem anos de solidão Afonsina, Gasparina, Manoelina e Oliviana:

Vozes ecoadas por estradas de chão e veias abertas à força da foice

E enxada.

Os pelos brancos vencidos se espalham pelo chão se perdendo:

Destino de todo cristão. 

Seu contentamento com a espuma refrescante pede repetição e sonha.

Neste instante, este homem como águia se renova e se alegra

Ao toque, ao tato, ao trato, à afinada navalha.

Somam-se o Leite de Colônia e seu suave frescor.

Quem atravessou um século tem direito à terceira margem.

2

Ao mestre, com carinho

(Para Cristovam Francisco Ávila)

José Carlos Camapum Barroso

Ao Mestre, nosso carinho

Gratidão que não tem par

Por ter mostrado caminho

Para que pudéssemos trilhar

Ele, o portador de Cristo

Ensinou-nos a arte de pensar

Para que fossemos visto

Então, aptos a caminhar

Mestre, ensinou um dia

Uma breve e precisa lição:

O segredo da sabedoria

Encontra-se no coração

O conhecer e a bondade

Andam juntos na eternidade.