De um gato na manjedoura ou de como o Natal pode ser visto de outra perspectiva
29 dezembro 2019 às 00h00
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Livro de Michael Foreman sugere que o Natal deve ser lembrado e comemorado sob a luz das diferenças e não sobre elas
Soninha dos Santos
Especial para o Jornal Opção
O Natal, para muitos, é o festejo mais esperado e comemorado do ano. Simboliza, para os cristãos do mundo todo, o nascimento de Jesus Cristo, fato que mudou para sempre a religião e a crença das pessoas. O menino Jesus, de acordo com as histórias bíblicas, nasceu em Belém da Judeia, em um estábulo, dentro de uma manjedoura. Foram testemunhas desse acontecimento mágico os pastores, os reis magos, que lá chegaram guiados pela estrela de Belém, e os animais que, durante a noite, se recolhiam nos estábulos: vacas, cavalos, ovelhas.
Entretanto, “Um Gato na Manjedoura” (Globo, 28 páginas), de Michael Foreman, faz com que a alegria desse nascimento seja ampliada. Um gato esfomeado, procurando alimento, naturalmente ratos, narra a história sob um ângulo diferente, um que nos permite perceber qual foi a visão dos animais que frequentavam o estábulo sobre o nascimento mágico do Menino Jesus.
O gato começa afirmando que a noite estava muito fria mesmo, e detestava vacas, por serem desajeitadas, estabanadas, mas quentinhas. Como tinha medo das pisadas delas, pretende dormir na manjedoura. Depois, diz que não gosta dos bodes por estarem sempre medindo forças entre si e que eles dificultam o sono de quem está por perto. Jumentos então, de acordo com o gato, te olham como se fossem amigos, mas se viram e dão-lhe coices. Diz que é preciso cuidado redobrado com jumentos por perto.
Pois bem! Justamente naquela noite, fria demais, o gato procura o estábulo para se aquecer e lá encontra um homem, uma mulher e, no meio da neve, um jumento! Ele não quer acreditar no que está vendo e se refugia na manjedoura. Percebe que a mulher não parece bem e, em seguida, nasce um bebê. Todos os animais estavam bem acordados prestando atenção nos acontecimentos. E ele, naturalmente, sai da manjedoura – que é amaciada com feno para receber a criança. O gato diz que “era como se o mundo todo prendesse a respiração”. Todos olharam o bebê e o bebê retribuiu o olhar. E então os outros personagens dessa história começam a chegar como se guiados magicamente para a manjedoura: pastores com suas ovelhas e os reis magos com seus camelos. Todos se ajoelharam diante dela e ficaram felizes.
A cena final, ilustrada por Michael Foreman, é das mais lindas retratando o presépio: todos ajoelhados diante do pequeno menino e à sua volta todos os animais por ordem de tamanho, e bem à frente, ao lado do gato, o nosso narrador, ratos, centenas de ratos. O gato olha para eles e pensa “só dessa vez”, e deixa-os passarem por ele para se posicionarem à frente. A cena é linda e sua simbologia também, ou seja, o Natal deve ser lembrado e comemorado sob a luz das diferenças e não sobre elas. Lutar por um mundo que é de todos e onde todos devem ter seu lugar de direito e de fato. Ter e viver em um mundo, melhor ou não depende de cada um de nós, particularmente.
A literatura infantil, sutilmente, tem encontrado as mais belas e poéticas maneiras de nos colocar de encontro com nosso eu interior e nos fazer enxergar quem de fato somos, onde estamos e o que devemos fazer enquanto estivermos aqui.
Se não deu um livro de presente no Natal, dê “Um Gato na Manjedoura” como presente de ano novo.
Soninha dos Santos, professora de literatura infantil e juvenil, é colaboradora do Jornal Opção.